Televisão

Favorito dos brasileiros, Seu Madruga foi inspirado na vida do ator Ramón Valdés

Ator mexicano, que morreu há 30 anos, continua povoando memes

Ramón Valdés no papel de Seu Madruga, o pai meio ranzinza da Chiquinha, em Chaves - Reprodução
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Márcia Soman
São Paulo

O nome Ramón Valdés é desconhecido de boa parte dos brasileiros, mas o personagem mais icônico desse ator mexicano está presente na memória da maior parte das crianças dos anos 1980 e 1990 e inunda a internet de memes. O Seu Madruga, o pai rabugento da vila do Chaves, foi menos uma criação de Valdés e mais sua própria representação em cena. Não à toa, seu nome no original em espanhol é simplesmente Don Ramón.

“A persona de Don Ramón já existia antes de Roberto Gómez Bolaños [o Chaves] convidar meu pai para trabalhar na série. Tudo o que o Seu Madruga faz, meu pai fazia em casa: cantar, tocar violão, ter muitos trabalhos diferentes, como pintor, carpinteiro, cozinheiro”, disse Estebán Valdés, 58, quinto dos dez filhos dos três casamentos de Ramón.

Segundo Valdés, Ramón também era ranzinza em casa e dizia aos filhos e netos todos os bordões que marcaram o Seu Madruga, como “que que foi, que que foi, que que há?” ou “só não te dou outra porque…”.

Até o visual de Seu Madruga foi herdado de Ramón. Ele já saía de casa com calça jeans e blusa preta, gravava e deixava os estúdios no mesmo figurino. O cigarro no bolso também era hábito do ator, que fumou muito por toda a vida. Ele morreu no dia 9 de agosto de 1988, aos 64 anos, devido ao câncer no estômago.

A autenticidade do personagem, em contrapartida às crianças interpretadas por Chaves, Kiko e Chiquinha, é a principal teoria por trás do sucesso de Seu Madruga entre os brasileiros. "Além do carisma próprio de Ramón Valdés, o Seu Madruga tem muitas características populares dos brasileiros. Ele é humilde, mas procura dar o melhor para a filha. Tem fama de desempregado, mas na verdade está sempre procurando trabalho e se vira com bicos em várias áreas”, resume Carlos Seidl, 71, responsável por dublar o Seu Madruga desde os primeiros episódios exibidos pelo SBT, em 1984.

O carisma de Ramón, aliás, tornou-o o mais popular também entre os atores. Ele ficou amigo de todos os colegas da vila do Chaves e foi vizinho de Édgar Vivar, o Seu Barriga, na Cidade do México. “Ele era muito mais engraçado na vida real que na frente das câmeras. Estava sempre de bom humor, fazendo piadas. Era um ótimo amigo, como um irmão para mim. Tanto é que seus filhos me chamam de tio até hoje”, conta Vivar, 69.

O roteirista Pablo Kaschner, 36, autor de “Seu Madruga, Vila e Obra” (Ed. Mirabolante, 128 págs., R$ 50), compara a naturalidade de Seu Madruga ao Mussum, personagem de Antônio Carlos Gomes nos “Trapalhões”. "Ele tem uma malandragem que resulta em maior apelo com adultos e, em especial, com os brasileiros. É uma pessoa honesta, trabalhadora e sempre dá um jeitinho de se virar. Por isso é um ícone pop tão atual, estampa camisetas e  virou tema de memes nas redes sociais quase 40 anos depois. Ele atinge uma gama maior de pessoas do que o Chaves, por exemplo, que é um personagem mais singelo e ingênuo’, diz Kaschner.

Para Junior Achiles, 34, criador do fã-clube Chaves e Sua Turma, o Seu Madruga era o centro do programa. “Tudo gira em torno dele, o Seu Barriga vem cobrar o aluguel dele, Chaves apanha dele, a Bruxa do 71 é apaixonada por ele.” Achiles conta que Seu Madruga sempre "vence" as enquetes feitas na internet sobre os personagens favoritos do seriado.

HERANÇA DE FAMÍLIA

Nascido na Cidade do México, em 2 de setembro de 1923, Ramón Valdés era parte de uma família de comediantes. Seus três irmãos também se aventuraram na comédia, o mais famoso deles Germán Valdés, conhecido como Tin Tán.

Ramón participou de mais de 50 filmes durante a chamada era de ouro do cinema mexicano, como "Calabacitas Tiernas" (1948) e "El Rey Del Barrio" (1949), além de novelas e seriados. Mas foi com Seu Madruga que chegou ao estrelato.

“A maioria dos filmes que meu pai fez foram participações pequenas ao lado de Germán. Ele chegou a fazer alguns protagonistas, mas foi na televisão que se destacou”, conta seu filho Estebán, que está produzindo um documentário sobre a vida e o trabalho do pai que incluirá depoimento dos fãs brasileiros. Ainda não há previsão de estreia.

O roteirista Kaschner concorda. “Ramón ficou verdadeiramente conhecido pela participação no Chaves. Tanto que, mesmo após sua morte, se tornou uma figura cultuada não só no Brasil como em toda a América Latina.”

O convite para integrar a trupe veio em 1968, feito pelo ator e comediante Roberto Bolanõs, conhecido por dar vida ao Chaves e ao Chapolim Colorado. Ao lado da atriz María Antonieta de las Nieves, a Chiquinha, e Rúben Aguirre, o professor Girafales, estrearam o programa Los Supergenios de la Mesa Cuadrada (Os Supergênios da Mesa Quadrada, em tradução livre).

Em 1970, o show ganhou novo formato e nome: Chespirito. Dentro dele, estreia Chaves, em 1972. No programa, Ramón interpretou outros personagens como o pirata Alma Negra, Tripa Seca e Super Sam.

A SAÍDA DO CHAVES

Ele atuou no seriado Chaves durante sete anos. Em 1979, Ramón decidiu abandonar o programa. Há muita especulação sobre os motivos, desde a recusa de Bolaños em conceder um empréstimo ao colega para comprar uma casa até divergências com o rumo que seguia o seriado e os salários pagos.

Seu filho Estéban afirma que o pai teve divergências com Florinda Meza, a Dona Florinda, que passou a dividir a direção do programa com Bolaños, seu marido. Já Vivar diz que Ramón saiu para tocar projetos pessoais.

Os personagens de Chaves estampam muro em rua de São Paulo - Sebastian Moreira/Efe

Ramón chegou a voltar para o programa Chespirito em 1981 por alguns meses. No ano seguinte, foi à Venezuela gravar o show Federrico ao lado do ator Carlos Villagrán, o Quico, que deixara o Chaves em 1978.

Em 1987, retomou a parceria com Villagrán no programa Ah que Kiko até que os sintomas do câncer de estômago se agravaram. Ele passou os últimos dois meses de vida internado em um hospital na Cidade do México. 

Mesmo doente, não perdeu o bom humor. Vivar recorda a última vez que viu Ramón, já no hospital. “Foi quando ele me disse: 'E no final, eu não paguei o aluguel'. Esse era Ramón, sempre alegre e bem-humorado, não importando a dificuldade da situação que enfrentava.”

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias