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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu

Marcius Melhem encontra apoio em canal criado no YouTube

Ex-diretor da Globo alimenta audiência ao confrontar relatos com documentos que aponta serem ignorados pela imprensa

O ator e roteirista Marcius Melhem
Marcius Melhem contesta entrevista de Luiz Miranda ao site Metrópoles por meio de vídeo no seu novo canal no YouTube - Reprodução YouTube/MarciusMelhem
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São Paulo

Faz menos de um mês que Marcius Melhem deu início à produção de um canal próprio no YouTube, a fim de comentar, contestar e apresentar fatos, entre mensagens, datas e outros documentos, que contextualizam sua gestão à frente do núcleo de humor da Globo, ou mesmo do período que antecedeu sua chefia.

O ator, roteirista e jornalista encontrou ali um meio de ser ouvido com mais equidade em relação ao espaço dado pela imprensa a quem o acusa, mesmo diante de registros que ele apresenta para confrontar relatos sem provas e se defender das denúncias de assédio moral e sexual que lhe custaram a saída da emissora e três anos sem trabalho.

Até esta terça (2), o canal de Melhem soma 14,4 mil inscritos e 39 vídeos, incluindo alguns enviados por amigos com demonstrações de contradições entre o comportamento exibido hoje por quem o acusa e atos que até três ou quatro anos atrás eram tratados como brincadeiras.

Neste 1º de maio, Melhem publicou novo vídeo para reagir à entrevista de Luís Miranda ao site Metrópoles, apontando imprecisões em perguntas e respostas. E se queixou de não ter sido procurado pelo portal de notícias para dar sua versão sobre o que o ator disse a seu respeito. À coluna, o repórter Guilherme Amado justificou que já considerava contemplado o posicionamento de Melhem, ouvido em outras entrevistas.

De novo, o ex-diretor da Globo confrontou as acusações por meio de mensagens exibidas ao longo do vídeo e acusou contradições entre o relato feito pela revista Piauí em dezembro de 2020 e as declarações mais recentes de Miranda, que assumiu nesta recente entrevista ser uma das pessoas ouvidas em off pela publicação há 2 anos e meio.

Dez horas após publicado, o vídeo superava 22 mil visualizações e quase 1 mil comentários, todos de apoio ao roteirista.

A busca por informações sobre o caso tem motivado audiência diária de outros canais que também se dedicam ao tema, como o do jornalista Ricardo Feltrin, que chama de "farsa" a acusação enfrentada por Melhem no departamento de Compliance da Globo e feita também ao Ministério Público da Mulher depois que ele, suposto assediador, resolveu processar na Justiça a humorista Dani Calabresa por danos morais.

Quase como uma série ao modo true life, o caso Marcius Melhem despertou nos seguidores do assunto um interesse digno de novela das nove ou série para ser maratonada. Em grupos de artistas pelo WhatsApp já discutem quem poderia fazer o papel dele e de Calabresa numa suposta futura produção ficcional para a TV.

É quase uma alusão, ainda que sem o humor do original, ao subtítulo "A TV na TV", que acompanhava o programa "Tá no Ar", sucesso criado por Melhem, Maurício Farias e Marcelo Adnet no momento mais profícuo da Globo na área do riso da última década.

Para a signatária desta coluna, que acompanha os bastidores de TV há 33 anos e já tomou conhecimento de incontestáveis práticas de assédio moral e sexual não só na Globo, como em outras TVs, nunca antes esse circuito produziu enredo mais rico em termos de conflitos, ingrediente central para um bom script.

Diferentemente deste caso, nunca tive provas ou gente disposta a denunciar conhecidos diretores que fizeram carreira na TV na contramão dos códigos de ética agora evocados para justificar erros que estão longe de serem individuais. A TV, como há anos ouço em entrevistas com seus operários e estrelas, é trabalho em equipe.

Melhem reconhece que errou na intimidade de relações com ex-subordinados, algo que ele justifica como comportamento existente antes de se tornar chefe, mas acredita que cada um deveria arcar com as responsabilidades que lhe cabe sobre hábitos que foram convenientes em outros tempos.

As acusadoras e seus apoiadores alegam que ele tenta constranger, por meio de mensagens expostas, pessoas que poderiam corroborar as denúncias contra ele.

Esta coluna tem ouvido vários profissionais e ex-funcionários da emissora que apontam injustiça e ressentimento na ação do grupo que denunciou Melhem ao MP, do qual sempre me coloquei também a disposição, sem no entanto receber argumentos capazes de contradizer os documentos apresentados por ele.

Defensores do roteirista, em geral, veem como ônus apoiá-lo publicamente, mas permitem-se, às vezes, curtir discretamente um ou outro post seu no Instagram. Por ali já passaram nomes como Leandro Hassum, seu ex-parceiro de cena, Pedro Bial, Rodrigo Lombardi, Alex Escobar e a autora Manuela Dias, além de outros colegas de roteiro do período do "Tá no Ar".

Ainda que haja dúvidas sobre as razões de cada um, lado a lado, há quilômetros de mensagens em texto, áudio e vídeo que contrariam outros quilômetros de denúncias verbais, mesmo apoiadas por um documento assinado pela Globo um ano após a saída de Melhem, mencionando infração ao código de ética da casa, sem explicitar o motivo que resultou na conclusão tardia.

Ressentimentos como o crédito, o talento ou o amor não reconhecido têm surgido na esteira das acusações que ele rebate, uma a uma. No anseio de não fazer deste caso um novo Johnny Depp-Amber Heard, torna-se urgente não desmoralizar a causa que luta por direitos femininos no ambiente de trabalho.

Daí a importância de não haver contradições nos relatos nem versões múltiplas para um mesmo fato, como a reação de Calabresa na festa em que Melhem teria tentado beijá-la à força em 2017, citada pela revista Piauí de uma forma, por Miranda, de outra, e divergente também do depoimento de uma testemunha à Justiça.

É pena também, para a causa do movimento #MeToo, que alguns argumentos citados pelas acusadoras e seus apoiadores encontrem fatos que não se sustentem, como apontar na casa de roteiristas criada por ele, num imóvel vizinho à sede da Globo no Jardim Botânico, no Rio, um ambiente que, segundo seus ex-subordinados, teria sido providenciado com propósito de segregar a equipe de humor do restante de produções da emissora.

Como bem lembrou Melhem ao reagir a tal acusação em entrevista ao Metrópoles gravada após a conversa do site com denunciantes e seus apoiadores, o sistema vigente antes desta casa, batizada como Há-Há-House, era muito mais propício a ações de assédio sexual, já que a Globo alugava flats para os seus autores, e não só de humor, onde eles podiam trabalhar com privacidade --e longe dos olhos coletivos.

Já tomei conhecimento de histórias sórdidas da troca de sexo por trabalho --inclusive nos tais flats alugados pela Globo para autores de novelas.

Outro ponto frágil é citar humilhação em uma carta repleta de palavras gentis e de entusiasmo à equipe --um tom bastante raro nos altos escalões da TV--, como mencionou a atriz Carol Portes ao UOL, ao ser comunicada que não estaria no novo programa de humor da Globo. Ou mesmo acreditar que elogios aos colegas no grupo de WhatsApp significam a exposição do fracasso dos demais.

Na entrevista de Miranda ao Metrópoles, o ator acusou Melhem de ser o responsável pelas várias demissões que dizimaram o departamento após a sua saída, o que não corresponde à verdade dos fatos. A direção da Globo tem enxugado como nunca a sua folha de pagamentos em todas as áreas, mas chegou a encomendar um novo humorístico para as noites de sábado a Antônio Prata, colunista da Folha, após a saída de Melhem, tendo depois abortado o projeto sem explicações.

Além disso, profissionais que reclamaram de Melhem ao Compliance da empresa tiveram seus contratos renovados por mais dois anos após a saída do ex-diretor, justamente para serem poupados de possíveis danos causados pelo constrangimento que acusavam terem sofrido do ex-chefe.

Há que se compreender com profundidade o ambiente televisivo e o funcionamento da maior vitrine de fama do país, onde egos são diariamente atropelados ou sublinhados. Só assim é possível dialogar com equidade com os dois lados dessa história, cujo roteiro está longe de ser tarefa fácil para os seus protagonistas.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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