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Tony Goes
Descrição de chapéu Televisão

Por que as plataformas de streaming investem mais na Coreia do Sul do que no Brasil?

Série 'Barganha' é o mais recente sucesso global produzido no país asiático

Park Hyung-Soo como Hee-Sook na primeira temporada de 'Barganha'
Park Hyung-Soo como Hee-Sook na primeira temporada de 'Barganha' - Divulgação/Paramount+
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Nos próximos dois anos, a Netflix irá investir US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) na produção de conteúdo brasileiro. Nosso país é o terceiro maior mercado da plataforma, ficando atrás, em número de assinantes, apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Já na Coreia do Sul, que tem menos de um quarto da nossa população, a gigante do streaming planeja gastar US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 12,5 bilhões) nos próximos quatro anos. Não é a base de assinantes que a Netflix tem no país que justifica esse número, muito menor que a do Brasil. Muito menos o idioma coreano, que só é falado lá e não tem penetração internacional.

O colunista Mauricio Stycer trouxe esses dados em sua mais recente coluna na Folha. E ele mesmo aponta a razão para tamanha discrepância.



"O foco é o potencial de aceitação de conteúdo local no mercado global. Em outras palavras, conteúdos coreanos, como 'Round 6' e inúmeros melodramas seriados, têm se mostrado altamente atraentes para clientes da empresa em todo o mundo, o que não ocorre, nem de longe, com produções brasileiras."

Não é só a Netflix que tem recorrido à Coreia do Sul para turbinar seu catálogo. "Doramas" tomaram de assalto a HBO Max, que também produziu no Brasil uma série ligada ao universo do k-pop, "Além do Guarda-Roupa".

A Paramount+ também adquiriu dezenas de filmes e séries produzidos na Coreia do Sul, e fechou um acordo com uma plataforma local, a TVing, para produzir sete séries originais. A segunda delas, "Barganha", foi disponibilizada no dia 6 de outubro, e vem alcançando grande repercussão.

A premissa de "Barganha" é assustadora. Homens são atraídos para um hotel isolado, na esperança de encontros com prostitutas que se dizem virgens em seus anúncios na internet. Chegando lá, eles são presos e amordaçados, e têm seus órgãos internos leiloados.

Só isso já renderia uma história intensa, mas "Barganha" vai além. No final do primeiro dos seis episódios, um terremoto reduz o hotel a escombros. O espectador então acompanha a luta pela sobrevivência de três personagens que se odeiam entre si: uma das aliciadoras que se faz passar por prostituta, seu cliente, e o rapaz que comprou um rim desse cliente. Tudo isso em longos planos-sequência, o que gera mais imediatismo e tensão.

"Barganha" é um primor de inventividade e execução, mas não caiu do céu. A minissérie é só o mais recente fenômeno de uma indústria cultural cheia deles. Entre os troféus mais vistosos do entretenimento "made in Korea" estão o filme "Parasita", bandas como BTS e Blackpink, séries como "Round 6" e até mesmo a competição musical The Masked Singer.

E como que um país relativamente pequeno, com uma língua que ninguém mais fala, conseguiu se tornar uma potência global na produção do conteúdo? Uma resposta simplificada: o Estado e a iniciativa privada se deram as mãos, e trabalharam juntos durante décadas para aumentar o "soft power" da Coreia do Sul.

Sim, "soft power": a influência que um país exerce sem precisar recorrer às armas, e que o Brasil achou que tinha de graça durante muito tempo. Afinal, uma pesquisa atrás da outra mostrava que o resto do planeta nos via quase como um paraíso, com praias deslumbrantes, música boa, gente linda e muita caipirinha.

Os tempos mudaram, e o Brasil também. Nossa imagem internacional foi quase destruída nos últimos quatro anos, e vai demorar um tempo para se recuperar. Ajudaria muito uma série de sucesso mundial, algo que ainda não tivemos.

Passamos perto, é verdade. "Cidade Invisível", da Netflix, entrou entre os 10 programas mais vistos da plataforma em vários países. Isso se repetiu em escala bem maior com a excelente "Cangaço Novo", da Amazon Prime Video.

Mas cadê nossa "Round 6"? Talento para tanto, nós temos. O que falta é uma estratégia a longo prazo. Regulamentação do mercado, leis de incentivo, cotas de tela e, principalmente, a conscientização de que a indústria criativa é um dos pilares da nossa economia, gerando milhões de empregos e milhões em impostos.

Só que muita gente ainda acha que a Lei Rouanet só serve para artistas consagrados comprarem apartamentos em Paris. Enquanto esta mentalidade mesquinha e provinciana perdurar, a Coreia do Sul continuará nos dando um baile.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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