Miguel Falabella erra a mão na série 'Eu, a Vó e a Boi'
Comédia dramática disponível na Globoplay não emociona nem faz rir
Em junho de 2017, o programador Eduardo Moreira –conhecido como Eduardo Hanzo por seus seguidores na web– estava entediado em uma fila de padaria, esperando por um pão de queijo que não saía nunca. Para se distrair, resolveu contar no Twitter, em um fio (sequência de postagens encadeadas), a história da rivalidade de mais de 60 anos entre sua avó e uma vizinha, a quem a primeira chamava de Boi.
O fio viralizou e chamou a atenção de Glória Perez, que, à época, ajudava Silvio de Abreu a selecionar os projetos de dramaturgia da Globo. A novelista sugeriu que Miguel Falabella transformasse a saga das duas senhoras em uma série, que acaba de chegar à plataforma Globoplay: "Eu, a Vó e a Boi".
Falabella transformou os 56 tuítes originais em seis episódios, de pouco mais de meia hora cada. Para isto, criou dezenas de outros personagens, e o resultado foi um microcosmo semelhante à de outra série sua, "Pé na Cova": personalidades exuberantes com nomes esquisitos, às vezes adeptas de práticas sexuais pouco ortodoxas.
"Pé na Cova" tinha um alicerce que segurava tanta bizarrice: uma funerária, que servia para o autor fazer uma reflexão sobre o sentido da vida e a proximidade da morte. "Eu, a Vó e a Boi" não tem nada disso. É só um bando de tramas desconjuntadas, sem maior interesse. Uma comédia dramática que não emociona nem faz rir.
O erro talvez esteja na construção do conflito central. Turandot (Arlete Salles) e Yolanda, a Boi (Vera Holtz), se odeiam porque sim. A primeira diz que nem se lembra mais do que gerou tanto ódio. A causa da cizânia é revelada aos poucos e, quando finalmente fica clara, consegue a proeza de parecer gravíssima e irrelevante ao mesmo tempo.
Na TV, as duas matronas são as avós do protagonista Roblou (o ótimo Daniel Rangel, que tem uma longa carreira pela frente). Mesmo tendo netos em comum e morando na mesma rua, elas seguem se atazanando. Só que, infelizmente, o que era engraçado em 140 caracteres fica pesado demais no vídeo.
Quando o cão da Boi quebra o pescoço em uma ratoeira armada por Turandot, percebe-se que Falabella errou a mão. Errou também nas histórias paralelas. Apesar do talento da maioria do elenco, os personagens não soam reais. São tênues, caricatos, disfarçados por perucas e figurinos espalhafatosos.
Tem a policial Seu Rocha, uma lésbica masculinizada interpretada por Alessandra Maestrini. Para aproveitar os dotes vocais da atriz, Falabella fez com que a personagem também fosse cantora de ópera. Funcionou? Não.
O próprio Roblou é inconsistente. Seu namoro com Demimur (ah, esses nomes...), feita por Valentina Bulc, é uma sequência de vaivéns sem maior sentido.
Comenta-se que a série foi mal recebida pela cúpula da Globo, e que uma segunda temporada estaria descartada. Isto fez com que Miguel Falabella declarasse, três meses atrás, que estava pensando em não renovar com a emissora, quando seu contrato expirar. "Eu fico muito preso e quero liberdade”, disse ele ao UOL. “Se dizem não a um projeto meu, não tenho outra porta para bater."
Mas é questionável se algum outro canal ou plataforma de streaming se interessaria por “Eu, a Vó e a Boi”. No Twitter, milhares de pessoas viram algo de suas próprias famílias na rixa entre as duas senhoras. Na série da Globoplay, acontece justo o contrário. Os personagens vivem em um universo paralelo, sem identificação com o mundo real.
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