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Thiago Stivaletti
Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Com abertura no Sena, Paris ganhou novo lema: festividade, diversidade e sororidade

Brasil já conquistou o primeiro pódio, como delegação mais mal vestida e mais desanimada

Delegação brasileira na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris - Carl de Souza/Reuters
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Paris prometeu, Paris entregou. A cerimônia de abertura das Olimpíadas 2024 entrou para a história porque seus organizadores partiram de um pensamento iluminado: não valia a pena fazer a festa num estádio se eles têm a cidade mais bonita e o rio mais charmoso do mundo.

O diretor artístico Thomas Jolly começou devagar e depois foi subindo a barra. O início deu um certo medo –a abertura com os jatos de água nas cores da bandeira da França pareceu simples demais, e logo começou o desfile das delegações nos barcos.

Nos primeiros minutos, a festa trouxe aquela dose de clichês franceses pra turista ver: o acordeonista de boina tocando na ponte, Lady Gaga esplendorosa num Dior em preto e rosa evocando o Moulin Rouge e os shows de teatro de revista que atraem turistas até hoje.

Também deu um certo frio na barriga a insistência nos tons de rosa nessa primeira parte. Parecia que Jolly queria só ter seu dia de Greta Gerwig, fazendo sua própria versão de "Barbie" em plenos Jogos Olímpicos. Mas felizmente esse foi só o primeiro ato.

Aos poucos, a França branca foi sendo deixada de lado em prol da diversidade –um belo tapa na cara da extrema-direita de Marine Le Pen. Uma criança de feições árabes começou carregando a tocha pelos esgotos de Paris. Um rápido número fez uma justa homenagem à reconstrução da Catedral de Notre Dame, com bailarinos em meio aos andaimes.

Em meio aos barcos com as delegações, o Brasil já conquistou o seu primeiro pódio, como uma das delegações mais mal vestidas e mais desanimadas. O uniforme que mais parece uma roupa de missa só tomou paulada desde que foi apresentado e conseguiu a proeza de fazer do Brasil –justo do Brasil– uma delegação menos vibrante que as do Canadá e da China. Só deu match com a desmaiada delegação de Botsuana, que veio logo antes.

Alguns momentos poderosos fizeram a união inusitada de tradição e modernidade, lembrando que a França não é só terra de passados e museus. Um número catártico lembrou a Revolução Francesa com Maria Antonieta decapitada ao som da banda de metal Gojira, seguida da famosa ária da ópera "Carmem" de Bizet na voz da suíça Marina Viotti.

Em outro momento, a malinesa Aya Nakamura, cantora em língua francesa mais ouvida do momento, fez um número digno de Beyoncé e botou uma banda militar cheia de homens brancos pra dançar. Um vídeo com três jovens na Biblioteca de Paris lendo clássicos de Maupassant, Verlaine e Leila Slimani terminou com os três... num triângulo amoroso a portas fechadas –sim, o "ménage à trois" também é patrimônio francês. Depois de uma Santa Ceia "drag", um rápido desfile de moda reuniu diversas etnias.

Toda essa bela salada lembrou que a França é a terra da liberdade, igualdade e fraternidade, mas também da festividade, da diversidade e da sororidade. Esta última apareceu num belo momento em que a cerimônia fez justiça a grandes feministas, artistas e pensadoras da França, com estátuas que subiam em homenagem a Olympe de Gouges, Gisèle Halimi, Louise Michel, Simone Veil, Alice Guy e Paulette Nardal, a primeira mulher negra a ingressar na Sorbonne.

Esse vaivém entre o velho e o novo, o tradicional e o moderno marcou toda a cerimônia. Uma animação com os Minions que terminou com a Mona Lisa boiando no Sena foi emendada com o canto da Marselhesa, o hino francês, do alto de um dos prédios. Aliás, foram muitas as performances do alto dos telhados de Paris, incluindo a figura mascarada que arrasou no "parkour" por toda a cidade.

Com a noite instalada, a última parte foi de pura festa, com bailarinos explodindo na passarela de uma das pontes superiluminadas, ao som de um pot-pourri de músicas dance e techno. Foi menos inspirado, mas manteve o astral lá em cima. Juliette Armanet e a pianista Sofiane Pamart cantaram "Imagine" de John Lennon com um piano de cauda em chamas. O mascarado riscou o Sena montado num cavalo de metal com a ajuda de um submarino, numa visão espetacular.

Para acompanhar os "barcos alegóricos" dos 206 países que fizeram o Sena ter seu dia de Sapucaí, nada melhor do que os comentários de Milton Cunha na Cazé TV. Milton deu pitaco desde a "lancheca" minúscula do Bahrein até o "barco-formigueiro" com a delegação francesa, confessou que "já conheceu alguns homens da Micronésia" e tombou o desfile de moda como "mequetrefe", entre outros comentários jocosos.

Atrapalhando um pouquinho, a chuva apertou bastante na segunda metade da festa, e fez temer pela saúde dos atletas que vão competir nos próximos dias. Será que teremos atletas tombados porque a glote fechou no meio do Sena? Oremos.

Na reta final, foi comovente ver a reunião de um Quarteto Fantástico numa lancha a cem por hora em direção à Pira Olímpica: a ginasta romena Nadia Comaneci, a tenista americana Serena Williams, o tenista espanhol Rafael Nadal e o corredor americano Carl Lewis, vencedor de dez medalhas olímpicas. Confirmando as expectativas, a velocista francesa Marie-José Perec acendeu a Pira, mas acompanhada do judoca francês Teddy Riner –um casal de atletas negros, dando o toque final de diversidade à cerimônia.

Coroando tudo, Céline Dion, que não cantava em público há muito tempo por conta de sua doença, encarnou Édith Piaf na voz e no gestual –nenhuma cantora francesa teria feito melhor– no coração da Torre Eiffel. Paris sempre foi uma festa, mas desta vez se superou.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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