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Zapping - Cristina Padiglione

Manoel Carlos chega aos 90 anos com obras inéditas na gaveta

Dramaturgo escreveu pelo menos duas séries desde 'Em Família', sua última novela, e tem um folhetim cotado para remake

Amor, ódio, inveja e ciúme se parecem em todas as línguas, em todos os países, em todas as famílias”, diz Manoel Carlos - Estevam Avellar/Globo
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São Paulo

Há nove anos sem apresentar histórias inéditas na tela, Manoel Carlos chega aos 90 anos nesta terça-feira, 14 de março, no sossego de sua cobertura no Leblon, bairro carioca que tanto retratou em suas novelas na Globo, e com tempo de sobra para tomar aqueles cafés da manhã dignos de seus folhetins.

Recluso desde o início da pandemia, o dramaturgo tem obras que permanecem intactas na gaveta da Globo, além de contar com algumas de suas novelas na fila de possíveis remakes.

O título mais cotado para ganhar uma releitura é "Mulheres Apaixonadas" (2003), cuja versão original fez de Christiane Torloni uma de suas Helenas. Em homenagem recebida pelo Domingão com Huck há duas semanas, Tony Ramos, que viveu gêmeos em "Baila Comigo" (1981), foi o livreiro Miguel em "Laços de Família" (2000) e o músico Téo em "Mulheres Apaixonadas", comentou que esta última renderia um bom remake.

O projeto já foi sugerido há alguns anos e é visto com simpatia, mas a exibição original ainda é considerada muito recente para ganhar outra versão.

Outro trabalho proposto por Maneco à Globo é uma série batizada como "Castelo de Areia", que ele desenvolveu em 2018. O enredo era livremente inspirado no filme "A Place in the Sun", clássico do cinema com Elizabeth Taylor e Montgomey Clift.

Por fim, Maneco, como é chamado entre colegas de TV e até por parte de um público que se sente íntimo do autor por meio de suas tramas, sugeriu também uma continuação da minissérie "Presença de Anita" (2001), que lançou Mel Lisboa em cena e trazia José Mayer, um dos atores prediletos do autor.

Cabe ainda esperar por uma autobiografia, trabalho de que ele vinha cuidando pessoalmente ainda em 2021, segundo relatou à Veja.

Embora o dramaturgo tenha se trancado em casa em 2020, em razão do Coronavírus, seu isolamento começou ainda em 2014, com a perda do filho caçula, Pedro, aos 22 anos, em Nova York, de morte súbita. Foi o terceiro dos cinco filhos que perdeu. Dois anos antes, morria Manoel Carlos Júnior, produtor teatral e assessor de imprensa, vítima de infarto, aos 58 anos. E em 1988, morria Ricardo de Almeida, dramaturgo como ele, aos 33 anos, em decorrência da Aids.

Maneco é também pai de Júlia Almeida, atriz que esteve em novelas suas, e de Maria Carolina, com quem assinou algumas de suas novelas. O autor costuma dizer que a dor da perda dos filhos jamais pode ser superada: "Depois de um tempo, você para de chorar, mas nunca de sofrer", disse ele a André Bernardo e Cintia Lopes no livro "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo".

VARIAÇÕES DO MESMO ESPAÇO

O Leblon e as Helenas são os pontos mais marcantes da obra do dramaturgo, que não nasceu nem cresceu naquelas esquinas da Dias Ferreira nem da Bartolomeu Mitre, mas sim em São Paulo. Sempre se disse encantado, no entanto, com a chance de narrar grandes dramas humanos sob aquele céu azul e a bela geografia da zona sul carioca, que tudo ameniza.

Ao livro "Autores – Histórias da Teledramaturgia", do núcleo Memória Globo, ele contou que estreou na TV como ator, pelos teleteatros da TV Tupi, em 1951. Ainda nessa época, começou também a escrever. Depois passou pela TV Paulista, que mais tarde viria a ser comprada pela Globo, e chegou à Record já na inauguração do canal 7 de São Paulo, em setembro de 1953, levado por Graça Mello.

Na Record, foi parte da Equipe A, que unia Nilton Travesso, Raul Duarte e Antônio Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta, filho de Paulo Machado de Carvalho, fundador e então proprietário da TV Record, instalada na vizinhança do Aeroporto de Congonhas.

Entre os tantos méritos da Equipe A está a criação da "Família Trapo", sitcom que é referência no Brasil, com Ronald Golias, Ricardo Corte Real e Renata Fronzi, com texto de Carlos Alberto de Nóbrega e Jô Soares, que também entrava em cena.

Anos depois, ao partir para a criação de novelas, Maneco seguiu o mesmo rumo de Cassiano Gabus Mendes, que foi o primeiro diretor artístico de TV no Brasil, desde a inauguração da TV Tupi, em 1950, em São Paulo. Mas a estreia na Globo foi como diretor-geral do Fantástico, em 1977.

No ano seguinte, já com a experiência de ter adaptado obras para a TV naquela safra dos teleteatros, transformou o romance "Maria Dusá", de Lindolfo Rocha, em "Maria Maria", sua primeira novela, com Herval Rossano na direção e Nívea Maria em cena.

Maneco não tem formação escolar alguma. Estudou em um internato de padres no interior de São Paulo até o estágio que hoje equivaleria ao 7º ano do Ensino Fundamental, mas saltou o 4º ano. "Fiquei de segunda época, não voltei para fazer as provas e nunca mais frequentei uma escola", contou ao Memória Globo. "Sou absolutamente autoditada."

Até chegar à TV, trabalhou em empresas de comércio, foi vendedor de assinatura de revista, de sementes de jardim, auxiliar de escritório e datilógrafo.

Nome comum entre quase todas as heroínas de folhetins seus criados desde "Baila Comigo", em 1981, com Lilian Lemmertz, Helena foi personagem icônica vestida por Vera Fischer ("Laços de Família"), Maitê Proença ("Felicidade"), Taís Araújo ("Viver a Vida") e Júlia Lemmertz ("Em Família"), além de Regina Duarte, intérprete de três Helenas ("Páginas da Vida", "Por Amor" e "História de Amor").

Atemporais, os enredos de suas histórias são sucesso certo nas reprises, o que explica a repetição de suas tramas com relativa frequência, seja no Vale a Pena Ver de Novo ou no canal Viva, que vai inaugurar em 27 de março uma faixa extra de novelas às 11h45 só para brindar aos seus 90 anos. A novidade começará com "A Sucessora", novela protagonizada por Susana Vieira, que depois seria a adorável vilã Branca Letícia em "Por Amor" (1997).

Outros elementos que marcam a obra de Maneco são a abordagem de temas sociais em meio à rotina urbana sempre retratada por ele, como alcoolismo, homofobia, segregação por cor ou idade, violência doméstica, compulsões e conflitos familiares de toda espécie.

Em compensação, era craque em exibir famílias com alta disposição de tolerância e conciliação entre ex-cônjuges. Quando se vê na vida real um núcleo familiar capaz de unir à mesa a mulher ou marido atual com seus ex-pares, filhos e enteados, fala-se que esta é uma situação digna de novela de Manoel Carlos.

Tomara que a Globo possa tirar da gaveta as linhas inéditas de Maneco, que levava produtores e diretores à loucura quando escrevia em tempo real. Encarar uma novela sua era uma gincana inclusive para atores, que recebiam scripts na véspera de gravar e não tinham margem para planejar qualquer compromisso na agenda, nem sequer um dentista, enquanto estivessem gravando folhetim seu.

No tempo em que ainda criava novelas, ele não desmentia a fama e até se orgulhava disso. Dizia sempre que o ideal para quem, como ele, gostava de escrever capítulos sob a temperatura quente do noticiário, era que o personagem pudesse aparecer em cena com o jornal da véspera em mãos.

Esse ritmo foi se tornando inviável no novo modelo industrial desenvolvido pelos Estúdios Globo. Hoje, a larga frente de capítulos escritos permite que um mesmo grupo de atores escalado para trabalhar em determinada data em um cenário possa gravar várias sequências de diferentes episódios, otimizando tempo, espaço e locomoção de profissionais.

Maneco também gostava de reproduzir situações quase em tempo real. Uma festa poderia durar três capítulos, um café da manhã se estendia por dois blocos inteiros. As cenas eram longas, na contramão do frenesi atual, mas nem por isso perdem audiência quando são reprisadas hoje, sinal de que o público não muda de canal quando a situação lhe parece interessante, como bem observou Antônio Fagundes na última reapresentação de "Por Amor" pelo Vale a Pena Ver de Novo.

Ao final de "Em Família", que amargou baixa audiência para a Globo na época, disse em entrevista a esta jornalista, ainda para o jornal O Estado de S.Paulo, que talvez o público tivesse mudado, porque ele fez o que sempre soube fazer e repetiu o que disse antes da estreia da novela: "Eu não saberia fazer diferente".

"Não é que eu não possa aprender", explicou, "mas acho que não estou muito na idade de aprender". Para Maneco, "os jovens" que estavam entrando na ocasião na Globo teriam "Avenida Brasil" como modelo, e não ele, "na medida daquela coisa clipada, rápida, todo mundo engavetando umas frases em cima do outro".

"Aquilo todo mundo já usou, mas em determinadas cenas, numa briga de jantar, claro, que todo mundo fala junto, mas essa coisa frenética e que fez tanto sucesso é uma escola que o João Emanuel pode seguir. Não tem sentido eu fazer isso ou o Benedito [Ruy Barbos] fazer isso", concluiu.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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