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Descrição de chapéu

Obras de Regina Duarte com folhas secas ensaiam despedida dos holofotes sem medo do ridículo

Sem muita ambição técnica ou sofisticação, atriz e ex-secretária de Bolsonaro se expõe quase nua em mostra que vai até este sábado (18), em Moema, na zona sul paulistana

A atriz Regina Duarte
A atriz (e agora artista plástica) Regina Duarte - Divulgação
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São Paulo

Regina Duarte, um rosto inconfundível para a grande maioria da população do país que já se viu hipnotizado por uma telenovela, anda diferente. Depois de uma adesão tumultuada ao governo Bolsonaro, fruto de um namoro que virou noivado e depois casamento fracassado, a antiga namoradinha do Brasil buscou a reencarnação em folhas secas sobre papelão.

Nas redes sociais, em que Duarte já foi inúmeras vezes desmentida pelos bedéis digitais ao postar fake news, a atriz ressurgiu catando papelão pelas ruas de São Paulo e juntando folhas mortas acumuladas nas calçadas. Elas são seu novo avatar, autorretratos esturricados, esvaziados de vida, de uma atriz antes famosa pelas gargalhadas ácidas e pelas muitas lágrimas dos dramalhões televisionados.

Os vídeos mais recentes da atriz, que viralizaram, estão no centro da exposição numa loja de molduras em Moema, na zona sul paulistana, que ela escolheu como novo ponto de irradiação de sua obra, um retorno bem mais modesto aos holofotes para quem batia, em suas próprias palavras, "100% de audiência".

Regina Duarte caiu no ostracismo. E adotou as artes visuais, um exercício solitário, feito na sala de jantar de casa em dias de tédio, como um novo canal de expressão. Tal qual uma diva esquecida, abandonada aos próprios delírios de grandeza depois de um estranho flerte com o poder político, Duarte encarnou uma Gloria Swanson, vida e alma de "Crepúsculo dos Deuses", às avessas. Em vez da confiança inabalável em seu "star power", ali está escancarada certa modéstia resignada, a sensação nítida de que agora restam a ela os cacos do passado, sem vida, sem seiva, sem nada.

Sem técnica, sem muita noção de composição e muito menos qualquer ambição plástica mais sofisticada, Duarte se expõe quase nua. Seus trabalhos, colagens primárias de folhas secas sobre papelão, lembram trabalhos escolares, algo de terapia ocupacional, mas também a riquíssima arte dos hoje chamados artistas visionários.

É doloroso se expor dessa maneira, ela própria parece dizer, com a consciência de quem já se expôs ao ridículo na política e ao escrutínio público avassalador nas telas de TV. Mas o trabalho de Regina Duarte como artista plástica, esqueçamos a atriz, é da ordem da singeleza dos artistas por séculos chamados de naïf, ingênuos, inocentes. A nomenclatura atual oscila, mas eles também já foram chamados de artistas "outsider", muitos deles geniais.

A maioria das novas obras de Duarte são composições em que uma folha domina solitária o vasto plano vazio do papel, muitas em formato de coração, como ela vem assinando seu nome. Algumas são dispostas em conjunto, a formar um rosto de proporções canhestras ou um outro coração rudimentar, espécie de emoji vegetal. Outras colagens são verdadeiras tempestades de folhas capturadas num instante sobre o quadro. Tudo é decorativo, frágil, e tudo parece um tanto triste.

Dói no olhar e ao mesmo tempo intriga ver uma antiga "insider", líder notória do showbusiness, ressurgir como essa mais nova "outsider", às margens do mainstream, à sombra de um passado que alguns podem lembrar como glorioso.

Na Aqua Arte, a loja que Regina Duarte ocupa agora de volta aos olhos do público, sem ambição nem pompa, longe dos rituais dos vernissages, todas as falhas das obras à mostra, está uma performance mais que verdadeira de uma mulher que parece ainda ludibriada pela vertigem, da glória máxima que despenca à dor mais profunda, dos picos da fama aos abismos sem escalas.

É fato que o cinismo do mundo da arte sublinha essa leitura. Fosse a artista uma verdadeira desconhecida, uma naïf raiz, a percepção talvez fosse outra, até condescendente. Mas é difícil separar a obra da sombra projetada por sua autora, tudo às vezes um tanto sufocante para o florescer de suas criações. Regina Duarte parece ter algo a nos dizer, e esse algo está mais perto de uma despedida do que um recomeço tardio como artista num país destruído pelo ódio.

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