Aos 69, Antonio Fagundes afirma não se arrepender de pornochanchada
Obra reúne fotos que mostram crescimento do artista no teatro de arena da década de 1970
Esqueça o Bruno Mezenga, de “O Rei do Gado” (Globo, 1996), o Ivan Meireles, de “Vale Tudo” (1988), ou mesmo o Pedro de “Carga Pesada” (2003). Se esses lendários personagens foram fundamentais para a teledramaturgia brasileira, o livro “Antonio Fagundes no Palco da História: Um Ator” (R$ 84,90, 488 págs., Perspectiva) mostra que, nestes 55 anos de carreira, foram os palcos que deram o pontapé inicial à obra de Fagundes e foi neles que o eterno galã desenrolou as atuações essenciais para sua formação.
Talvez pela trajetória do artista ter se confundido com a do próprio país -do teatro de arena ao apelo com as massas-, o livro de Rosangela Patriota não é uma biografia tradicional. Trata-se mais de uma análise da importância da emergência do ator, de 69 anos, para o desenvolvimento cultural do país e vice-versa.
Não fossem fotos que ilustram a juventude libertária de Fagundes e outras estrelas nos palcos, a leitura tenderia, por vezes, a uma análise histórica -pelo próprio caráter da autora, professora universitária com formação em história e arte, em especial em teatro.
Mas não faltam detalhes saborosos de bastidores. A obra detalha como Fagundes se arriscou nos anos mais rígidos da ditadura militar (“não sabíamos muito bem com quem estávamos lidando”), na época, sob a tutela de Myriam Muniz e Gianfrancesco Guarnieri.
Depois, narra a ascensão a astro da pornochanchada (época da qual não se envergonha de forma alguma) e, então, fala do sucesso na TV.
Também discute o fato de ser rotulado como ator comercial, por ainda reunir massas com montagens de William Shakespeare (1564-1616, sendo o próprio inglês um popular à sua época), como fez com “Macbeth”, em 1992.
“Isso nunca me incomodou, porque todas as pessoas que falam de teatro comercial se esquecem de que 99,9% dos espetáculos cobram ingresso e, quando você cobra, está fazendo parte de um comércio”, avalia ele, que cita o espetáculo “Baixa Terapia”, com o qual faz turnê pelo Brasil e fora dele.
“Quando a gente consegue colocar o debate público novamente, está cumprindo um papel social. Com esse espetáculo, já tivemos 150 mil espectadores, e é uma peça que discute as relações pessoais e a postura do homem e da mulher na sociedade.”
É claro que Bruno Mezenga é importante. Mas Fagundes está muito longe de ser só isso.
‘Qualquer leitura pode ajudar na formação de uma pessoa’
No livro, Fagundes conta que grande parte de sua formação cultural se deve à infância que teve, guiada pelos conselhos da mãe, Dona Lídia, mulher forte e carinhosa, que se desquitou de seu pai quando o ator tinha entre quatro e cinco anos. Foi dela, que teve educação moderna, que herdou o gosto pelo teatro.
“Lembro que ficava acordado de sábado para domingo esperando mamãe voltar, para ela me contar as peças que via. Ela contava com emoção, chorava se o final não fosse feliz e ria quando era farsa ou comédia. Ela fazia todos os papéis”, recorda-se, em trecho.
Por isso hoje, quando questionado sobre qual obra recomendaria a seu público, não consegue deixar de avaliar as dificuldades educacionais para a formação de uma geração de leitores brasileiros conscientes.
“Estamos falando de um país em que o nível de leitura é de um livro por ano. Acho que qualquer tipo de leitura pode ajudar na formação cultural de uma pessoa. Quem sabe dois por ano, quem sabe aí não estaríamos ajudando na formação cultural do país.”
Biógrafa fala sobre a criação do livro
Autora de “Antonio Fagundes no Palco da História: Um Ator”, Rosangela Patriota falou com a Biblioteca da Vivi sobre o processo de escrita da obra e aproveitou para avaliar a importância de Antonio Fagundes na dramaturgia brasileira. Confira trechos da entrevista:
Biblioteca da Vivi - No livro, vemos que a trajetória de Fagundes se confunde com a do próprio teatro brasileiro. Como foi a escolha por esse formato?
Rosângela Patriota - No que se refere a Fagundes, ele tem um lugar fundamental no teatro brasileiro contemporâneo. No entanto, a sua contribuição, até então, nunca fora estudada. Inicialmente, o meu foco privilegiado seria a década de 1980. A força do conjunto de sua trajetória, porém, é tão significativa que a minha opção foi abranger o processo no qual o jovem Antonio da Silva Fagundes Filho tornou-se Antonio Fagundes.
O trabalho de pesquisa do livro foi grande. O que foi mais difícil: coletar dados ou organizá-los depois?
Foi uma pesquisa trabalhosa e complexa. No que diz respeito à elaboração da estrutura do livro, o intuito não era elaborar apenas uma narrativa cronológica. Havia o desafio de construir um enredo que conseguisse problematizar e, acima de tudo, envolver o leitor na trama histórica.
Acha que essa é uma boa forma de aproximar o público do trabalho do autor?
É evidente que o ordenamento da narrativa é responsabilidade minha, mas existem inúmeras vozes presentes: a minha, a de Fagundes, a de inúmeros críticos, de intelectuais e, principalmente, de pessoas que compõem o seu público, o que, sem dúvida, é algo raro de conseguir reunir em um só texto.
Como você avalia a importância de Fagundes para a cultura nacional?
Ele foi formado em um ambiente em que o palco não se dissociava das questões políticas e culturais. O país mudou, o teatro brasileiro se transformou, e Fagundes também. No entanto, ele não perdeu a capacidade reflexiva e intelectual. Ao contrário, ele a refinou e a redimensionou com as novas conjunturas. O resultado disso é que tem um público que o acompanha.
Comentários
Ver todos os comentários