Autora conta como a recriação de novelas foi parar nas mãos de youtubers
Criadora de 'Novelei', que agora chega ao YouTube, Bia Braune diz que série motivou atores
O que é novela das nove hoje já foi chamada como "novela das oito" por muito tempo, quando as pessoas nos grandes centros urbanos costumavam chegar em casa mais cedo. Pois bem nesta segunda-feira (11), temos uma nova versão de novela das oito, só que agora pelo YouTube, e com episódios semanais. "Novelei, primeiro projeto produzido em parceria entre o portal de vídeos do Google e a Globo, resgata nove folhetins clássicos em novas versões.
A proposta teria partido do próprio YouTube à Globo, que encomendou a criação a Bia Braune, roteirista e colunista da Folha. "O que chegou pra mim é que eles queriam fazer um projeto misturando criadores de conteúdo com novelas, porque as novelas antigas, no GloboPlay, bombam nas redes sociais", diz Bia.
É verdade. Desde que o grupo Globo fundou um canal de novelas antigas, no caso, o Viva, o Twitter revelou uma vocação para projetar memes de todos os naipes, com personagens inspirados em "Vale Tudo", primeiro sucesso do canal nostálgico. Aliás, a saga de Raquel Acioli, com morte certa para Odete Roitman, é tema de um dos episódios de "Novelei".
A multiplicação do catálogo antigo pelo GloboPlay criou, como bem menciona Bia, uma interseção entre os dois públicos, aquele da TV linear, quase sempre apaixonado por novela, e aquele das plataformas de streaming. É claro que uma boa parcela dessas duas plateias se cruza, mas nem tudo que está de um lado é garantia de atenção do outro, daí a felicidade de juntar as bolhas que nem sempre se encontram.
"Trabalhei muitos anos no Vídeo Show, fui redatora-chefe, e eu tinha esse backgraound de novelas", conta Bia. "Quando a gente começou a criar o projeto, pensei em várias referencias, sempre pensei de que novela é memória afetiva. Se a gente desaparecesse com as novelas, a vida das pessoas mudaria muito porque a gente é muito pautado pela novela, a gente lembra muito o que estava fazendo quando via tal novela. Se a gente sumisse com 'A Gata Comeu', sumiria com a infância de muita gente. Se você desaparece, vai junto a sua avó e várias memórias."
Foi com essa percepção que se optou por uma brincadeira com a tal da "suecada", termo que, no jargão das novas mídias, significa regravar ou refazer algo de modo quase artesanal. Partiu-se então de um hipotético cenário onde um bug de sistema teria apagado todo o acervo de novelas, mas um assistente de produção dedicado, obcecado pelo gênero, Vitinho (papel de Paulo Vieira) tem tudo na sua cabeça, e resolve convocar youtubers, esses profissionais que produzem conteúdo sob baixos orçamentos --ao contrário das grandes produções da Globo-- para recriar alguns títulos.
Por algum motivo que de cara não saberemos a razão, apenas "Kubanacan", novela de Carlos Lombardi de 2003, foi preservada. Além dela, Tony Ramos, nome icônico da telenovela brasileira, também sobrevive e será usado nessa tentativa de reconstrução das histórias.
"Vitinho, esse assistente, recebe uma encomenda para recriar novelas da forma mais rápida. Nosso elenco é todo formado por atores comediantes de stand up, galera que atua, não são só famosos de internet", diz Bia. Lá estão Thalita Meneghim, Gusta Stockler, Phellyx, Babu Carreira, Evandro Rodrigues e a ainda iniciante Anita (Livia La Gatto). O time conta com a ajuda da inteligência artificial Susaninha (Susana Vieira).
A série conta ainda com participações especiais, como Claudia Raia, Cauã Reymond, Whindersson Nunes, Kéfera Buchmann, Jojo Todynho, Ísis Valverde, Carolina Dieckmann, Camilla de Lucas, Diva Depressão e Nany People, que ajudarão a recriar as cenas, no melhor estilo "suecar" da internet, de novelas icônicas da dramaturgia brasileira.
Vitinho chama os autores todos por "dona" e "seu", respeitoso que é da obra de cada um, e reproduz, de certa forma, um personagem muito comum hoje em dia no Twitter, de noveleiros que vibram com os relançamentos de novelas antigas pelo GloboPlay, pelas trincas de novelas do Viva e pelas escolhas do Vale a Pena Ver de Novo. É uma turma saudosista e muito referendada por esse universo.
"Seu Manoel Carlos não admitiria isso", dirá Vitinho diante de determinadas ideias lançadas para resgatar o resumo da história. Afinal, nas novas versões, será possível corrigir erros e ajustar sequências de acordo com o gosto da nova plateia.
É assim que Nina, personagem de Débora Falabella em "Avenida Brasil", terá agora um pen-drive para guardar as fotos que incriminam Carminha, a vilã de Adriana Esteves. E que Camila, personagem de Carolina Dieckmann em "Laços de Família", poderá se recusar a raspar a cabeça por causa da leucemia.
Bia se surpreendeu com o engajamento demonstrado pelos atores no projeto. Dieckmann veio de Miami, onde mora, especialmente para gravar sua participação, e Reymond deu pitaco em situações que foram muito bem aceitas.
Em "Senhora do Destino", Nazaré é a personagem que todo mundo só se lembra vagamente pelo meme; em "O Cravo e a Rosa" não poderia faltar a famosa porquinha do personagem Januário, vivida por uma suína influenciadora digital; já em "Vamp" traz em seu cenário o toque industrial de um influencer de decoração; "Torre de Babel" promete a volta de Ângela Vidal em grande estilo; em "Mulheres de Areia" Tonho da Lua continua confundindo Ruth e Raquel; "Vale Tudo" traz Gretchen, a rainha do rebolado, para roubar a cena; e em "O Clone" o famoso bar da Dona Jura continua com seus deliciosos pastéis.
No resumo de cada ópera, sequências cruciais são priorizadas, e no caso de "Vale Tudo", isso passa pela sabotagem da maionese de Raquel Acioli e pela cena da banana dada pelo inescrupuloso Marco Aurélio do alto de seu jatinho.
A trilha sonora, item tão relevante no universo da telenovela e no quesito memória afetiva, também é um ponto forte nesse resgate.
E embora os youtubers sejam convocados nesse enredo porque em tese têm prática em produzir conteúdo sob baixos orçamentos, na prática, a Globo disponibilizou profissionais e estúdios para toda a realização da série. "O projeto não nasceu na TV Globo, nasceu pelo VIU, a unidade digital do grupo, mas nós apoiamos e recebemos muito bem porque leva o nosso gênero mais importante para o público jovem, o mais atuante em redes sociais", disse Amauri Soares, diretor da TV Globo e afiliadas.
Cada capítulo traz uma novela, começando por "Vale Tudo". A seguir, virão, em ordem de exibição: "O Cravo e a Rosa", "Laços de Família", "Vamp", "Mulheres de Areia", "Torre de Babel", "O Clone", Avenida Brasil" e "Senhora do Destino".
"Novelei" é uma criação de Bia Braune com colaboração de Nigel Goodman e Marcelo Martinez, sob direção de Felipe Joffily.
E, spoiler ou torcida desta colunista, poderá vir a ganhar uma nova temporada. Afinal, o que não faltam são títulos dignos de serem recontados por novas narrativas de linguagem.
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