Especial '70 Anos Esta Noite' fez um mosaico de recordações que emocionou o espectador
Globo ainda nos deve uma série documental sobre o fenômeno das novelas
A telenovela é o maior produto cultural brasileiro. Nenhum filme, peça ou livro chega perto do alcance que até mesmo um folhetim de baixa audiência consegue ter. Só a música popular atinge tanta gente ao mesmo tempo –muitas vezes, a reboque das próprias novelas.
Foi-se o tempo em que os intelectuais torciam o nariz para elas. Hoje as novelas são estudadas em universidades, e não faltam ótimos livros que dissecam suas raízes, analisam seus significados e apontam para seu futuro.
O que falta é uma série documental que condense os 70 anos da telenovela brasileira, com cenas de produções antigas, depoimentos de atores, autores e diretores e uma clara linha do tempo, mostrando a evolução do gênero.
Essa lacuna ainda há de ser preenchida, mas, nesta terça (21) tivemos um aperitivo do que esta série hipotética pode vir a ser. A Globo exibiu o especial "70 Anos Esta Noite", para marcar as sete décadas da estreia da primeira novela da nossa TV, "Sua Vida me Pertence". A emissora chegou a deslocar a semifinal do The Voice Brasil para a segunda, só para que o especial fosse transmitido na data exata do aniversário.
Diante da impossibilidade de esmiuçar o fenômeno em apenas uma hora de programa, os roteiristas Celso Taddei e Bia Braune – ela, também colunista da Folha – tomaram a decisão correta. "70 Anos Esta Noite" não é um documentário. É um mosaico de recordações. Seu primeiro objetivo não é informar, mas emocionar o espectador –exatamente como uma boa novela.
Claro que, com tão pouco tempo disponível, injustiças foram cometidas. As produções em preto e branco dos 20 primeiros anos das novelas brasileiras foram relegadas a rápidos flashes. Marcos históricos ocorridos fora da Globo sequer foram mencionados.
Como o capítulo final de "O Direito de Nascer", transmitido ao vivo do Maracanãzinho em 1965. Ou os dois longos anos de "Redenção", sucesso da extinta TV Excelsior. Ou os muitos títulos que marcaram época na também extinta TV Tupi, como "Antonio Maria", "Vitória Bonelli" ou "Nino, o Italianinho".
Era mais que esperado que a Globo dedicasse quase nenhum espaço à sua concorrência atual. "Os Dez Mandamentos", da Record, ganhou só alguns frames. Não vi nada sobre "Carrossel" ou qualquer outra novela infanto-juvenil do SBT, mas posso ter perdido alguma coisa. A edição das imagens era de fato muito rápida.
Apesar das omissões, "70 Anos Esta Noite" foi uma delícia de se ver. Dividido em blocos temáticos, como mocinhas, casais ou vilões, o especial reuniu astros e estrelas para evocar seus personagens mais emblemáticos.
Nada que o Fantástico não faça quase todo domingo, mas foi impactante ver tanta gente junta ao mesmo tempo. Inclusive nomes que não têm mais contrato a longo prazo com a Globo, como Antônio Fagundes e Camila Pitanga.
Também foi desconcertante ver como alguns desses atores estão muito mais velhos do que aparecem nas cenas clássicas, e também nas minhas memórias. A conclusão é uma só: eu também estou muito mais velho.
"70 Anos Esta Noite" fica melhor se visto junto com a extensa matéria que o Jornal Nacional exibiu nesta terça (21), recheada de dados históricos e depoimentos de autores e diretores.
Mas a Globo ainda está nos devendo uma série documental, com muitos episódios, que deem ao assunto a importância que ele merece. A emissora tem os arquivos e os recursos para uma empreitada desse tamanho. O interesse do lado de cá, eu garanto.
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