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Zapping - Cristina Padiglione

Em dias de ataque à democracia, documentário resgata trajetória das Diretas Já

Inédita na TV, série dirigida e apresentada por Paulo Markun chega esta semana à TV Cultura

SÃO PAULO, SP, BRASIL, 16-04-1984: Comício por eleições diretas no vale do Anhangabaú, em São Paulo (SP), às 20h de 16 de abril de 1984: mais de um milhão de pessoas preenchem todos os espaços disponíveis, na maior manifestação que a cidade já viu (vista do alto do prédio da Eletropaulo). (Foto: Jorge Araújo/Folhapress) - Folhapress
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São Paulo

Iniciado em 1987 na Unicamp, por iniciativa do jornalista Paulo Markun, um projeto disposto a resgatar toda a trajetória e o contexto que resultaram no movimento Diretas Já rendeu site, dois livros ("Brado Retumbante") e uma série, ainda inédita, que chegará à tela da TV Cultura neste sábado, 14, às 22h30.

A história das Diretas é um enredo envolvente para qualquer época, já que propunha a retomada, pelo povo, do voto direto para a escolha do presidente da República, direito este interrompido em 1964, por ocasião do golpe de Estado que derrubou João Goulart da presidência e nos impôs um rodízio de militares em regime de censura e intolerâncias.

Mas, vista agora, em dias de insistentes tentativas de ataques à democracia e justamente de desrespeito ao voto popular, a história das Diretas Já há de ser não só um bom programa na TV, mas um script útil ao pensamento de quem não entendeu ainda como chegamos até aqui.

quem viveu aqueles dias, como diz Fafá de Belém, uma das 143 pessoas ouvidas pela produção, pode entender o que o movimento significou e a dimensão provocada pela campanha em uma grande massa, pelo engajamento civil e social. A esses, a série traz à luz acontecimentos memoráveis em seus detalhes, e muito do que ali se ouve e vê pode até trazer olhares inéditos, como todos os episódios históricos revisitados depois de tantos anos por um conjunto de pessoas que nem sempre conheciam visões diferentes das suas naquele mesmo cenário.

Para quem não viveu as Diretas, Markun se empenha em compor um painel por meio de vários relatos, de gente que esteve na multidão e no palanque do movimento, vindo a ganhar protagonismo na política nacional --como José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula, só para citar três presidentes da República, dois deles eleitos graças à luta pelo voto direto.

E todos são apresentados ao espectador em suas formações profissionais originais. Lula recebe crédito de metalúrgico. FHC, de sociólogo. José Genoíno é apresentado como professor. Os cargos públicos exercidos por cada um têm menor importância que o ofício que os levou até lá.

São seis episódios semanais de 52 minutos cada, com um amplo painel da luta pela democracia no Brasil, desde o golpe de 1964 até a posse de José Sarney, em 1985. Markun mostra que os líderes das Diretas Já passam obrigatoriamente pela história do país desde o golpe, atravessando o exílio e a anistia, em 1979.

"A série remete ao golpe de 1964, passa pelo movimento estudantil, pela Frente Ampla, anticandidatura, resistência do MDB, AI-5, anistia, greves operárias, fim da censura, eleições diretas para governador e desemboca no engajamento da sociedade civil em torno da emenda Dante de Oliveira e da derrota no parlamento, que levaria à eleição indireta de Tancredo Neves, à posse de José Sarney e aos dias de hoje, afinal", explica o jornalista.

O próprio Markun participou ativamente da campanha das Diretas Já, como jornalista e militante: "Naquela época, a primeira eleição direta para presidente da República já estava marcada. Na Unicamp, coordenei o curso Brasil: Memória Política, um conjunto de eventos em que sete protagonistas percorreram parte da história política recente: Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho (o capitão Sergio Macaco do caso Para-Sar), Fernando Gabeira, Luiz Inácio Lula da Silva, Mario Covas, Leonel Brizola, Almino Affonso e Fernando Henrique Cardoso."

"Em 2014, retomei o projeto, que resultou num site e em dois livros agraciados com o prêmio Jabuti e agora na série de documentários que, numa TV pública e aberta como a Cultura, torna ainda mais democrático o acesso a esse importante acervo. Para isso, tive o apoio do Instituto de Cultura Democrática, da Uninove e da produtora Imagemix, da jornalista Teresa Cristina Miranda, que também viveu aquela onda democrática".

O jornalista Paulo Markun
Paulo Markun dirige e apresenta série Diretas Já na TV Cultura, e mostra foto sua de 1983, em que ele brincava com a faixa presidencial no papel de mestre de cerimônia de show com Ultraje a Rigor e o hit 'Inútil' - Reprodução

Revisitar aquele contexto hoje não vale só como um alerta necessário a esses dias. Só um país capaz de preservar a memória do passado pode traçar alguma previsibilidade segura por dias melhores no futuro, daí a importância de não se esquecer do que houve, para que os erros não se repitam.

A série Diretas Já foi realizada com recursos da Ancine e apoio da Cine Brasil TV, e licenciada para a TV Cultura. Os 143 depoimentos exclusivos foram captados entre 2014 e 2017. A produção foi finalizada em 2018, mas entraves burocráticos retardaram sua exibição. A produção vai ao ar nas noites de sábado, na Cultura, e ainda não tem previsão de disponibilidade em serviço de streaming.

EPISÓDIO POR EPISÓDIO:

1º episódio - Paulo Markun relembra o começo da campanha, com o baile das Diretas, que levou bandas de rock ao palco de uma danceteria em São Paulo, no dia 31 de março de 1984. Aos 32 anos, Markun foi um dos mestres de cerimônia daquela noite. Ao lado da atriz Tânia Alves, apresentou Beth Carvalho, Elza Soares, Moraes Moreira e uma das novas bandas da ocasião, Ultraje a Rigor, cuja canção, "Inútil", cantava que "a gente não sabemos escolher presidente".

O movimento das Diretas começava a ganhar corpo suprapartidário a partir da emenda parlamentar do jovem deputado Dante de Oliveira. Markun resgata os primeiros comícios, e tamanho era o medo da população de apoiar a causa, ainda em março de 1983, que nem foto da ocasião existe.

2º episódio - Diversos integrantes do movimento relembram a dimensão e a relevância da campanha. Destaque para o Vale do Anhagabaú, cenário do penúltimo capítulo da luta pelas Diretas antes da votação da emenda. Flashback traz depoimentos de lideranças e militantes que foram para o exílio durante a ditadura, rememorando os atos institucionais e a progressão do endurecimento do regime até o AI-5, em 1968, que levou a uma debandada dos perseguidos para longe do Brasil.

3º episódio - O movimento estudantil e a luta armada entram em foco. Muitos militantes dos protestos e das tentativas de derrubar a ditadura pelas armas se reencontrariam anos depois no palanque das Diretas. Os estudantes tiveram suas organizações postas na ilegalidade em 1964, mas nem isso impediu os protestos que chegaram ao auge em 1968, com a prisão de todos os participantes do clandestino congresso da UNE, pouco antes do AI-5 e da consolidação da tortura como meio de repressão.

4º episódio - Os movimentos sociais e de trabalhadores foram outras forças que ajudaram na luta pela democracia. Destaque para as greves de trabalhadores do ABC, a emergência de Lula como líder sindical, a criação do Partido dos Trabalhadores, mas também a mobilização da sociedade civil diante da morte do diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog. Também trata do embate entre os grupos dentro do regime - Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva de um lado, Silvio Frota e a chamada linha dura de outro.
Os depoimentos abrangem ainda o papel da Igreja e da Comissão Justiça e Paz, criada por dom Paulo Evaristo Arns. E a carta aos Brasileiros, lido por Goffredo da Silva Telles na faculdade de direito do Largo São Francisco, em agosto de 1977.

5º episódio - A redemocratização acabaria por ser construída a partir das eleições. O bipartidarismo imposto pela ditadura deveria ser apenas uma fachada para esconder a falta de democracia. Mas a aliança das oposições em torno do MDB foi abrindo brechas no regime. Em 1966, houve a tentativa da Frente Ampla, que chegou a reunir Carlos Lacerda, Juscelino Kubistchek e João Goulart e acabou proibida. Em 1973, Ulysses Guimarães lançou-se anticandidato a presidente para percorrer o país falando de política e democracia.
A volta das eleições para governos estaduais, em 1982, provocou um tsunami oposicionista. Entre os novos governadores estavam Leonel Brizola no Rio (pelo PDT), Franco Montoro em São Paulo e Tancredo Neves em Minas Gerais. Eles e outros governadores teriam papel central na campanha das Diretas.

6º episódio - 1984 ficou na história do Brasil pela multiplicação de comícios e atos em favor das Diretas. E também pela inédita reunião de lideranças e militantes de várias correntes políticas em torno da ideia de que era preciso reconquistar o direito de eleger os presidentes pelo voto direto e livre.

A lista de depoentes da série soma nomes como Adriano Diogo, Agnaldo Timóteo, Alberto Goldman, Almino Affonso, Almir Pazianotto, Aloysio Nunes, Álvaro Dias, André Franco Montoro, Antonio Maschio, Carlos Brickmann, Carlos Nascimento, Christóvão Buarque, Denise do Carmo Mirás, Eduardo Muylaert, Eduardo Suplicy, Fernando Henrique Cardoso, Franklin Martins, Getúlio Hanashiro, Jair Meneghelli, Jandira Fegali, Jorge da Cunha Lima, José Carlos Dias, José Dirceu, José Genoíno, José Gregori, José Sarney, Lucélia Santos, Lula, Márcio Thomas Bastos, Marco Antonio Tavares Coelho, Marco Maciel, Marta Suplicy, Mauro Santayana, Maitê Proença, Michel Temer, Miguel Jorge, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Simon, Quartin de Moraes, Ricardo Montoro, Ricardo Zaratinni, Roberto Freire, Roberto Requião, Rodolfo Konder, Roger Moreira, Severino Sigismundo de Souza, Tereza Eleutério de Souza, Vladimir Palmeira, Walter Franco e Zuleika Eleutério de Souza, entre outros.


Estreia: TV Cultura – 14 de janeiro
Exibida semanalmente aos sábados, às 22h30, até 18 de fevereiro
Direção Geral – Paulo Markun
Produtora Imagemix
Direção - Marcelo Amiky
Roteiro - Eneas Carlos Pereira
Gerenciamento de Projeto – Teresa Cristina Miranda e Luiz Carlos Guerrero

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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