'Bom Sucesso' conquista público e incentiva leitura ao falar de forma lúdica de obras clássicas
Buscas por livros citados na trama registram aumento de mais de 5.000%
Buscas por livros citados na trama registram aumento de mais de 5.000%
Quando Rosane Svartman e Paulo Halm, autores de "Bom Sucesso", tiveram a ideia de ter a literatura como um dos temas centrais da novela da Globo imaginavam como algo utópico, quase "um sonho", que a trama pudesse incentivar a leitura entre os telespectadores.
Pois Alberto, o ranzinza e autoritário empresário vivido por Antonio Fagundes, conseguiu despertar não só na costureira Paloma (Grazi Massafera), mas em muitos noveleiros o amor pelos livros –ou, se não tanto, ao menos a curiosidade pelos títulos citados.
A pedido do F5, o Google fez um levantamento que mostra um aumento nas buscas por obras citadas em "Bom Sucesso". Narrativas menos conhecidas do público, como "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne, e "A morte da Porta Estandarte", de Aníbal Machado, chegaram a ter crescimento acima de 5.000% na plataforma. Outros títulos mais famosos, como "Dom Casmurro", de Machado de Assis, também apresentaram crescimentos, mas menor, em torno de 125%.
A autora Rosane Svartman afirma que esse estímulo à leitura foi observado também nos grupos de discussão realizados com telespectadores ao longo da trama. "Nas pesquisas, as pessoas falaram que voltaram a ler ou lembravam 'ah eu li Eça de Queiroz na escola', e decidiam retomar a leitura."
Diferentemente de outras novelas e séries, que são inspiradas ou adaptadas de livros, "Bom Sucesso" foi inovadora ao inserir a literatura como uma espécie de personagem. Alberto sempre sabia o livro certo que deveria sacar da sua biblioteca e ler para Paloma.
A mocinha, assim como a personagem título de "Alice no País das Maravilhas", logo se transportava magicamente para história. Desta forma, ela e o público conheceram ou relembraram trechos de "Dom Quixote de La Mancha", de Miguel Cervantes, do "Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato, e muitos outros.
A Globo afirma que 51 livros e pelo menos três poemas foram citados ao longo da trama, desde o seu início, no dia 29 de julho de 2019, até quarta passada (15). Para Zoara Failla, coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro (IPL), a novela merece ser celebrada por incentivar o hábito da leitura em um país em que 44% da população não lê, segundo dados do último levantamento de 2015.
"Os autores conseguiram mostrar o que uma pessoa que ama literatura, sente quando ela está lendo. Poder passar essa vivência para o público foi o ponto alto da novela", afirma Failla. Por conta disso, "Bom Sucesso" recebeu o prêmio Honra ao Mérito do IPL, em cerimônia no fim de 2019.
O feitiço do Alberto –que, ao decorrer da história, se mostrou muito menos rabugento e mal-humorado do que parecia inicialmente– funcionou também com pessoas que nem são tão fãs da teledramaturgia, mas que voltaram a ver novela pela forma lúdica e prazerosa como as obras clássicas foram abordadas em "Bom Sucesso".
Em sua reta final –o último capítulo será exibido na próxima sexta (24)– "Bom Sucesso" registra média parcial de 29 pontos na Grande São Paulo (cada ponto do Kantar Ibope equivale a 74.987 domicílios). Desde 2012, diz a Globo, uma novela das sete não registra índice superior na região, que é a principal praça do mercado publicitário.
Apaixonada por literatura, a manicure Michele Oliveira, 39, conta que sempre que o trabalho permite dá uma olhada na trama para pegar indicações de leituras. "Eu vi a cena em que Alberto lê 'A Morte da Porta Estandarte' e fiquei muito interessada em conhecer a história", conta.
Cliente de Michele, a secretária Roseane Vieira dos Santos, 41, diz que a manicure narra os livros da mesma forma apaixonada e cheia de encantamento de Alberto. Foi por causa dos incentivos da novela e de Michele que ela decidiu ler "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë. "Eu vi a cena que remete à obra em 'Bom Sucesso' e, depois, comentei com a Michele, e ela me incentivou e até me emprestou o livro."
A estudante de medicina Paula Conti dos Reis Santos, 39, também se tornou fã de "Bom Sucesso" e fez toda a sua família assistir à trama das 19h. Para ela, a leitura de trechos das obras faz quem está vendo se interessar em saber mais sobre o livro. "Como a Paloma, que quer ler o que acontece depois."
Por influência da novela, ela conta que já leu "Alice no País das Maravilhas", "Peter Pan" e "Mulherzinhas". "Agora estou atrás de 'Cyrano de Bergerac'. "Além da lista com cada indicação do Alberto que marco para leituras futuras", completa, aos risos.
Os próprios atores, como Grazi Massafera, também dizem que se sentiram motivados a ler mais por conta da trama. "Foi muito especial e emblemático poder passar por esse momento com a minha filha [Sofia] se alfabetizando, e poder falar sobre leitura e me inspirar a ler mais", afirma ela, que contou que a menina virou fã da história de amor pelos livros protagonizada por Paloma e Alberto.
Mas, afinal, como são escolhidos os livros indicados em "Bom Sucesso"? Segundo os autores, primeiro, surgia o texto da novela, a dramaturgia e, então, eles iam atrás das obras que se encaixariam na história. Muitas das indicações vieram do próprio repertório dos escritores e da equipe de roteiristas.
O elenco opinou, caso de Antonio Fagundes, conhecido por ser um leitor voraz, que indicou "Cyrano de Bergerac". "Na novela, sempre que possível, a gente tentou encaixar, em algum momento, esse contexto poético, esse contexto em que o espectador tivesse esse momento de fruição", afirma Paulo Halm.
Rosane Svartman diz que algumas obras surgiram a partir de provocações ou situações cotidianas. Ao ler, por exemplo, uma entrevista da filósofa e escritora Djamila Ribeiro, colunista da Folha de S.Paulo, sobre a falta de mais escritoras negras na mídia, a autora conta que refletiu: "Claro, cadê as autoras negras? E aí escrevemos as cenas que citam Conceição Evaristo".
Duas obras dela são apresentadas em "Bom Sucesso": o livro "Olhos D´Água" e o poema " Tempo de nos Aquilombar". Svartman também afirma que, ao longo da trama, eles aprenderam a jamais subestimar o público.
"Quando a gente fala dos livros, a gente na verdade está falando das grandes histórias. Será que as pessoas não querem saber das grandes histórias? O livro é só o objeto que traduz isso dentro da teledramaturgia, mas são as grandes histórias, como 'Romeu e Julieta' e 'Gabriela Cravo e Canela', com o que as pessoas se relacionam", diz.
Por fim, embora tenham proposto um texto mais leve e poético, os autores afirmam que não podiam fechar os olhos para os problemas do país, como a violência, que foi mostrada em algumas situações dramáticas vividas por Paloma e Alberto, como quando eles são feitos de reféns por bandidos.
"Até porque falar de poesia no Brasil hoje é quase que brutal, é agressivo...falar de sensibilidade, de livro, 'que tem muita coisa escrita', é quase que uma crítica política, então, a gente não pode fugir disso", diz Halm em referência à frase do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que chamou os livros didáticos de "lixo".
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