Desculpe, Regina Duarte, mas você não é 'maior que a Globo'
Atriz recebeu solidariedade por não ser citada no especial '70 Anos Esta Noite'
Na terça-feira passada (21), a TV Globo celebrou em grande estilo o 70º aniversário da primeira novela da televisão brasileira. A estreia de "Sua Vida me Pertence", na extinta TV Tupi, foi lembrada por uma extensa matéria do Jornal Nacional, que destacou os maiores sucessos do gênero nessas sete décadas –quase todos, aliás, produzidos pela própria Globo.
Mais tarde, no mesmo dia, a emissora exibiu o especial "70 Anos Esta Noite", que trouxe atores icônicos, alguns já sem contrato com a casa, para lembrar de momentos marcantes das novelas de que participaram.
Nos dois programas, uma ausência chamou a atenção dos internautas: Regina Duarte. A atriz apareceu de relance em algumas cenas, mas não foi convidada a dar seu depoimento. Algo, no mínimo, deselegante, com aquela que talvez tenha sido a maior estrela das telenovelas brasileiras de todos os tempos.
A internet não tardou a reagir. Até a jornalista Hildegard Angel, notória crítica do governo Bolsonaro, reclamou. Uma onda de solidariedade se formou em volta da atriz, que acabou se manifestando no Instagram. Regina compartilhou uma imagem feita por um fã, que dizia que ela é "maior que Rede Globo", e muitos de seus seguidores concordaram.
Eu discordo. Regina Duarte é uma excelente atriz, além de uma estrela de brilho incontestável. Ao longo de quase 60 anos de carreira, protagonizou novelas de sucesso avassalador como "Selva de Pedra" (1972), "Roque Santeiro" (1985) e "Vale Tudo" (1988), sem falar de inúmeros trabalhos na TV e no teatro. Simplesmente não dá para contar a história da TV brasileira sem falar nela.
Agora, maior do que a Globo? A emissora mais poderosa do país não está acima das críticas, e já fez muita coisa questionável desde que entrou no ar, em 1965. Da edição do debate entre Collor e Lula nas eleições de 1989 à própria geladeira em que enfiou Regina Duarte neste momento.
E, no entanto, Regina fez por merecer. Ela não foi dispensada depois de décadas de bons serviços prestados, ao contrário do que se passou com nomes de quilate semelhante, como Tarcísio Meira, Glória Menezes e Antonio Fagundes. A "eterna namoradinha do Brasil" pediu para sair, para ser a secretária da Cultura do governo Bolsonaro.
As regras da Globo impedem que seus contratados façam campanha eleitoral para qualquer candidato, e também proíbem que eles ocupem cargos públicos. Regina precisou negociar com a emissora o cancelamento de seu contrato e, ao que tudo consta, saiu sem mágoas nem pendências.
Só que ela saiu para fazer parte de um governo que ataca a imprensa diariamente, e que tem a Globo como alvo preferencial. Jair Bolsonaro já alertou diversas vezes que tentará cassar a concessão da emissora em 2022. Se o presidente estivesse com a popularidade em alta e com mais força no Congresso, talvez até conseguisse.
Empresa nenhuma gosta que um de seus funcionários se bandeie não exatamente para a concorrência, mas para um grupo que jurou sua destruição. Regina Duarte fez exatamente isto: se aliou aos maiores inimigos da casa onde trabalhou por mais de cinco décadas.
Em defesa da atriz, cabe ressaltar que suas intenções na secretaria da Cultura eram boas. Regina tentou se livrar da corja olavista que se instalou no órgão e, entre suas prioridades, estava a demissão de Sergio Camargo, o abjeto presidente da Fundação Palmares. Incomodou gente influente e não chegou a completar três meses no cargo, sem ter realizado nada de importante no período.
Bolsonaro ainda prometeu publicamente que ela iria cuidar da Cinemateca Brasileira, e Regina acreditou. Mas tanto a instituição quanto a ex-secretária foram abandonadas pelo governo.
Regina Duarte foi humilhada por Bolsonaro, como tantos outros aliados do presidente. No entanto, ao contrário desses, ela continua fiel ao ideário bolsonarista. Mulher de malandro perde.
A Globo poderia ter dado mais espaço a Regina nessa retrospectiva dos 70 anos de novelas? Sem dúvida. Isso encolhe a emissora um pouquinho. Só que, em termos de poder, influência e importância para a cultura brasileira, ela ainda é maior que Regina Duarte. Desculpe, Regina.
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