Em 'Eu, a Vó e a Boi', série da Globoplay que nasceu na web, Miguel Falabella faz humor apocalíptico
Comédia que mostra guerra declarada entre duas vizinhas estreia nesta sexta (29)
Comédia que mostra guerra declarada entre duas vizinhas estreia nesta sexta (29)
Foi no dia 10 de junho de 2017, que o programador Eduardo Hanzo, 27, enquanto estava na fila da padaria em Boa Vista, Roraima, sem muito o que fazer, resolveu compartilhar com os seus então 200 seguidores do Twitter uma rivalidade entre duas mulheres que já existe há mais de 50 anos.
As protagonistas eram a sua avó e a vizinha dela, apelidada de "a Boi" –até meados dos anos 1990, conta Hanzo, a inimiga era chamada de vaca, mas então a sua avó decidiu que denominá-la desta forma era muito machista e resolveu renomeá-la para "a Boi".
A thread (sequência de postagens encadeadas no Twitter) com as histórias, absurdas e cômicas, das brigas entre as duas e do que elas são capazes de fazer para prejudicar uma a outra logo viralizou na rede social. Teve internauta que até pediu para a Netflix fazer uma comédia sobre o assunto.
Mas quem acabou vendo o potencial dramatúrgico da trama foi a autora Gloria Perez, que pediu para Miguel Falabella, com base na ideia original de Hanzo, transformar tudo aquilo em “Eu, a Vó e a Boi", série que estreia nesta sexta-feira (29), na Globoplay em seis episódios.
Para Falabella, a trama de ódio entre as duas personagens, vividas na tela por Arlete Salles (Turandot) e Vera Holtz (Yolanda, a Boi), é uma metáfora da situação atual, de "um mundo polarizado e dividido pelo rancor."
Para viabilizar a série, Falabella diz ter criado outros personagens e histórias. Hanzo afirma que deu também os seus pitacos e que até já cogita mudar de profissão e virar roteirista. "Estou levando um dia de cada vez, vamos ver o que vai acontecer", diz.
Na série, um dos personagens que foi criado é Roblou, neto em comum das duas inimigas, que é interpretado por Daniel Rangel, 24, conhecido pelo seu papel de Alex Fortes em "Malhação: Vidas Brasileiras” (2018).
O ator conta que, quando foi fazer o primeiro teste, não sabia que a trama tinha surgido de uma história da internet, mas se surpreendeu com o fato de seu personagem usar o recurso de quebra da quarta parede, isto é, em alguns momentos da trama ele olha para a câmera e fala diretamente com o telespectador –o uso dessa ferramenta foi muito elogiada pela crítica em "Fleabag", série de comédia da Amazon que ganhou os principais prêmios Emmy deste ano.
"Roblou faz esse papel de transmitir o olhar do público, de ficar chocado com algumas situações que acontecem na série", diz o ator.
Toda a história se passa na fictícia Tudor Afogado, uma rua cinza e monocromática inspirada no subúrbio carioca. Separadas por uma vala que materializa a aura de ódio e rancor entre as vizinhas, vivem frente a frente as famílias das duas. "Isso foi uma coisa que eu pedi o tempo inteiro: um lugar cinza, que não tem verde, porque é alimentado pelo rancor", diz Falabella.
Para ele, as personagens da série traduzem esse estranhamento que as pessoas em todo o mundo estão vivendo ao verem os desastres ambientais, sociais e a falta de empatia uns com os outros. "E elas [as personagens] traduzem isso de uma forma muito estranha: na violência. O ódio delas polariza toda a existência daquelas pessoas ali. O ódio chega a rugir literalmente embaixo da terra."
Falabella afirma também que "Eu, a Vó e a Boi" inaugura uma nova fase do seu trabalho, chamada por ele de "humor apocalíptico" e que reflete esse mundo cada vez mais "bizarro e solitário", em sua visão. Para ele, além de fazer rir, a comédia também coloca o dedo da ferida. "O humor é a melhor maneira de dizer as coisas para as pessoas, melhor até que a carta anônima", diz.
Depois de, segundo ele, fazer chanchada em "Sai de Baixo" (Globo, 1996-2002), sitcom em "Toma Lá da Cá" (Globo, 2007-2009), visitar a "melancolia engraçada" em "Pé na Cova" (Globo, 2013-2016), Falabella quis experimentar algo novo. E diz ainda que desejou fazer algo "muito louco mesmo, porque a gente não pode encaretar".
"Se não o mundo vai ficar mais estranho ainda, porque a arte, de certa forma, nos faz respirar, refletir e tentar melhorar. Sem arte fica insuportável. As grandes violências sociais vêm quando a arte é afogada, porque não há respiradouros. Enfim, a gente faz o possível", afirma.
Hanzo afirma que, em um primeiro momento, sua avó não gostou muito de saber que a sua história de inimizade com a vizinha serviria de inspiração para uma série da GloboPlay. "Ela ameaçou quebrar as minhas duas pernas, mas depois ela começou a gostar e está ansiosa pela série."
Já sobre "a boi", a vizinha, ele diz que nem tem como saber, já que afirma que as duas realmente vivem em pé de guerra. Hanzo ressalta que sempre foi fã de televisão e séries e está muito feliz de fazer parte do que acredita ser um momento histórico: a transformação de uma trama que nasceu na internet em um produto feito por uma das principais produtoras de dramaturgia do país, a Globoplay.
O ator Daniel Rangel conta que o público tem se mostrado muito receptivo com a série. “Nunca fiz um trabalho com uma expectativa tão grande das pessoas. Elas comentam muito nas minhas redes sociais.”
Todos torcem para uma segunda temporada. Questionada, a Globoplay afirma que ainda não há informações sobre uma continuação. Já Falabella é menos otimista. "Eles já desmontaram a cidade cenográfica da série. Mas quem sabe...", afirma.
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