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Biblioteca da Vivi

Biografia de Ivani Ribeiro narra luta por espaço e rotina rígida para produção de novelas

Obra traz ainda relação com o médium Chico Xavier

A novelista Ivani Ribeiro (1922-1995) ganha biografia
A novelista Ivani Ribeiro (1922-1995) ganha biografia - Lailson Santos/Folhapress
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Com narrativa que alterna o pioneirismo de Ivani Ribeiro (1922-1995),  nome artístico de Cleide Freitas Alves Ferreira, novelista influente em plenos anos 1950, com a vida de suas personagens, retrato das mudanças sociais brasileiras, “Ivani Ribeiro: A Dama das Emoções” (R$ 39,90, Novo Século, 430 págs.) apresenta detalhes até então desconhecidos da autora de clássicos como “A Viagem” (1975) e “Mulheres de Areia” (1973).

O livro conta ainda a relação de Ivani com o marido e as conversas com o médium Chico Xavier (1910-2002). Leia na íntegra a entrevista com a biógrafa, Carolline Rodrigues:

Biblioteca da Vivi - É impossível ler a biografia sem pensar na pioneira que ela foi, em uma área tomada por homens, em que não havia termos como empoderamento. De onde veio a força para que a autora lutasse por esse espaço? O que havia de diferente dela?
Carolline Rodrigues - Ivani tinha em sua essência uma força de resistência que fervilhava. Além disso, acredito que o amor pela escrita e pela criação de histórias a tenha a motivado a romper barreiras. Ela já observava em sua época o pouco espaço que as mulheres ocupavam no mercado e isso a incomodava. Na época, e falamos da década de 1930, as mulheres eram rotuladas como donas de casa e incultas, o que para Ivani era um absurdo. E ela fazia questão de comprovar o contrário. Um exemplo foi um concurso promovido por ela na fase dos programas de rádio para saber o que as suas ouvintes estavam lendo. Ivani era contra rótulos. Ela também queria levar informação, além do entretenimento, pois sempre acreditou que a radionovela e a telenovela poderiam servir de instrumento para isso. 

É certo, porém, que ela enfrentou décadas atrás o que muitas mulheres enfrentam hoje: abrir mão de muita coisa para se dedicar à profissão. Gostaria que você falasse um pouco sobre isso.
Se não está fácil para nós hoje, imagine como era em 1936. Devemos muito a essas mulheres. A vida de Ivani não foi nada fácil, inclusive pela sensibilidade de sua alma. Já na adolescência ela abriu mão de um namorico porque o rapaz não queria que ela trabalhasse em rádio. Isso porque ela sonhava com o amor, mas o pedido para ela foi demais. As mulheres se casavam ainda muito jovens, tinham filhos e cuidavam da casa. As que ousavam ter uma profissão se tornavam professoras. Agora tudo isso teve um preço muito alto. Ivani passou grande parte de sua vida em seu escritório cercada por livros e com a cabeça povoada de personagens. O curioso era que isso não era um peso, ela gostava. Os reflexos vieram com os problemas de saúde. Os momentos de lazer eram poucos, e o convívio com os familiares, reduzido. Autores também veteranos, que vieram logo depois de Ivani, declaram-se espantados com a forma como ela criava. Toda essa dedicação a deixava muito reclusa, com rotina que exigia disciplina.

Se analisarmos as obras da Ivani, podemos ver uma mudança em relação às personagens femininas? Qual? E aos personagens homens?
Da primeira novela, “Corações em Conflito” (1963), até “A Viagem”, ela dizia que cada uma das personagens femininas estava adequada à sua época. E comemorava cada avanço da mulher inserindo acontecimentos em suas personagens, como a vida de uma mulher divorciada, em "O Profeta" (1977). No geral, são mulheres com personalidades fortes e extremamente humanas que enfrentaram na ficção o mesmo que enfrentamos. Aliás, algumas vezes as personagens femininas ofuscavam os personagens masculinos justamente pela garra. No geral, Ivani defendia que homens e mulheres deveriam caminhar juntos, lado a lado, sem a necessidade de se sobreporem uma ao outro.

O papel de Darcio, marido de Ivani, foi fundamental. Podemos dizer que ela não seria quem foi sem ele ao seu lado?
Acredito que a chegada de Darcio à vida de Ivani trouxe a ela mais estímulo para criar. Ele não limitou a esposa em nenhum momento. Muito pelo contrário, ele potencializou tudo que ela tinha dentro de si. O amor faz isso, não é? Ela sonhava tanto com a chegada do amor que não consigo imaginar outro homem ao seu lado além de Darcio. Eles formaram uma dupla e tanto. As trocas de cartas entre ambos no início do namoro comprovam uma sintonia, inclusive, no mundo das palavras. Agora, tem algo que considero relevante: Ivani era quem estava na dianteira. Sempre! Era o perfil dela estar no comando. Fazia parte de sua personalidade. E o Darcio não a tolheu, muito pelo contrário.

Muitos conhecem Ivani só como novelista. Acredita que seu livro pode ajudar a ampliar o conhecimento desta escritora talentosa que ela foi?
Com certeza. Inclusive, a minha intenção foi desmistificar e humanizar a figura de Ivani ou Cleide. Afinal, por trás de tantos trabalhos que marcaram épocas, havia uma mulher e não uma máquina, que teve uma família, que cozinhava e possuía hábitos simples. E tinha sentimentos. Cheguei a ouvir que Ivani era antissocial e não gostava da imprensa. O que mostro no livro é justamente o contrário. Por timidez e uma rotina extremamente rigorosa para produzir, ela mal saía de casa. Ivani se tornou a novelista recordista no Brasil por isso. Mas ignoraram toda a criação dela porque não era uma figura midiática. Pouquíssimo se fala no nome de Ivani Ribeiro. 

Em "Mulheres de Areia", Ivani faz muito mais do que criar as gêmeas má e boa. Ela adentra o funcionamento de uma comunidade de pescadores, o dia a dia das pessoas. Você acha que isso ajudou a aproximar a novela do público?
Sim. A novela é um marco até hoje e é uma obra atemporal. Em "Mulheres de Areia" ficou muito evidente o quanto a telenovela pode ser um instrumento de contribuição social e informação. Os personagens tinham características de pessoas que encontramos ao nosso redor. Era a fantasia com um toque de realidade. Questões atuais, como a poluição das praias, a questão do analfabetismo, a denúncia a favor dos pescadores, as vítimas da exploração comercial. Para fazer isso, é necessário muita sensibilidade.

Gostaria que você falasse um pouco da interessante relação entre a Ivani e o médium Chico Xavier. Sim. Ivani sempre foi curiosa e buscou na filosofia espírita respostas para a compreensão da vida. A leitura dos livros e a amizade com Chico Xavier lhe trouxe algumas respostas e também mais perguntas. Acredito que Chico reconheceu em Ivani a espiritualidade avançada e o quanto ela colocava o seu trabalho a serviço do seu público. Ele se referia a ela carinhosamente como admirável irmã. 

Podemos dizer que há muito dele, então, em "A Viagem", uma novela que fez sucesso todas as vezes em que foi ao ar.
Para a primeira versão da novela "A Viagem", de 1975, Ivani procurou Chico Xavier para conversar sobre a sua intenção de escrever uma obra espírita. Ele recomendou a ela procurar o professor Herculano Pires, jornalista e divulgador da doutrina espírita pelo Brasil. A novela ajudou a divulgar a doutrina, que inclusive era perseguida em algumas regiões do país. Na estreia, Ivani, Herculano e Chico se reuniram com o elenco. Toda essa aproximação trouxe o clima de verossimilhança para a novela. Posteriormente, Chico participou da novela “O Profeta” (1977).

Da nova geração, qual autora você acredita que a Ivani admiraria?
De uma geração não tão nova, mas posterior à de Ivani, acredito que ela iria gostar muito de Glória Perez e Elisabeth Jhin. A primeira tem o estilo de trazer temas atuais, informar e também colaborar com a sociedade. A segunda tem a questão da espiritualidade de forma latente e uma delicadeza para conduzir o telespectador pelas histórias. São mulheres fortes e conscientes de seu importante papel. Sabem a necessidade de levar algo além do entretenimento ao nosso povo com toques de alertas e esperança. No geral, as novelas estão violentas e acredito que Ivani não iria gostar desse excesso.

 

Biblioteca da Vivi

Vivian Masutti, 35, é jornalista formada pela Cásper Líbero e bacharel em letras (português e francês) pela USP (Universidade de São Paulo), onde também cursou a Faculdade de Educação e obteve licenciatura plena em língua portuguesa. No Agora, é coordenadora da Primeira Página.

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