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Thiago Stivaletti
Descrição de chapéu violência

Dona Vitória tem mais em comum com Eunice Paiva do que se imagina

Enquanto uma lutou contra uma ditadura, a outra encarou a violência escancarada do tráfico

Fernanda Montenegro como Dona Vitória (à esq.) e como Eunice Paiva (à dir.) - Divulgação
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Depois de viver Eunice Paiva em seus últimos tempos em "Ainda Estou Aqui", Fernanda Montenegro está de volta defendendo outra mulher que foi sinônimo de resistência. É Joana da Paz, mais conhecida como Dona Vitória, aposentada que aos 80 anos começou a filmar os traficantes da janela de seu apartamento na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana (zona sul do Rio). Com sua denúncia, mais de 30 pessoas foram presas, entre traficantes e policiais ligados ao tráfico.

Dona Vitória e Eunice Paiva têm mais em comum do que se imagina. À primeira vista, as duas estavam lutando por causas pessoais –a segurança do seu bairro, o desaparecimento do marido–, mas, com sua perseverança, ajudaram a mostrar o tamanho da violência institucionalizada e a má conduta do Estado.

A diferença é de contexto. Eunice lutou contra uma violência não escancarada da ditadura militar nos anos 70 –na expressão que batiza um dos livros de Elio Gaspari, a ditadura envergonhada. Rubens Paiva foi levado para um quartel e lá foi torturado e morto.

Já Dona Vitória enfrentou um verdadeiro Estado paralelo que surgiu com a ascensão do tráfico, com bandidos e crianças empunhando revólveres e fuzis em pleno dia, a corrupção policial e a incompetência da polícia e dos governantes em enfrentar a situação.

Mas vamos ao filme: com seu vozeirão grave e olhos vigilantes, de uma força cada vez mais impressionante, dona Fernanda comprova a cada cena que força ou fraqueza não tem nada a ver com idade. Tinha 93 anos quando filmou, e impõe a Dona Nina (nome inventado para o filme; Vitória é o nome fictício que ela ganhou do Programa de Proteção a Testemunhas) uma autoridade impensável.

Nina vê da janela um país indo para a barbárie, se choca e decide agir. Se a polícia exige provas, ela decide consegui-las por conta própria, financiando uma câmera de vídeo com seu dinheiro –o ano era 2005 e os smartphones ainda não estavam por aí.

Mas o filme não fica no registro único da tragédia e da violência, alcançando alguns momentos de leveza, como na amizade de Nina com uma nova vizinha, Bibiana (Linn da Quebrada), e Marcinho, um garoto do morro a quem ela ajuda com dinheiro e comida (o ótimo Thawan Lucas).

De quebra, "Vitória" também mostra a importância da nossa tão criticada imprensa quando o Estado não se mexe. É por meio do repórter policial Flávio (Alan Rocha) que a denúncia de Nina ganha as páginas dos jornais e a atenção da polícia. Flávio é inspirado em Fábio Gusmão, que publicou a história de Joana no jornal "Extra" e depois um livro sobre ela.

Depois dos 5 milhões de espectadores de "Ainda Estou Aqui", seria lindo ver "Vitória" levar ao menos 1 milhão às salas para conhecer essa história comovente, dentro e fora das telas.

Fora delas, é a história de como Breno Silveira, diretor de "2 Filhos de Francisco", apaixonado por esse projeto, morreu de infarte durante as filmagens em 2022, e de como Andrucha Waddington, genro de Fernandona e marido de Fernandinha, assumiu a missão de terminar o filme do amigo.

Ninguém largou a mão de ninguém, e o resultado está aí.

"Vitória"
Direção: Andrucha Waddington
Com Fernanda Montenegro, Alan Rocha e Linn da Quebrada
Estreia na quinta-feira (13) nos cinemas

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow)

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