O programa "Show Business" (Band), apresentado pelo 'gentleman' João Dória Jr., reprisou no último sábado (17) uma rara e sensível entrevista com Roberto Carlos Braga II, o 'Segundinho' –mais conhecido como Dudu Braga–, levada ao ar originalmente em 27 de abril de 2013.

Dudu é publicitário de formação, mas atua também como músico (baterista), produtor musical e apresenta um programa diário na rádio Nativa FM: "As Canções Que Você Fez Pra Mim", no qual toca apenas músicas cantadas pelo pai Roberto Carlos.

"Com que idade você perdeu a sua visão?", perguntou João Dória. "Na verdade eu nasci com glaucoma congênito, fiz algumas cirurgias logo depois de quinze dias –porque para o glaucoma não havia muito o que ser feito quando nasci em 1968", conta Dudu. Sabe-se que foi inspirado nesse momento delicado que Roberto Carlos compôs e gravou uma de suas mais belas e tristes canções: "As Flores do Jardim da Nossa Casa".

"Mas tinha uma cirurgia na Holanda, experimental na época ainda, que pode me ajudar", continuou Dudu. "Então, com 15 dias de vida eu fiz 7 cirurgias, passei a enxergar normalmente até os meus 22 anos, quando então tive um descolamento de retina", conclui o Segundinho.

"Eu tava inclusive dirigindo o meu próprio carro!", lembra Dudu. "Com esse processo de descolamento de retina foram dois anos e meio, entre tentativas e mais tentativas em Houston (EUA). Mas aí eu perdi a visão definitivamente em 1994, bem na Copa do Mundo dos Estados Unidos". "Você tem um resquício de visão?", questionou Dória Jr. "Eu tenho apenas percepção à luz", respondeu Dudu.

"O que mudou exatamente na sua vida?", perguntou o apresentador em síntese. "Claro que muda muita coisa. A tua percepção do mundo e o que você vai fazer. Eu trabalhava desde os 17 anos com venda de automóveis na concessionária do meu pai, que chamava Horizonte Veículos, e tive que parar tudo e rever minha vida", relata Dudu. "Por um lado até foi muito bom, porque a música está muito ligada às pessoas com deficiência visual –e eu fugi muito disso, João, eu queria fugir daquela história de ser conhecido como filho do Roberto Carlos", confessa Dudu.

Mas ressalta: "Eu tenho o maior orgulho de ser filho do Roberto Carlos, pelo amor de Deus! E aí, com essa busca da própria identidade, não teve jeito, chegou uma hora na minha vida que me tornei baterista por entusiamo, não por competência", confidencia o Segundinho. "Então comecei a trabalhar com a música, tive uma gravadora, fiz algumas produções musicais e acabei indo para o rádio. Foi bom pra mim!", declara o filho do rei.

"É engraçado, porque a pergunta que eu mais respondi na minha vida foi: você vai cantar como o seu pai? Cantar como o meu pai é impossível!", afirma Dudu. "Vai demorar uns cem anos pra surgir um segundo Roberto Carlos!", observa o apresentador. "Com certeza!", retruca Dudu rapidamente. "Mas foi uma coisa muito legal me descobrir na vida artística, foi muito bom pra mim", conclui.

"Como as pessoas reagem quando assistem a uma palestra sua, Dudu?", quis saber João Dória. "Eu percebo quando faço minhas palestras, a pessoa vê um deficiente visual sendo feliz e atuando, fazendo e produzindo –isso dá um efeito muito bacana. Uma coisa que eu ouço muito é: 'poxa, Dudu, eu aqui reclamando da vida e você aí sem enxergar e trabalhando, produzindo'. Eu acho que essa é a essência dessas palestras –que você pode ser feliz da sua forma. É bom entender que para ser feliz não precisa ser perfeito", define Dudu.

João Dória pergunta então sobre a relação de Dudu com o pai Roberto Carlos. "O paizão mora na Urca (RJ) há 33 anos, eu moro em São Paulo desde que nasci, mas a gente sempre está junto, sempre nos falamos. Eu sempre digo: felizes daqueles que têm os pais como ídolos. Eu tenho, mas não por ele ser cantor, pela forma e por tudo o que ele me ensinou. A minha relação com o meu pai é maravilhosa!", afirma o filho do rei.

"As vezes eu olho para o meu pai e penso: 'cara, 50 anos de sucesso, que loucura isso!' Porque eu vi muitas vezes o meu pai tenso porque não sabia o que poderia acontecer com um disco. Hoje faz 50 anos, mas quando a Jovem Guarda acabou, em 1969, fazia 4 anos que ele tinha sucesso. Quando ele compôs "Amigo" em 1977, por exemplo, fazia naquela época 12 ou 13 anos que ele tinha sucesso. Então a carreira dele foi sendo construída", ressalta Dudu que admira a trajetória do pai.

"Dudu, o que você de melhor aprendeu com seu pai?", perguntou o apresentador mais elegante da televisão. "A luta e a hombridade do meu pai são coisas que me tocam muito. Quando eu vejo ele num palco cantando e a força que ele tem –aquela garra, aquela vontade de vencer, de tentar trazer um mundo melhor para as pessoas–, isso é o que mais me emociona no meu pai", afirmou Roberto Carlos Braga II.

Para encerrar, João Dória Jr. pega o Segundinho pela emoção: "E o que o Dudu ensinou ao pai, ao rei Roberto Carlos?". Dudu Braga faz uma pausa, coloca as mãos no rosto, retira-as e diz, muito comovido: "Não sei". "Eu sei", diz o apresentador carinhosamente, "a viver!", conclui com leveza e profundidade ao mesmo tempo. Dudu não consegue dizer mais uma palavra e chora de mansinho. Ouve-se então a voz do rei, seu pai, cantando: "como é grande o meu amor por você".

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"