Paulo Vieira causa polêmica ao criticar filme de temática negra no Cinema do Líder
Humorista defende o direito dos negros de se alienarem, e a internet concorda
"Estrelas Além do Tempo" é um bom filme. É cinemão de qualidade, sem maiores pretensões artísticas, mas muito bem produzido e atuado. Conta a história real e inspiracional de três matemáticas negras que, na década de 1960, desafiaram o racismo e foram trabalhar na NASA, ajudando os EUA a assumir a liderança na corrida espacial. Foi um sucesso de bilheteria e recebeu três indicações ao Oscar.
Como não gostar de um filme assim? Bom, Paulo Vieira não gostou. Não exatamente da obra em si, mas de sua programação para o Cinema do Líder, atração semanal do Big Brother Brasil. Nesta quarta (29/3), em seu quadro de humor Big Terapia, o BBB 23, o comediante detonou essa escolha da Globo, a emissora onde trabalha.
"Quando o Cinema do Líder é de um líder branco, é sempre um filme bobinho. O mundo encantado do cachorrinho falante. O panda de skate. O super-herói que tem que salvar a sereia encantada", disse Vieira. "Agora, quando o líder é preto, é sempre a luta incansável de uma pessoa negra lutando sem parar".
"Ô gente, essas lutas aí gente já sabe, tem que passar esses filmes para os brancos. Se eu fosse líder, eu não iria querer saber de um problema meu. Eu iria querer me alienar. Iriam falar 'ah, mas é a luta do seu povo'. Não quero ver!".
Hã? Um negro que não quer ver um filme sobre a luta de seu povo pela igualdade? Que prefere se alienar? Como assim?
A declaração de Paulo Vieira causou um reboliço imediato na internet. E a reação dos internautas foi ainda mais surpreendente: a maioria concordava com ele.
Para um branco desavisado, que se não se considera racista e até apoia o ativismo negro, a fala de Paulo Vieira beira o sacrilégio. Mas o fato é que ele tem um ponto.
Negros são seres humanos como quaisquer outros, e eu me sinto idiota em escrever uma frase tão óbvia. Mas, na cultura popular – especialmente na cultura produzida pelos brancos – são muitas vezes reduzidos a símbolos, sem a complexidade do resto da humanidade.
Em várias novelas, por exemplo, quando havia um personagem negro de destaque, o único problema da vida dele era o racismo. Esses clichês vêm mudando aos poucos, com o aumento de atores e protagonistas negros na teledramaturgia brasileira, mas ainda sobrevivem.
Claro que o racismo é um problema real, e não há um único dia em que uma pessoa negra brasileira não enfrente pelo menos um episódio de racismo. Mas não é só com isso que ela está preocupada.
O que Paulo Vieira defende é o direito dos negros de falar bobagem, ver filme alienante, não usar o figurino da militância 24 horas por dia.
Quem escolheu "Estrelas Além do Tempo" talvez tenha achado que, ao programar um filme tão sério e emocionante, estava prestando uma homenagem à líder da semana do BBB 23, a preta Sarah Aline, e à maioria negra da população brasileira.
Ou talvez não tenha achado nada. O Cinema do Líder é, antes de mais nada, uma ferramenta de divulgação do conteúdo da plataforma Globoplay. Numa semana sem novidades, apelou-se para um longa já muito reprisado, mas também muito popular.
Não importa. O que sobra desta pequena polêmica é que os negros também gostam de cachorrinho falante e panda de skate. Coube ao Paulo Vieira, o mais corajoso humorista brasileiro, apontar essa obviedade.
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