Renato Kramer

'Eu nunca fui infeliz', diz Maitê Proença em entrevista

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'A sua vida e o que ela tem para contar é mais forte do que qualquer literatura', foi como Roberto D'Avila (GloboNews) anunciou a sua convidada deste sábado (28): Maitê Proença.

"Você acha que o sexo é o motor da história?", perguntou logo de início o apresentador. "Não mais", respondeu de pronto Maitê, "na minha vida, por exemplo, não mais", concluiu.

"Você é uma mulher tão intensa, os homens não morrem de medo de você?", quis saber D'Avila. Maitê titubeou. "É... Você acha, Roberto? Mas eu sou frágil também, né?". "É?", retrucou o apresentador. "É, por dentro, né?", explicou a atriz.

"Não me foi dada muita oportunidade de ser vulnerável desde o início da vida. Então eu acho que eu me fiz assim, sabe?", argumentou. "Você sofreu um trauma imenso quando era criança. Como é que você sobreviveu a isso?", questionou D'Avila.

"Não foi um, foram vários traumas. Foi uma sucessão de acontecimentos impactantes. Eu acho que as pessoas às vezes tem grandes percalços pela vida e elas vão parando nesses lugares. Talvez um grande impacto seja menos ruim do que uma sucessão de pequenos impactos. Porque você aprende: ou você reage ou você para ali", reflete a atriz.

"Mas a morte da sua mãe, como você sobreviveu a isso ainda criança?", insistiu o apresentador. "A morte da minha mãe, quando aconteceu, alguma coisa ia acontecer: ou ele (pai) ia morrer, ou ela, ou alguém ia se matar. As coisas estavam num ponto, e eu muito envolvida no meio...", ia explicando a atriz quando Roberto interfere.

"Por causa das brigas, essas coisas?". "No meu meio aquilo não era comum, nem para eles era comum – acho que a gente tinha uma família muito bem estruturada. Nos reuníamos à mesa, meu pai fazia mágica, minha mãe dançava, havia uma família. Eu tinha um irmão adotivo, que morreu também, mas que era uma pessoa maravilhosa", conta Maitê.

"Meu pai dizia que não ia casar com a minha mãe porque ela não era o tipo físico que agradava a ele", confidencia a atriz. "A sua mãe era linda, não?", pergunta Roberto. "As pessoas dizem que ela era linda, mas se você olhar uma foto, ela não parece linda. Ela tinha um entusiasmo, uma intensidade que eu acho que herdei dela. Uma vontade de gostar das coisas, de me interessar pelas pessoas, por coisas diversas, isso ela tinha muito", declara Proença.

"Ela (mãe) era uma hedonista: ela gostava dos prazeres, todos eles. É difícil você conciliar 'prazeres' com uma vida familiar pacata. Ele (pai) era muito mais convencional do que ela e muito apaixonado", explica a atriz. "Ele matou por ciúmes?", perguntou D'Avila diretamente. "A gente não sabe porque as pessoas fazem as coisas que fazem, Roberto", reflete a entrevistada, que tinha apenas 12 anos quando a tragédia aconteceu.


"É uma redução muito grande você pegar o drama da minha vida e falar que ele matou por ciúmes... E eu mesma entender dessa maneira, porque eu passei anos da minha vida destrinchando essa situação. Porque depois ele se matou, depois meu irmão praticamente também, então foi uma sucessão de acontecimentos que partiram daí. E eram pessoas muito complexas, não é assim que funciona", esclarece Maitê.

D'Avila elogia a capacidade de superação da atriz antes de retomar o fio da meada. "Você foi para um internato depois, isso foi muito difícil pra você?". "Foi muito difícil porque meus pais eram ateus e eles eram missionários luteranos. Então moralmente eu não entendia nada. O que era certo e errado ali era um universo novo pra mim", lembra.

"Eu não concordava com o que eles pensavam. Eu não entendia aquelas regras. Uma moral muito rígida – não podia dançar, não podia uma série de coisas, e naquela época a gente só queria fumar escondido e dar beijo na boca! Eu não entendia mas ao mesmo tempo eu amava, virou um paradoxo assim", conta.

"Saindo de lá eu fui morar na casa de um padre. Porque eu briguei com o missionário mor e fui embora, porque eu tinha um temperamento ruim, né? Bati na casa do padre e falei: você é padre, eu sou órfã – combina!". "O padre se portou bem?", indagou Roberto. "O padre foi maravilhoso. Eu fui morar no terceiro andar, ele morava no primeiro. Meu pai, que era ateu, virou o melhor amigo do padre!", comentou Maitê.

"Seu pai foi preso?", perguntou D'Avila. "Não, meu pai foi absolvido... Eu era testemunha de defesa, o que ajudou bastante". "Você amadureceu muito rápido, você acha que esse tranco te levou a isso?". "Eu acho que eles me deram muito material, alguma coisa eles fizeram muito certa, porque eu não sou uma pessoa infeliz, Roberto, nunca fui", conclui Maitê.

"Nada é mais literatura do que a própria vida, não Maitê?", observa o apresentador. "Eu sempre achei, Roberto, que por mais que a gente consiga inventar histórias mirabolantes, a vida é sempre mais surpreendente", afirma a bela Maitê Proença, que é de opinião de que os jornalistas até buscam a 'isenção' mas nunca conseguem.

"E a beleza, Maitê? A passagem do tempo te incomoda, te assusta?", perguntou Roberto. "Eu fico ouvindo as pessoas dizerem: os 50 são os novos 30. Mas pra quê? Por que não viver bem os 50? Há vantagens nisso! Você fica mais sereno, fica mais confortável na sua pele. Você precisa seduzir menos. Porque aos 30 você quer seduzir o mundo! E faz concessões imensas! Não precisar mais fazer isso dá um alívio, sobra tempo pra você fazer as coisas que realmente importam na vida!", conclui a autora de "Todo Vícios" (Ed. Record).

"Os teus personagens são sempre muito pequenos pra você, não é?", coloca Roberto D'Avila. "É por isso que eu estou escrevendo, Roberto. A gente não sabe o que a gente está fazendo aqui, nem por quanto tempo – nenhuma resposta é satisfatória. Então, algo em mim diz que eu tenho que fazer o melhor possível", argumenta a atriz que está no ar vivendo a Kitty Santana em "Alto Astral" (Globo).

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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