Não é o fim? 5ª temporada de 'Sob Pressão' sugere continuação
O diretor Andrucha Waddington e o autor Lucas Paraízo falam sobre a nova safra e o destino da série
Muito se falou sobre o possível encerramento de "Sob Pressão", certamente o mais bem-sucedido projeto da Globo nesse segmento de séries de ficção, nesta 5ª temporada, safra que estreia nesta quinta-feira (2). Pela primeira vez, o título desembarcará antes no GloboPlay, ainda sem previsão de lançamento na TV aberta.
Mas talvez não seja o caso de os fãs da produção se desesperarem. Em conversa exclusiva com a coluna, Andrucha Waddington e Lucas Paraízo, diretor e autor do título, asseguram que o 12º e último episódio desta nova safra reserva um desfecho com alta potência para que a saga iniciada por Evandro (Júlio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano) siga em frente.
"Eu vou dar um microspoiler: nesta temporada, eu termino pela primeira vez de um jeito como a gente nunca terminou. Quando você assistir, você vai entender", disse Paraízo.
"O final pede mais três temporadas no mínimo", anima-se Andrucha. "Como essa temporada estreia primeiro no Globoplay e depois vai pra TV aberta, a urgência de começar [a gravar] outras temporadas não é iminente, mas na hora em que isso for para o ar, eu aqui já acendi cinco velinhas para o Lucas começar a escrever", completa o diretor.
A 5ª temporada se passa no mesmo cenário da 4ª, o Hospital Edith Magalhães. As duas foram gravadas em sequência, com um breve intervalo para o descanso do elenco. Para Andrucha, a possível gravação de futuras safras deverá seguir esse modelo que emenda a realização de duas temporadas, o que melhora a logística de produção por aproveitar a agenda do elenco e a montagem de cenários.
A seguir, ambos respondem sobre esta nova safra, as coincidências (ou nem tanto) entre o roteiro ficcional e a vida real, o potencial de exportação da série, dona de temática universal, e as participações especiais, que são muitas nesta leva, começando por Lázaro Ramos, que interpreta gêmeos no episódio de estreia, e terminando por Fábio Assunção, presente no 12º capítulo.
Em tempo: os episódios não serão despejados de uma só tacada no streaming. O GloboPlay disponibilizará dois capítulos por semana. Seja qual for o modo de exibição, o mote de "Sob Pressão" segue sendo a premissa de que "a saúde, no Brasil, está doente".
Ao longo das quatro temporadas anteriores, e mesmo dos especiais do Plantão Covid, "Sob Pressão" se notabilizou pela sintonia com o noticiário da vida real. Quais situações, dessa vez, podemos esperar encontrar nesses novos episódios que foram inspiradas ou que poderão coincidir com o jornal do dia?
Lucas Paraízo - Vou te dar cinco exemplos de histórias que tangenciam a realidade nesta nova temporada:
1. A mulher acorrentada na porta do SUS: isso foi uma história muito impactante, um protesto. Na história real, foi um homem que se acorrentou na porta de um hospital no Rio porque não ia sair da frente do hospital enquanto não conseguisse a operação de que ele precisava, enquanto não agilizasse a fila;
2. A história do rapaz negro acusado de roubar uma bicicleta no Rio: a gente usa isso como ponto de partida pra falar de racismo. Em todas as temporadas a gente fala de racismo e vai continuar falando porque é um assunto que precisa ser discutido, motivado, e transformado;
3. A gente também tem a história da influencer com intestino perfurado, similar a histórias muito comuns dessas influencers com essa coisa da estética, com a ideia dessa beleza a qualquer custo e as questões de saúde que isso implica;
4. Temos uma situação de uma pessoa vivendo em situação análoga à escravidão, o que é muito comum isso, hoje em dia, infelizmente;
5. E a gente tem a história do arpão na cabeça [do mergulhador], que é aquela história famosa, com o Fábio Assunção, no último episódio.
Qual é o diferencial ou o mote desta nova safra?
Andrucha: A gente teve o Plantão Covid e teve a temporada do pós-Covid. E agora estamos lidando com a exaustão dos médicos e a doença refletindo dentro deles.
Lucas: Os médicos estão exaustos.
Andrucha: Exato, eles não são super-heróis, eles são humanos. Os nossos nossos heróis sempre tiveram o lado humano, mas dessa vez isso foi explorado com uma camada mais profunda.
Lucas: Eu diria que a gente resolveu dar história pra todo mundo nessa temporada. Com essa premissa de que os médicos estão doentes, a gente precisava mostrar essa ideia em todos os personagens médicos principais. Então a gente tem:
_ o Evandro que encontra o pai [personagem que traz Marco Nanini em participação especial] e a doença do perdão, principalmente. O grande objetivo é tentar perdoar o pai por essa ausência dele a vida toda;
_ a Carolina vai enfrentar o câncer de mama, que eu acho que é um assunto muito importante de trazer novamente. É um assunto de que se falou muito na década de 90, nos anos 2000, e parece que por termos falado muito, agora não se fala tanto, e a gente foi estudar um pouco os principais sintomas sociais e viu que o câncer de mama continua sendo uma grande questão;
_ a Vera [Drica Moraes] passa a ter uma história com relação ao abuso de álcool. Vou ter que dar esse spoiler: ela vai assumir a direção do hospital em algum momento, ela fica sobrecarregada e o álcool acaba sendo um escape muito forte.
_ tem a Livia (Bárbara Reis), enfermeira, uma personagem que foi muito pleiteada, com uma doença econômica do nosso país, de pessoas que precisam ter dois, três, quatro trabalhos pra conseguir se sustentar. O marido dela perde o emprego no começo da temporada;
_ o Décio [Bruno Garcia], que tem uma questão pessoal , de ter o trabalho ou a vida pessoal, com o namorado;
_ e o Charles [Pablo Sanábio], que sofre um acidente e tem sequelas, mas não quero contar tudo.
A série sempre teve um forte impacto sobre o público e a própria saúde pública, ao escancarar questões muito realistas no enredo. Será que esse impacto, chegando pelo streaming, será o mesmo da TV aberta?
Andrucha - O impacto é o mesmo, o alcance é menor que na TV aberta. Vai ter a pancada do púbico do Globoplay inicial e vai ter uma pancadassa, um tsunami quando for para a TV aberta. O impacto é o mesmo, as pessoas estão cada vez mais consumindo setreaming, a pandemia aumentou o fato de as pessoas se programarem, e o Globoplay tem muito conteúdo brasileiro e passa a ser uma plataforma importante par o Brasil. Essa experiência de estrear primeiro no streaming vai ser super interessante.
Lucas -Eu acho que as nossas estratégias se intensificam, não que a gente não tivesse estratégia na TV aberta, mas essa história de dar histórias pessoais aos médicos é também uma estratégia dramatúrgica pra que a gente entre com mais força. E quando a gente usa uma série de participações especiais como Lázaro, Tony Ramos, Irene Ravache, Fábio Assunção, Marco Nanini, Juan Paiva e Emílio Dantas, a gente também está usando os nossos recursos.
Mas a série continua sendo a mesma, nossa premissa continua sendo a mesma, de que a saúde no Brasil está doente.
Essa premissa atravessa todas as temporadas e vai atravessar sempre porque é isso que faz de 'Sob Pressão' uma série tão contundente, atrelada à realidade. A saúde no Brasil está doente e adoeceu mais ainda com a pandemia.
Andrucha - Eu gosto sempre de lembrar que quando passou o filme ['Sob Pressão', que daria origem à série] na Tela Quente, foi um estrondo. E a gente tinha muito medo de saber se o público ia querer ver esse assunto. Era uma dúvida nossa, era uma dúvida da direção da Globo. E quando a primeira temporada estourou, a gente viu realmente o que é se ver na tela: essa questão da saúde é uma questão universal.
Não interessa a classe social que você tem, se você sofre um acidente de carro, se você é atropelado, se cai de uma calçada, você vai ser levado para um hospital. Isso faz com que isso fale com todas as classes sociais, com todos os seres humanos e de todas as idades, desde uma criança até o idoso.
Não tem questão de gênero, de cor, de idade, tá todo mundo envolvido na questão da saúde. E tem ainda o fato de a série ser muito brasileira...
Vou te confessar que eu nunca vi 'Gray's Anatomy' porque quando esse projeto começou, eu tinha visto só 'The Nick', do Steven Soderbergh Soderbergh, da HBO, sobre um hospital em NY em 1900, sou louco por essa série. E eu falei: ‘Não vou assistir mais nada de medicina agora, vamos fazer o nosso’.
Aí, em vez de buscar referência nisso, a gente foi para dentro dos hospitais, ver o que tinha lá dentro.
Então, foi a pesquisa de campo, foi a ajuda do Dr. Márcio [Maranhão, consultor da série e autor do livro que inspirou o filme], colocando a gente dentro dos hospitais e dentro da rotina dos plantonistas, dos médicos, dos plantonistas de saúde, que fez com que a gente conseguisse retratar o drama da saúde pública brasileira durante essas cinco temporadas.
O doutor Márcio segue com vocês? Sei que os roteiristas de 'Sob Pressão' sempre escreveram a série com vários xis e pontinhos a serem completados pelo médico, a fim de ter conflitos e resoluções técnicas que só um médico conhece. Como está hoje esse domínio sobre o ambiente cirúrgico?
Andrucha - O Márcio segue com a gente, sempre. A quantidade de 'x x x' no roteiro já diminuiu muito. Antes, o Lucas botava x x x x num diálogo, o outro respondia com x x x x, tudo submetido ao Márcio mas nos últimos roteiros, o Lucas já vinha com a intenção e o Márcio só corrigia.
Eu, no dia a dia lá, se me der um bisturi, estou pronto pra operar (risos).
Lucas - Eu melhorei muito na quantidade de xis, ainda não consigo salvar a vida de ninguém fazendo respiração boca a boca ou ressuscitação, mas quanto mais a gente faz, mais a gente aprende a fazer. O tempo que eu demorava para escrever antes era maior. Atualmente, a gente é mais célere e tem mais experiência. O que a gente tenta é ter alguns diferencias entre as temporadas.
Por exemplo, a 4ª temporada, como a gente vinha de Covid, como a gente teve várias questões que precisou adaptar, acho que é uma temporada um pouquinho mais suave, se é que eu posso dizer isso, porque falava da família, falava do filho, falava desse novo modelo de família com duas mães e um pai, e aí a gente deu uma suavizada, porque a gente já vinha de uma questão de saúde no Brasil e no mundo, a gente estava preocupado em saber como fazer essa série ficar mais suave.
Aí, na quinta, agora, 'ah, é drama que vocês querem? É drama que vocês vão ter.'
Andrucha - Eu acho que a 5ª temporada é a melhor até agora. Eu acho mesmo, acho que a gente foi fundo no drama. Pode aguardar.
E prepara o lencinho, viu? Prepara a caixa de Klinex. Quando a gente vai pra ilha (de edição) e tem uma cena dessas, eu e Lucas a gente fala: ‘Chora, Brasil’.
Lucas - Esse é o nosso lema.
Andrucha - É o nosso jargão interno.
E essa é uma temporada também marcada pela presença de grandes grifes em participações especiais, não?
Lucas - Apesar dessas participações estrelares, uma coisa do DNA de 'Sob Pressão' são os jovens atores, não necessariamente de idade, mas que são mais do teatro ou menos conhecidos na TV, eles vão sempre fazer parte de 'Sob Pressão' porque são as pessoas reais. Por não terem sido tão vistas na tela, elas trazem uma realidade bem importante. O 'Sob Pressão' sempre vai ter participação de gente que você nunca viu.
Andrucha - São 100 participações por temporada, e entre essas, tem alguns estelares, como, dessa vez, são os casos do Nanini, Tony Ramos, Irene Ravache, Fabinho Assunção, Lázaro. O Lázaro faz gêmeos no primeiro episódio, e o Lazinho se divertiu pra burro fazendo, ele adorou. Aliás, foi o último trabalho dele [como contratado exclusivo] na Globo, e foi muito legal tê-lo com a gente.
E o Fabinho tá no último episódio, foi maravilhoso. A participação do Tony e da Irene é dilacerante. Eles fazem um casal idoso que vai ao hospital por uma questão médica.
Embora seja uma série muito brasileira, os temas ali tratados são absolutamente universais. 'Sob Pressão' tem uma carreira internacional? Foi exportada?
Andrucha - Ela está agora na HBO Latam (região da América Latina). Já tinha sido vendida antes para TVs abertas de muitos países. São questões universais e terceiro mundistas, no sentido de que o Brasil não é a Inglaterra. Se você for ver o sistema de saúde pública inglês, a cartilha é igual à do SUS, o problema é que lá não tem a corrupção que tem aqui, lá o dinheiro chega no sistema de saúde, e aqui a gente tem várias deformações que fazem com que a cartilha não seja cumprida à risca, mas o SUS é a coisa mais importante que o Brasil tem hoje em termos de saúde, e tem que ser valorizado, reconhecido e respeitado.
É uma coisa brasileira triste, dos desvios. Isso está entranhado na sociedade, por isso falo de terceiromundista.
Lucas - Estamos falando de vida e morte, e isso é universal por si só.
Eu viajei muito com essa série durante as primeiras temporadas, para festivais, e lembro que quando nós fomos para Biarritz, na França, como era primeiro mundo, era o primeiro mundo se impactando ao receber a realidade deste nosso mundo. E quando eu fui para o Marrocos, em um festival, o impacto era o contrário porque eles se viam naquelas situações da série.
Então, impacta o primeiro mundo por um aspecto e o terceiro por outro, mas sempre impacta.
A série já abordou bastante a questão da corrupção na saúde e até dedicou uma temporada toda para este foco. E já que estamos em ano eleitoral, podemos esperar que a série desperte no público a necessidade de estar atento a isso, e faça pressão nos políticos nesse quesito?
Andrucha - Pode, sim, a corrupção passa por essa temporada também. Esse assunto está ali em três dos episódios, mas não é tema central. O tema central é a saúde dos profissionais de saúde.
Lucas - Na história, o secretário de saúde de Saquarema favorece eleitores que precisam de hospital numa cidade do interior, da costa litorânea do Rio de Janeiro. E tem um auxiliar, um técnico, que tenta cooptar a Livia (Bárbara Reis) para desviar insumos e vender no mercado paralelo, o que infelizmente acontece muito.
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