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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu

Estreia de 'Vai na Fé' herda audiência fraca da novela antecessora

1º capítulo abordou religião, violência doméstica, machismo e a educação como fator de transformação social

Isabela (Clara Serrão), Jenifer (Bella Campos) e Yuri (Jean Paulo Campos) são estudantes de Direito segregados pela cor e condição social na faculdade, onde ingressaram pelo Próuni, programa universitário lançado pelo governo Lula - Fábio Rocha jan.2023/Globo
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São Paulo

Com um capítulo didático que não resvalou no tom professoral nem desperdiçou tempo com elementos secundários, "Vai na Fé" sublinhou a essência da trama de Rosane Svartman já na estreia. Em um único episódio, a nova novela das sete abordou violência doméstica, religião, machismo, etarismo, assédio e, em especial, educação. Não é fácil alinhavar tudo isso entre diálogos que precisam priorizar o entretenimento, mas a autora foi bem-sucedida nessa missão.

A audiência preliminar na Grande São Paulo foi de 22 pontos, em média, 1 ponto abaixo que a estreia de sua antecessora, "Cara e Coragem", que deixou um placar aquém do habitual no horário da Globo. O resultado ficou em empate técnico com "Quanto Mais Vida Melhor", que marcou 21,7 pontos na estreia.

Mas cada ponto hoje equivale a 206.674 pessoas na região, 919 a mais que em 2022.

Até Próuni, programa de educação criado pelo então ministro Fernando Haddad no primeiro governo Lula, foi mencionado. O programa abre vagas custeadas pelo governo federal em universidades e instituições privadas.

Escrita com colaboração de Mario Viana, Pedro Alvarenga, Renata Corrêa, Renata Sofia, Sabrina Rosa e Fabricio Santiago, a novela tem trabalho de pesquisa de Paula Teixeira.

Para esse início de conversa, vale ressaltar alguns pontos:

_ A mocinha evangélica é ciosa dos valores religiosos e éticos, sem cair no estereótipo. A vocação para a dança, algo mais vetado pelo marido machista do que pela igreja, é aproveitada como conflito dramatúrgico para a personagem.

_ A abordagem da educação como fator de transformação social consumiu mais tempo que a religião, com foco naquela que será a primeira pessoa de uma família a cursar nível universitário.

_ A segregação no ambiente universitário traça o contraste entre quem nasceu filho de alguém e quem nasceu tendo de fazer a própria história. Os três personagens fora da bolha naquele universo Prouni, onde alunos de menor poder aquisitivo conquistam bolsas custeadas pelo governo federal em faculdades particulares, são negros, propiciando ótimas oportunidades de debate sobre desigualdade social a partir da educação. E já vemos pelas cenas do próximo capítulo que a novela aproveitará a chance de retratar um episódio de racismo bastante comum na vida real.

_ Jenifer (Bella Campos), a menina que é de outra geração, sabe dizer ao pai o que a sua mãe cala: sim, quem sustenta a casa é a mãe, enquanto o pai, desempregado, vive no sofá a ver TV. Em uma cena, a novela trouxe à tona o machismo do pai que quer ter a última palavra sobre os passos da filha, a soberania feminina na casa e a importância da educação --quando a filha mais velha lembra à caçula que ela pode até não trabalhar, mas está ocupada com os estudos.

_ Outro aspecto muito válido nessa mesma sequência é que conflitos geracionais em geral vêm exatamente com essa carga de machismo nas discussões que hoje permeiam as relações entre pai e filha. Bingo. Pontos extras para o texto por alcançar tal sensibilidade.

_ O feminicídio desfilou em cena por meio de uma boa sacada para o tom de leveza pedido por novela das sete: Deborah Secco aparece como Alexia, personagem sua de outro folhetim das sete ("Salve-se Quem Puder"), uma atriz famosa que foi vítima de violência do companheiro e procura os serviços da famosa advogada da vez, Lumiar, vivida por Carolina Dieckmann.

_ A trama, aliás, levanta variadas formas de machismo, do sujeito aparentemente escroto ao macho disfarçado de fofo, como Ben (Samuel Assis), que presenteia a mulher no aniversário DELA com uma pista do que ELE deseja para o futuro do casal: um barquinho que remete ao ano sabático que ele sonha passar ao lado dela, ao vento do mar. Ben perguntou se ela quer isso da vida? Claro que não.

_ Lui Lorenzo, o personagem de José Loreto, ídolo da música que promete trazer o tom mais divertido da produção, chegou só ao fim do capítulo, arrefecendo o peso de conversas sobre feminicídio, segregação e dificuldades econômicas de quem rala muito para pagar uma conta de luz.

_ Sheron Menezzes entrega uma protagonista pronta para ser abraçada pela massa de público que a Globo sempre busca encontrar, mas deixa muito a desejar como cantora que se viu pressionada a abrir mão do showbiz para se resignar no coral gospel. As letras das canções/paródias que ela entoa para vender suas quentinhas na rua tampouco a favorecem.

Dito isso, boto fé no potencial da nova novela das sete em entreter enquanto propõe repertório e inspiração útil à transformação social da plateia.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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