Emocionante final de 'Pé na Cova' mostrou que tempo era o verdadeiro tema da série
Miguel Falabella definiu várias vezes seu seriado “Pé na Cova” (Globo) como “a comédia da tolerância”. De fato, este foi um dos vetores da trajetória de Ruço, o personagem central, interpretado pelo próprio autor. Homem, branco e heterossexual, Ruço vivia cercado por negros, lésbicas, prostitutas, transexuais e figuras de difícil classificação. E aprendeu a superar seus próprios preconceitos, por causa do afeto que o unia ao seu entorno.
Mas “Pé na Cova” acabou se revelando bem mais do que um libelo pró-aceitação, tão necessário nos tempos que correm. O último episódio do programa —exibido pela Globo na quinta-feira (7)— deixou claro que seu verdadeiro tema de fundo era a passagem do tempo. O tempo, esse senhor implacável, que nos pune com perdas mas nos recompensa com sabedoria.
Esse capítulo final não tinha propriamente uma trama. Era o aniversário de Ruço: uma data que já convida a um balanço da própria vida. O dono da F.U.I. (Funerária Unidos do Irajá) aproveita o ensejo para rever os amigos e a família, ainda que alguns só pelo computador. Porque os jovens agora estão distantes, morando em diferentes pontos do exterior. Sinal de que, no Brasil de hoje, a melhor saída é o aeroporto?
No Irajá, o subúrbio carioca onde se passou a série, só ficaram os mais velhos. Alguns se reinventaram, como o dr. Zoltan (Diogo Vilella). Outros recuperaram o melhor do passado: Foi o caso do próprio Ruço, que renovou seus laços com a ex-mulher Darlene (Marília Pera). Mesmo assim, ficou pairando no ar uma profunda melancolia.
Sensação que, para o telespectador, a presença de Marília Pera só acentuou. Foi uma experiência quase surreal rever a atriz, morta em dezembro passado, em cenas inéditas ao longo de toda essa reta final. Mesmo corroída pela doença, Marília surgia vital na tela, com o timing cômico inabalado. Ficou ainda mais difícil acreditar que ela não está mais entre nós.
A morte, obviamente, também foi um dos “leit-motivs” de “Pé na Cova”. Já no episódio de estreia, em 2013, uma locução em off do próprio Falabella dizia que “depois dos 50, o homem passa a viver com a morte”. O tema foi explorado de maneira leve e até irreverente ao longo das cinco temporadas do programa. Mas não deixa de ser pungente - e estranhamente apropriado - que “Pé na Cova” tenha sido o derradeiro trabalho de Marília Pera.
Falabella se emocionou ao lembrar da colega no “Encontro com Fátima Bernardes” (Globo) de quinta-feira (7). Essa mesma emoção permeou o “gran finale” de sua série, sem dúvida a melhor entre as várias que ele já criou.
O tempo passou, “Pé na Cova” morreu e teve um enterro de príncipe. A última cena, com Falabella ainda caracterizado como Ruço, mas sozinho num estúdio vazio e na penumbra, já entrou para a história da TV brasileira. Foi um fecho digno para uma comédia que fez menos rir do que pensar.
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