Os anúncios 'racistas' e a sensibilidade exagerada da internet
Duas campanhas publicitárias foram acusadas de racismo neste mês de outubro. Um comercial britânico para uma loção da marca Dove causou comoção mundial, e foi logo tirado do ar. No Brasil, o lançamento do papel higiênico Personal Vip Black precisou se livrar da chamada "Black is Beautiful" depois de uma avalanche de protestos.
O primeiro caso é um exemplo do poder das "fake news". O filme original mostrava uma moça que se transformava em outra cada vez que tirava a camiseta. O conceito que se pretendia transmitir era que a tal da loção faz a consumidora se sentir plenamente renovada.
O anunciante ainda quis parecer inclusivo, e colocou mulheres de etnias diferentes no comercial. Para quê, não é mesmo? Um engraçadinho retirou quatro frames do filme - justamente aqueles em que a moça negra se transforma em branca - e os diagramou como um anúncio de revista. Fora do contexto original, as imagens realmente passavam uma mensagem racista. A internet explodiu em chamas, e a campanha foi cancelada.
O caso do papel higiênico é mais suscetível a diferentes interpretações. O problema ali foi o slogan adotado: "Black is Beautiful" (preto é bonito), criado pelo movimento negro dos Estados Unidos na década de 1960 como parte de uma campanha para valorizar os traços naturais dos afrodescendentes.
Acontece que, desde então, a expressão "black is beautiful" foi incorporada ao vocabulário popular, e muita gente não lembra ou nem sabe de sua conotação política original.
Alguns reclamaram de agência e anunciante estarem banalizando a luta dos negros por direitos iguais. Só que, no caso de "black is beautiful", esta banalização já aconteceu. A frase já foi utilizada por dezenas de anúncios para produtos na cor preta ao longo dos últimos 50 anos.
Inclusive, isto é o que mais me incomoda na propaganda do papel Personal Vip Black: black is beautiful é a primeira ideia que vem à cabeça de um publicitário quando um produto preto que se pretende sofisticado lhe cai nas mãos. Parece que alguém teve preguiça de pensar em algo menos batido.
O fato da expressão ser empregada para anunciar papel higiênico piorou a situação. Houve até quem dissesse que a eliminação do slogan não resolvia nada: o simples fato de um papel higiênico ser preto já denotaria racismo.
Aí há um evidente exagero. Em muitos países do mundo, é possível comprar papel higiênico de todas as cores - inclusive preto. O produto também é visto como um item a mais para a decoração dos banheiros. Mas no Brasil ele costuma ser branco, ou em tons claros de amarelo e rosa.
Manifestações contra campanhas como a de Dove ou a de Personal têm motivações justas. Mas, como costuma acontecer nesses casos, os internautas preferiram enxergar a árvore sem reparar na floresta. Detalhes foram tirados de contexto, provocando reações desproporcionais e injustas.
A primeira lição que fica é para a publicidade. Não basta mais a ideia ser boa: agências e anunciantes agora têm que tomar cuidados extras, pois as sensibilidades andam aguçadas e literalmente qualquer coisa pode ser mal interpretada. E, ao contrário do que muitos pensam, cliente nenhum se mete em treta de propósito, só para causar reboliço. Os danos à imagem são sempre maiores do que a repercussão gratuita.
Mas a moral da história é mais ampla. Estamos todos nos radicalizando cada vez mais, e soltando vereditos definitivos antes mesmo de julgar. O mundo lá fora é bem mais sutil e complicado do que uma curtida no Facebook.
Com o perdão do trocadilho óbvio - e sem nenhuma intenção racista - a vida real não é em preto-e-branco.
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