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Zapping - Cristina Padiglione

Saiba quanto cada centavo gasto no audiovisual gera para outros setores

Estudo inédito da Deloitte mostra impacto do cinema e da TV na economia do Brasil, México, Argentina e Colômbia

Osmar Prado e José Loreto em cena de 'Pantanal', novela que fez dobrar o turismo na região, segundo a Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul - TV Globo/Divulgação
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Rio de Janeiro

Para cada US$ 10 gastos no setor audiovisual, mais uma quantia, de US$ 6 a US$ 9, é gerada na cadeia de suprimentos, ou seja, de segmentos de apoio a essa indústria, como tecelagem e alimentação, fora as cifras que um filme, série ou novela faz transbordar para o turismo de algum local retratado em cena, ou para o mercado literário, no caso de livros adaptados para as telas ou mencionados em cena.

De cada 100 pessoas empregadas no setor audiovisual, outro número, de 50 a 70 empregos ou serviços remunerados, abastece outros setores da economia.

A conclusão é de um estudo encomendado pela Netflix à Deloitte, consultoria financeira, para mensurar o impacto da produção de cinema e TV, incluindo streaming, na economia de México, Argentina, Brasil e Colômbia, os países onde esse setor mais movimenta dinheiro na América Latina.

A pesquisa engloba também os efeitos do rádio, mas sua participação no bolo é bem menor, ao contrário do streaming, que vem crescendo exponencialmente. Embora tenha sido divulgado só agora, por ocasião do Rio2C, congresso de audiovisual que terminou neste domingo (16) no Rio de Janeiro, o estudo usa como base dados econômicos de até 2021, período ainda afetado pela paralisação trazida pela pandemia, quando o setor sofria a retomada de produções.

De acordo com as conclusões do levantamento, para R$ 54 milhões (US$ 10 milhões) que se gasta em uma produção, mais R$ 96 milhões (US$ 18 milhões) são movimentados na economia, considerando o impacto indireto na cadeia de suprimentos, como a costureira que faz o figurino, o marceneiro que constrói um cenário ou as cozinheiras que alimentam a equipe do set.

A soma total do que a indústria movimenta é ainda maior quando se inclui o impacto induzido no aumento dos gastos das famílias beneficiadas: R$ 159 milhões (US$ 29 milhões), considerando o quanto cada bolso poderá consumir em produtos ou serviços a partir desses ganhos.

Vários segmentos estão envolvidos nos diversos estágios da cadeia de valor na produção de cinema e TV (que envolve pré-produção, produção, pós-produção e distribuição), como construção de cenários, efeitos especiais, composição musical, design de figurinos e serviços jurídicos, entre outros ramos.

Os gastos em projetos de audiovisual fomentam outros setores dentro da economia, aumentando não só a demanda por bens e serviços oferecidos pelos fornecedores dessa seara, como também o rendimento dos fornecedores desses fornecedores (no fenômeno conhecido como efeito indireto).

A produção de figurinos para um filme exige que a empresa têxtil procure fabricantes de matérias-primas, além de tecelagens e empresas de tingimento. O aumento na atividade econômica dessas indústrias pode levar a remunerações mais altas para os trabalhadores. Embora uma parcela desse aumento possa ser direcionada a poupança ou gasta em outros países, boa parte será injetada na economia local.

Como dizia um vídeo institucional distribuído durante a pandemia, na hora em que o telespectador vê um filme ou uma série, o que ele menos quer pensar é em trabalho, mas aquilo que para ele é entretenimento representa o ganha-pão de muita gente e gera vários empregos.

Muito se reconhece a importância sociocultural da indústria audiovisual, mas o impacto do entretenimento na economia é culturalmente mal compreendido ou mesmo ignorado por completo.

Na Argentina, Brasil, Colômbia e México, mais de dois terços do total de gastos no audiovisual são destinados a outros setores dentro da cadeia de suprimentos da área matriz, como serviços profissionais de construção, indústria têxtil e publicidade.

CAPITAL DE GIRO

O objetivo do estudo é sensibilizar os governos para a criação de políticas públicas capazes de fomentar essa indústria, e também o consumidor, como mais um meio de inibir a pirataria de filmes e séries.

No pacote de sugestões da Deloitte para melhorar a infraestrutura do audiovisual, está o investimento na expansão de estúdios por meio de parcerias público-privadas e incentivos fiscais (como isenções de tarifas de importação de equipamentos de produção).

Também vale discutir outros incentivos à produção, incluindo restituição em dinheiro (cash rebate) ou créditos para atrair produtores globais para expandir e desenvolver a indústria nacional e o treinamento de profissionais para ampliar o setor e a diversidade da mão-de-obra.

REGULAMENTAR É PRECISO

Mas para que todos esses números fortaleçam um mercado nacional de alta potência, o buraco é ainda mais embaixo.

Durante a Rio2C também se debateu bastante sobre a urgência de regulamentar a produção de conteúdo para o streaming, garantindo às produtoras brasileiras a propriedade das obras feitas aqui. Essa é uma lacuna ainda aberta na alta demanda de criações nacionais pelas gigantes do VOD (Video On Demand), algo que a lei da TV paga conseguiu honrar graças a um sistema de cotas de conteúdo nacional e de mecanismos para dar às empresas brasileiras a sociedade majoritária.

Mas nenhum modelo equivalente foi até hoje criado para os serviços de streaming, que ficam com a propriedade total das obras realizadas no Brasil, e portanto com os dividendos de exportação.

"Para termos empresas produtoras fortes, precisamos garantir participação no IP que as produtoras criam e não entregar para a distribuição e exploração comercial global todos os direitos. Isso interessa às produtoras e aos criadores --roteiristas, diretores etc.", diz Mauro Garcia, da BRAVI, Associação das Produtoras Brasileiras Independentes de Audiovisual. "Esse é o grande ponto do debate porque significa que a obra ao longo do tempo poderá remunerar e fortalecer produtoras brasileiras."

NÚMEROS DO BRASIL


Em 2021, o setor audiovisual do Brasil gerou receita total de R$ 56,937 bilhões (US$ 10,554 milhões). A produção de filmes representou R$ 6,182 bilhões (US$ 1,146 bilhão) de receita em 2021, ano em que o país gastou cerca de R$ 52,180 bilhões (US$ 9,672 bilhões) em produção de conteúdo.

Em 2020, o setor audiovisual gerou cerca de 111.331 oportunidades de trabalho, o equivalente a 0,12% do total da força de trabalho nacional.

O declínio do setor audiovisual brasileiro em 2021 foi impulsionado principalmente pela redução dos assinantes de TV paga, investimento público e receita de bilheteria devido à Covid-19.

A colunista viajou ao Rio de Janeiro a convite da Netflix

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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