Num Domingão cheio de discursos pró-LGBT+, por que a Globo censurou um beijo gay?
Emissora manda sinais dúbios e provoca reação nas redes sociais
O quadro Batalha do Lip Sync exibido pelo Domingão com Huck neste domingo (10) parecia um episódio especial para a Semana do Orgulho LGBTQIA+. Para começar, os concorrentes da semana eram dois homens gays assumidos, casados com outros homens: os atores Carmo Dalla Vecchia e Tiago Abravanel.
Talvez para evitar constrangimentos com seus superiores na Igreja Católica, que é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o padre Fábio de Mello, um dos comentaristas da atração, alegou que precisava pegar um avião e se retirou antes das performances começarem.
Primeiro, Carmo Dalla Vecchia ostentou sua habilidade ao dublar o rapper Jay-Z com perfeição. Em seguida, Tiago Abravanel surpreendeu a plateia e comoveu todo mundo ao homenagear ninguém menos que seu avô Silvio Santos, em plena tela da Globo. Mas estes eram só os números de "esquenta". As grandes produções, com cenários, figurinos e caracterizações elaboradas, vieram na sequência.
Carmo se inspirou na lendária participação de Madonna nos VMAs de 2003, em que a cantora beijou na boca suas colegas Britney Spears e Christina Aguilera. Essas duas foram "substituídas" por Amaury Lorenzo e Diego Martins, intérpretes de Ramiro e Kelvin na novela "Terra e Paixão". Os dois entraram vestidos de noiva, com os rostos cobertos por véus, e o auditório veio abaixo quando eles revelaram suas identidades.
Poucos segundos depois, foi a vez da internet vir abaixo. A Globo cortou o beijo entre Carmo e Amaury um segundo antes dos lábios se tocarem, e não mostrou nada do beijo entre Carmo e Diego. Como assim? Censura interna, em pleno ano da graça de 2023? Todo mundo sabe que eles se beijaram, então por que não mostrar os beijos em si? Parece até que os cortes foram propositais, para gerar burburinho nas redes sociais.
E aí aconteceu uma coisa curiosa. Amaury e Diego se juntaram a Fábio Porchat, Déa Lúcia e Lívia Andrade, os comentaristas que continuavam em cena. Os dois atores receberam um mini-tributo, uma espécie de versão resumida do quadro Arquivo Confidencial, com uma brevíssima retrospectiva de suas carreiras e depoimentos de familiares.
Os pais de Diego deram um testemunho especialmente pungente, declarando amor e total apoio ao filho, que já se "montava" de drag queen desde criancinha. Tomara que muitas famílias que rejeitam seus filhos homossexuais e transgênero tenham assistido e tomado vergonha na cara.
Logo em seguida, dona Déa Lúcia, que é mãe de Paulo Gustavo, fez um inflamado discurso contra o famigerado projeto de lei do deputado federal Pastor Eurico (PL-CE), que pretende acabar com o casamento homoafetivo e proibir a adoção de crianças por homossexuais. Déa Lúcia, cujo filho foi casado no papel com o médico Thales Bretas, prometeu lutar contra esse descalabro, e foi a plaudidíssima pela plateia.
Então Tiago Abravanel dublou a canção "Everybody (Backstreet's Back)", hit da boy band Backstreet Boys, e levou o cinturão de melhor da noite. Muito provavelmente, mais por causa de sua homenagem ao avô, que já entrou para a história da TV.
Em resumo: foi um programa escancaradamente pró-LGBT+, em pleno anoitecer de domingo. A Globo mostrou, mais uma vez, que é a única rede de TV aberta que se preocupa com os direitos dessa fatia significativa da população.
Mas será que se preocupa mesmo? Apesar dos discursos políticos e das lágrimas, o que todo mundo vai lembrar deste episódio da Batalha do Lip Sync é que um beijo gay foi cortado no meio, e outro, totalmente ignorado. Por quê? Por causa do horário?
Não, não foi um corte acidental. A direção do programa (e, talvez, a da emissora) sabia que esses beijos viriam, e deve ter instruído o diretor de corte (o profissional que seleciona as imagens que irão ao ar) para cortar para outra câmera.
A Globo não se pronunciou –e, se por acaso vier a se posicionar, com certeza virá com o papo de que "todo programa é sujeito à edição" etc. etc. O mesmo argumento que usou para justificar o corte dos beijos entre um casal de mulheres em "Vai na Fé".
O público reagiu tão mal que beijos entre casais do mesmo sexo acabaram sendo mostrados no último capítulo da novela. Agora, menos de um mês depois, a emissora faz coisa parecida no Domingão com Huck.
Desse jeito, ela confunde o público. Afinal, é a favor ou contra os direitos igualitários? Gays podem se casar, mas não podem expressar afeto em público? O que a emissora ganha com essa postura dúbia, que não satisfaz nem progressistas, nem conservadores?
ERRAMOS: O conteúdo desta página foi alterado para refletir o abaixo
A música "Everybody (Backstreet's Back)" é dos Backstreet Boys, não do Nsync. O texto foi corrigido.
Comentários
Ver todos os comentários