Ex-presidente de fã-clube dá voz a Seu Barriga em episódios inéditos de Chaves
Gustavo Berriel também traduz script da série para o português
Como muitas outras crianças dos anos 80, Gustavo Berriel, assistiu tantas vezes aos episódios de Chaves exibidos à exaustão pelo SBT que decorou as falas. Hoje, aos 32, é ele quem escreve as falas em português da série mexicana.
O ator e dublador Berriel entrou para o universo de Chaves em 2006, ao dar voz ao garoto Nhonho, personagem do mesmo Édgar Vivar, e ao Jaiminho, o carteiro interpretado por Raul Padilla, nos DVDs da série, seu primeiro grande trabalho na área. Ele substituiu Mario Vilela (1923-2005), a voz tradicional dos personagens de Vivar nos episódios exibidos pelo SBT.
“Misturei as referências da voz do Mario Vilela e do próprio ator, o Édgar, para construir minha própria interpretação. Porque a dublagem não é uma questão de imitar, mesmo que você tenha a voz idêntica. É preciso entrar naquele universo e interpretar.”
Um ano depois, foi escalado para interpretar a versão em português do Seu Barriga e do Nhonho no desenho animado do Chaves, que teve cinco temporadas exibidas no SBT e no canal de TV paga Cartoon Network.
Antes disso, em 2002, ele criou com um grupo de amigos o fã-clube Chespirito-Brasil, em referência ao programa de TV de Roberto Bolaños, o criador e intérprete de Chaves e Chapolin. Berriel foi presidente do grupo até 2010 e ajudou a organizar eventos para fãs como o Festival da Boa Vizinhança, que trouxe atores do elenco a São Paulo.
Foi em uma das edições do evento, em 2010, que Berriel conheceu Vivar. “Ele aprovou minha dublagem e fiquei muito feliz. Foi uma grande realização”, diz o dublador, que, nos anos seguintes, participou de turnês pelo Brasil ao lado do Seu Barriga, em que interpretava Jaiminho e Nhonho.
A experiência tornou Berriel a escolha mais óbvia para interpretar os personagens de Vivar nos mais de cem episódios inéditos entre os 500 episódios comprados pelo canal de TV paga Multishow e exibidos todos os dias, às 23h. Neles, fará todos os personagens de Vivar, que incluem, além do Seu Barriga e do Nhonho, do Chaves, diversos papéis nos episódios de Chapolin Colorado.
“A construção da voz é diferente na série e no desenho. Na série, você tem o tempo, a respiração do ator. Na animação, a gente tem mais liberdade para criar”, conta Berriel.
Do desenho, contudo, ele levou o choro que criou para o Nhonho, em que puxa mais o ar, a pedido dos fãs da série.
Os pedidos dos fãs, aliás, são constantes. Nas redes sociais, eles elogiam a adaptação ao português, dão dicas do que incluir nas falas e pedem até para serem citados pelos personagens. “Muitos pedem para eu colocar seu nome na tradução, mandar um alô para eles”, se diverte Berriel, que nega os pedidos.
Berriel conta que a regra principal para a tradução dos scripts em espanhol, tarefa que divide com outro membro do fã-clube do Chaves Eduardo Gouveia, é manter o mais similar possível da versão original. “Mantenho todas as piadas originais, só adapto os trocadilhos que não funcionam no idioma português.”
As citações a lugares ou personalidades mexicanas, contudo, são todas alteradas para referências brasileiras, herança da dublagem feita nos anos 80 pelo estúdio Maga.
“Como o Multishow vai passar episódios feitos na dublagem antiga e episódios recém-dublados, precisamos seguir a mesma referência, para não ficar discrepante”, explica Berriel.
Assim, quando algum dos personagens cita um ator ou atriz famoso no México, a dublagem brasileira citará nomes famosos nos anos 70 e 80, como Tarcísio Meira e Maitê Proença. “Além disso, fica estranho citar o Neymar ou a Bruna Marquezine em uma série que todo mundo sabe que é antiga”, completa o dublador.
Uma das traduções mais comentadas da série foi quando as férias da turma da vila em Acapulco, no México, se transformaram em uma viagem ao Guarujá, no litoral paulista.
Berriel conta que parte da confusão foi porque o SBT não exibia os episódios em ordem cronológica, como o Multishow fará. Assim, no primeiro episódio da trilogia sobre a viagem de férias de Chaves e seus vizinhos, a referência a Acapulco foi mantida. Anos depois, quando os outros dois episódios foram dublados, o estúdio Maga optou por mudar a referência para Guarujá.
“Como foi muito tempo depois, provavelmente nem se lembravam de que havia um primeiro episódio que falava Acapulco”, conta Berriel. Até mesmo a dubladora da Chiquinha mudou entre o primeiro episódio e os outros dois.
Outra polêmica envolvendo a tradução foi quando o Multishow decidiu mudar uma piada de Chapolin sobre Batman e Robin. Na versão em espanhol, traduzida literalmente no episódio dublado em português para o DVD em 2005, o herói diz que Batman não pode ajudá-lo porque está em lua de mel com Robin. Na dublagem exibida pelo Multishow, Chapolin diz que Batman não vem porque o pneu do carro do Batmóvel furou.
Os fãs da série reclamaram e o Multishow admitiu que errou, mas reprovou o que considerou uma piada homofóbica.
Para Berriel, não há preconceitos na série. “O texto do Roberto Bolaños era crítico ao machismo. As mulheres eram os personagens mais inteligentes da série, como, por exemplo, a Chiquinha, que sempre conseguia o que queria do Chaves e do Quico, ou a Dona Clotilde, uma mulher independente e que vivia sozinha.”
O tipo de humor de Bolaños, em que todos os personagens zombam e são zombados, é o que torna a série atemporal, segundo Berriel. “Ele faz piada com os mais velhos, com o que é gordo, nenhum dos personagens está acima dos demais, todos ridicularizam e são ridicularizados. Isso faz com que Chaves não seja um humor ofensivo.”
Comentários
Ver todos os comentários