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Thiago Stivaletti

Documentário faz exploração cruel da doença rara de Céline Dion

'Eu Sou: Céline Dion', no Prime Video, exibe sem cortes sete minutos e meio de uma crise de espasmos da cantora, que faz revelações sobre seu afastamento

Céline Dion em exibição especial do documentário 'I Am: Celine Dion', em Nova York - Angela Weiss/AFP
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Uma menina com 13 irmãos de uma família simples do Québec, província do Canadá, descobre que tem uma voz de potência rara. Torna-se uma cantora adolescente de sucesso, alcança o sucesso internacional, vende 250 milhões de álbuns pelo mundo todo. É convidada a gravar a música-tema de um filme vencedor de 11 Oscars.

Por volta dos 40 anos, porém, ela começa a perceber, logo depois do café da manhã, que sua voz está mais aguda do que de costume. Ao ir ao médico, descobre que é portadora de um problema neurológico raríssimo, que atinge uma em um milhão de pessoas: a Síndrome da Pessoa Rígida, que provoca espasmos musculares fortes e muito dolorosos no corpo todo.

Esse é o conto de fadas e a tragédia de Céline Dion, uma das cantoras mais populares da história –depois de Madonna, foi a segunda cantora a acumular mais de US$ 1 bilhão em ingressos vendidos em seus shows. Dois anos depois de revelar ao mundo sua condição rara, ela se expõe completamente em "Eu Sou: Céline Dion", documentário que estreou esta semana no Prime Video.

Aos 56 anos, Céline aparece à vontade em sua mansão em Las Vegas, rodeada de seus dois filhos mais novos. Em 2021, ela cancelou a residência de shows que faria na cidade, e só um ano depois juntou coragem para contar a seus fãs o drama que passava. Diz que não sente falta só da música, mas também das pessoas, e que sofreu muito a cada show que teve que cancelar, decepcionando o seu público.

EM BUSCA DA VOZ

Enquanto ela fala, passeia pela casa, cuida de tarefas domésticas, o filme vai mostrando imagens de seu passado de sucesso, os shows dos anos 90, sua voz forte e impecável, ainda que sempre a serviço de um repertório ultrameloso. Hoje, a síndrome provoca espasmos em suas cordas vocais, e sua voz está longe de ser o que era. Céline se expõe sem medo, tentando gravar músicas de seu novo álbum, errando muitas notas, repetindo sem parar até conseguir um resultado que ela considere minimamente satisfatório. Pensa em buscar um repertório novo, mais ao alcance de sua voz limitada. Impossível não sentir pena de alguém que perdeu seu mais precioso dom.

Talvez o momento mais precioso do filme seja o momento em que Céline se arrepende dos anos em que foi obrigada a mentir a seu público para continuar cantando. Sua equipe alegou sinusite, infecção no ouvido e outros problemas mais leves para cancelar shows ou tirá-la do palco antes do tempo. "Às vezes, eu batia com a mão no microfone e fingia que o problema era com ele, não comigo", revela. Em outras ocasiões, saía do palco para "trocar de roupa" e não voltava mais porque a dor a impedia. Para atenuar o sofrimento, chegou a tomar 90 miligramas de calmante por dia para se manter cantando.

REALITY SHOW RUIM

Mas nem só de boas revelações se sustenta o documentário. A diretora Irene Taylor não resiste em fazer de Céline Dion uma personagem de suas próprias músicas melosas. Em muitos momentos, a cantora dispara frases de autoajuda pra reforçar o clima de superação, como "Se quiser ir rápido, vá sozinho; se quiser ir longe, vá com alguém" ou "Se eu não puder correr, eu ando; se não puder andar, eu engatinho; mas nunca vou parar". E chega a ser constrangedor ver cenas do velório de seu marido enquanto, na trilha, o filme toca a versão dela para "All By Myself" (Completamente sozinha). Sem medo de ser piegas.

E o pior fica para o final, quando o documentário exibe sem cortes uma crise violenta de espasmos da cantora. São sete minutos e meio de agonia, desde a primeira contração nos pés até o final. Acudida por dois enfermeiros, Céline retorce o rosto de agonia e geme, acudida por dois enfermeiros. A própria cantora diz depois que "sempre fica constrangida" nessas crises – por que então autorizar seu uso no filme? Os mais fãs podem considerar um gesto de ousadia e coragem, mas o resultado é uma exploração barata da dor alheia, feita para aumentar a curiosidade em torno do filme. Se até ali o filme respeita a cantora, no fim acaba lembrando um reality show ruim, daqueles que buscam audiência explorando a dor dos participantes.

Eu Sou: Céline Dion

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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