Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Tony Goes

Regina Duarte cavou um buraco para si mesma, e agora não consegue mais sair

Atriz passa por fase melancólica, mas também mostra que não aprendeu nada

Regina Duarte
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A entrevista que Regina Duarte deu a Silas Martí conseguiu me comover e me indignar ao mesmo tempo. É triste ver uma das grandes estrelas deste país se conformar com o provável final de sua carreira e dizer que sua atual fase como artista plástica é "uma preparação para a morte".

Mas também é estarrecedor constatar que Regina ainda é apoiadora incondicional de Jair Bolsonaro, mesmo depois da tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro e das inúmeras denúncias de falcatruas que atingem o ex-presidente e seu entorno.

A atriz diz que se sente traída pela imprensa, mas não percebe que foi usada e descartada por Bolsonaro. Ela assumiu a secretaria da Cultura em 2020, que hoje voltou a ser um ministério, cheia de boas intenções. Rompeu um contrato de décadas com a Globo e aderiu a um governo declaradamente inimigo da emissora, mas tinha bons planos para o novo cargo.

Só que nunca a deixaram trabalhar. Radicais ideológicos barraram quase todas suas nomeações. O próprio Bolsonaro esperava que ela largasse logo o posto: "menina, o que que você está fazendo aqui ainda?", perguntava ele quando a encontrava em Brasília.

Regina aguentou apenas 72 dias. Ainda gravou um vídeo de despedida ao lado do ex-presidente, que prometeu a ela o comando da Cinemateca Brasileira. A promessa nunca se concretizou.

Essa humilhação pública não abalou a fé de Regina em Bolsonaro. Ela continuou a replicar em seu perfil no Instagram muitas fake news inventadas pela extrema-direita. Assumiu posições homofóbicas, algo impensável para alguém que trabalhou a vida inteira cercada por homossexuais. Circulou por eventos ao lado de figuras suspeitas como Carla Zambelli, Damares Alves e a então primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Na época de "Malu Mulher", a primeira série brasileira a falar claramente em divórcio, violência doméstica, aborto, orgasmo feminino e homossexualidade, Regina foi várias vezes a Brasília para convencer os censores a liberarem episódios do programa que foi um marco em sua carreira. Quarenta anos depois, ela se bandeou para o lado de um sujeito que defende que não houve ditadura militar, ao mesmo tempo em que tenta destruir a democracia brasileira.

"Querem me impedir de ser bolsonarista? É essa a ideia? Não é um tanto agressivamente ditatorial?", questiona ela, se referindo à classe artística que a repudiou, quase como um todo. "Quer dizer que essas pessoas querem uma ditadura?". Chega a ser patética a falta de perspectiva histórica da atriz, que confunde conservadorismo com fascismo.

Há um lado irracional na admiração que Regina sente por Bolsonaro. Ela já disse que o ex-presidente lembra seu pai, que foi militar, por parecer "um machão de 50 anos atrás". Também afirmou ele é "doce", e que é homofóbico "só da boca para fora". Como se palavras não machucassem.

Em 2022, Regina pediu a Gloria Perez um papel na novela "Travessia". Também tentou montar dois textos teatrais, mas foi recusada pelos próprios autores. Agora se oferece para trabalhar numa novela "evangélica" (bíblica) da Record. O que talvez fosse bom para ela e a emissora, que voltaria a ter um grande nome em seu elenco.

Enquanto isto, a atriz coleta folhas secas e pedaços de papelão nas ruas, e faz colagens que parecem saídas diretamente de uma escolinha de artes para crianças. Sua exposição numa loja no bairro paulistano de Moema vai até este sábado (18), e provavelmente todas as obras serão vendidas.

É angustiante ver uma figura fundamental da história da TV brasileira passar por um momento tão melancólico, que talvez seja o último de uma carreira até então gloriosa. Mas também fica a sensação de que Regina Duarte cavou este buraco para si mesma, e agora não sabe como sair.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem