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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times

Após fugir do rótulo de estrela da Disney, Jenna Ortega teme título de 'rainha do terror'

Estrela de 'Wandinha' tem se destacado no gênero, mas até outro dia dormia com a luz acesa

Jenna Ortega posa para foto em Los Angeles - Amanda Hakan/The New York Times
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Sarah Bahr
The New York Times

Jenna Ortega ficou trancada em um porão com um cadáver em "X: A Marca da Morte". Ela matou um assassino serial com um tiro em "Pânico". Triturou um integrante de um culto satânico com uma hélice de barco em "A Babá - A Rainha da Morte".

E também não conseguia dormir sem luzes acesas, até a adolescência.

"Eu era a maior medrosa", disse Ortega, que interpreta o personagem título em "Wandinha", uma nova série de mistério e investigação da Netflix, baseada na personagem Wandinha (Wednesday) Addams, uma adolescente pessimista e que parece sempre usar marias-chiquinhas. Como não podia deixar de ser, o programa estreou em uma quarta-feira (Wednesday).

E, mesmo assim, lá estava ela, como estrela de uma série que, apesar de seu humor gélido, mostra pelo menos uma vítima desmembrada e uma vítima desentranhada já no episódio piloto (Tim Burton dirigiu os quatro primeiros episódios). Mas, para Ortega, o interesse está nas camadas mais profundas da personagem.

"Minha Wandinha é muito autoconfiante, ainda que isso não fique aparente", disse Ortega em uma conversa por vídeo neste mês, em uma tarde brilhante de domingo. Seus cabelos longos e escuros voavam ao vento, durante uma caminhada pelo centro de Salt Lake City. "Ela tem uma missão a cumprir, e não deixa pessoa alguma se meter em seu caminho."

Diferentemente dos filmes "Família Addams" do início da década de 1990, nos quais Christina Ricci interpretava Wandinha Addams aos 10 anos de idade, a nova série de oito episódios traz Ortega como Wandinha aos 16 anos; a história se passa nos dias atuais, e a adolescente é enviada a um colégio interno para adolescentes desajustados, depois de um incidente que resulta em sua expulsão da escola pública em que estudava (a história envolve piranhas e uma piscina cheia de valentões; Wednesday não está arrependida).

Mesmo em uma escola povoada por vampiros e lobisomens —os pais de Wandinha, Morticia e Gomez (interpretados por Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán), se conheceram lá como estudantes–, Wednesday é uma aberração entre as aberrações, e tema frequente de fofoca por conta de boatos de que ela e sua família têm um passado sangrento. Mas Wandinha também é o mais recente em uma longa sucessão de papéis adolescentes para Ortega, antiga estrela da Disney que estava, de certa forma, ansiosa por deixar essa fase de sua carreira para trás.

"Eu com certeza hesitei em aceitar o papel", ela disse. "Já tinha passado por isso e feito séries adolescentes", e além disso havia a pressão adicional de assumir pela primeira vez um papel em uma franquia conhecida.

Ainda assim, não é todo papel que exige que um ator mergulhe no aprendizado de meia dúzia de novas habilidades, entre as quais esgrima, canoagem, arco e flecha, alemão e aulas de violoncelo duas vezes por semana. "Fiquei meio desesperada por conta do violoncelo", ela disse. "Todo mundo que me conhece bem sabe o que aquele violoncelo me fez."

Aos 20 anos, Ortega trabalhou como atriz por metade de sua vida, e demonstra a autoconfiança que essa experiência acumulada oferece. Ela é a quarta de seis filhos, e cresceu em um bairro mexicano de La Quinta, Califórnia, no Coachella Valley, onde desde pequena se interessava por atuar.

"Vi Dakota Fanning em ‘Chamas da Vingança’ e disse aos meus pais que me tornaria a Dakota Fanning porto-riquenha", ela disse, caminhando entre as árvores da cidade e usando uma blusa verde de gola alta, com fones de ouvido grandes e pretos pendurados do pescoço. (O pai dela tem ascendência mexicana, e as raízes de sua mãe são mexicanas e porto-riquenhas.)

Ela passou os três anos seguintes "implorando sem parar" para ser atriz até que sua mãe, enfermeira de pronto-socorro, lhe comprou um livro de monólogos e postou no Facebook um vídeo que mostrava a filha de nove anos interpretando uma das cenas. Um diretor de elenco viu o vídeo e, menos de um ano mais tarde, Ortega já tinha conquistado seu primeiro papel na TV, na efêmera sitcom "Rob", com Rob Schneider.

Depois vieram numerosos papéis, como o de Jane quando criança em "Jane, the Virgin", quando ela tinha 10 anos; aos 12 anos, ela conquistou o papel de Harley Diaz em "Stuck in the Middle", uma série de humor do Disney Channel (2016-2018). Um mês mais tarde, ela abandonou a escola, na oitava série, para batalhar pelo sucesso na Disney.

"Stuck in the Middle" durou três temporadas e, depois disso, Ortega estava ansiosa por conquistar papéis mais maduros. Mas a experiência dela na Disney, descobriu a atriz, impunha limitações.

"Se atriz infantil da Disney traz um enorme estigma", ela disse. "As pessoas automaticamente presumem que aquilo é tudo que você é capaz de fazer, ou tudo que você foi feito para fazer."

Ortega passou por uma crise de confiança. A sensação dela, disse a atriz, era de que tinha esquecido como atuar.

"Você usa um conjunto diferente de ferramentas", ela disse, sobre os papéis oferecidos fora da Disney. "E as minhas estavam todas empoeiradas e enferrujadas, porque tinham sido deixadas de lado e substituídas por orelhas de rato e muito cor de rosa e glitter."

Mas as coisas não demoraram a engrenar. Em 2018, ela trabalhou com Penn Badgley na segunda temporada do thriller psicológico "Você", e em seguida conquistou o primeiro de seus diversos papéis em filmes de terror, em "A Babá - A Rainha da Morte".

Seu primeiro papel de destaque veio em "A Vida Depois", lançado em janeiro, que se concentra nas consequências do ataque de um atirador a uma escola. Foi a estreia de Megan Park como diretora e a primeira vez que Ortega fez o papel principal de um filme, um trabalho que recebeu muitos elogios.

"A capacidade dela de saber quando dar tudo e quando se conter —ter essa compreensão quanto a si mesma como artista em uma idade tão jovem— é realmente uma raridade", disse Park em uma entrevista recente por telefone.

Quando os criadores e showrunners de "Wandinha", Al Gough e Miles Millar ("Smallville"), começaram a desenvolver o personagem principal da série, não queriam seguir o arco típico da história de uma adolescente tímida que se torna destemida. Os dois produtores são pais cada qual de duas filhas adolescentes e, portanto, sabiam que não é assim que a coisa funciona na realidade.

"Wandinha começa forte e continua assim", disse Millar. "Ela não se desculpa, é destemida, inteligente, estranha —é muito raro ver uma personagem feminina adolescente que seja tão segura de si mesma."

Depois de escrever os quatro primeiros episódios, eles tinham um (e só um) diretor em mente: Burton, que em 1991 abriu mão de dirigir o primeiro "A Família Addams" por problemas de agenda.

"Nós imaginamos que ele nem leria os roteiros", disse Gough sobre Burton, que não dirigia uma série de televisão desde a década de 1980. "Achávamos que seria mais fácil ganhar na loteria."

Para surpresa deles, Burton ligou quatro dias depois de receber o roteiro do primeiro episódio.

"O roteiro me trouxe lembranças dos meus dias de escola", disse Burton, que também serviu como produtor executivo da série, em uma recente conversa por vídeo, de Los Angeles. "Os personagens foram a razão para que eu quisesse fazer a série; não é que estivesse morrendo de vontade de fazer televisão, necessariamente."

Mas, para que a visão coletiva dos criadores se realizasse, seria necessária a Wandinha certa. Eles realizaram audições com centenas de atrizes, mas Ortega deu à personagem a empatia que eles procuravam.

"Ela é como uma atriz de cinema mudo", disse Burton. "Expressa muita emoção com os olhos."

Burton, diretor de filmes clássicos de horror e fantasia como "Beetlejuice" e "Edward Mãos de Tesoura", começou a trabalhar para estampar sua marca na série, gravada na Romênia durante oito meses, em 2021 e 2022, e se inspirou, ele disse, nos desenhos originais do cartunista nova-iorquino Charles Addams, que criou a família Addams em 1938.

Burton se envolveu nos menores detalhes, e penteou ele mesmo a franja de Ortega, antes que um cabeleireiro passasse um fixador para mantê-la no lugar; ele instruiu Ortega sobre a postura de Wandinha.

"Tim queria que, se alguém passasse por acaso, achasse que sou um manequim", disse Ortega. "Ele me disse para atuar como se estivesse carregando uma pilha de livros ou uma xícara de chá na cabeça. Fiquei com uma ótima postura."

Mas ele também deixou muita coisa por conta da atriz quanto a outros elementos, disse Ortega, dando-lhe liberdade para chegar à sua própria interpretação da personagem. "Os instintos dela são muito bons", disse Burton.

Zeta-Jones disse que ficou impressionada com a assertividade de Ortega na hora de proteger sua visão sobre Wandinha. "Ela não se sentia intimidada diante de Tim", disse a atriz. "Apesar de ele ser um grande diretor, ela o questionava: ‘vou fazer como você pediu, mas será que podíamos tentar também desse outro jeito?’. E a tomada que eles terminavam escolhendo era sempre a proposta por ela."

Ortega disse, no entanto, que era impossível ignorar completamente a pressão de assumir um papel imortalizado por Ricci, que trabalha na série fazendo um papel criado especialmente para ela, o de professora mais "normal" da escola. "Diante uma personagem tão emblemática, você quer fazer justiça a ela", disse Ortega.

O fato de vir a ser rotulada como rainha do terror a preocupa, especialmente depois de "Wandinha"? "Um pouco", ela disse. Mas Ortega continua a achar difícil recusar um roteiro de terror.

"O terror é muito terapêutico", ela disse. "Você grita como uma desesperada –algo que não tem a oportunidade de fazer em sua vida cotidiana– e assim ele se torna uma maneira de escavar todo aquele estresse desnecessário que você tem acumulado."

Tradução de Paulo Migliacci

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