Orlando Drummond deu rosto a um personagem icônico e voz a dezenas de outros
Intérprete do Seu Peru, ator e dublador morreu aos 101 anos no Rio
“Te dou o maiorrr apoio!”, dizia o Seu Peru, quando queria agradar a algum colega da Escolinha do Professor Raimundo. Cheio de trejeitos e usando roupas coloridíssimas, o personagem tinha orgulho de suas origens – “Peru com mel, de Vila Isabel!” – e, na ânsia da paquera, chegava a ser inconveniente – “Use-me e abuse-me!”. Na maior parte do tempo, era um doce de pessoa: “Peru é cultura, cheio de ternura!”. De vez em quando, também se enfurecia: “Estou porrr aqui!”.
Esses bordões estão marcados na memória de quem assistiu à televisão brasileira nos últimos 30 anos. Mas o Seu Peru, na verdade, surgiu no rádio, em 1952, na primeiríssima versão da Escolinha. É sintomático que o único personagem marcante de Orlando Drummond na TV tenha começado pela voz, antes de ganhar um visual. Dono de uma garganta elástica, o ator e dublador deu alma a criaturas tão díspares como o cachorro Scooby-Doo, o alienígena Alf e o vilão Vingador, de “Caverna do Dragão”.
Orlando Drummond Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1919. Entrou na carreira artística pela beirada, em 1942, como contrarregra na Rádio Tupi. Não demorou para ter sua voz percebida por Paulo Gracindo (1911-1995), um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. Começou a fazer participações em programas de humor até que, em 1946, passou a trabalhar como radioator em tempo integral.
Naquela época, a dublagem era incipiente no Brasil. Apenas os longas em animação da Disney ganhavam vozes nacionais, além de um ou outro filme voltado ao público infantil. Mas a chegada da TV, em 1950, fez com que a demanda por conteúdo dublado explodisse. E foi nesse novo mercado que Orlando Drummond encontrou as maiores oportunidades de sua carreira.
Seu currículo é longuíssimo e impressionante. Drummond foi o primeiro dublador contratado pela Herbert Richers, que, de produtora de cinema, tornou-se o maior estúdio de dublagem do país. Seu primeiro trabalho lá foi o sargento Garcia, o atrapalhado antagonista da série “Zorro”.
Seguiram-se clássicos da Hanna-Barbera: Pepe Legal, Bibo Pai, Dum-Dum (o comparsa da Tartaruga Touché). Mais tarde, entre 1988 e 1995, Drummond também dublou duas figuras fundamentais dos desenhos da Warner: Patolino e o gato Frajola.
Durante muito tempo, foi a voz do marinheiro Popeye. Na série em animação “Os Smurfs”, fez o vilão Gargamel. Nos filmes baseados na série, o Papai Smurf.
Sem falar na Lebre de Março (“Alice no País das Maravilhas”), no Gato Guerreiro (“He-Man”), no Professor Girassol (“As Aventuras de Tintim”), no sr. Wilson (“Dennis, o Pimentinha”), no Atchim (na segunda dublagem de “Branca de Neve e os Sete Anões”). Ou no papel-título de “Alf, O ETeimoso”, uma das sitcoms de maior sucesso da década de 1980.
Mas foi com Scooby-Doo que Orlando Drummond entrou para o Livro Guiness dos Recordes, como o dublador que por mais tempo deu voz ao cão: nada menos do que 35 anos.
Também dublou centenas de atores de carne e osso, como Gary Cooper, Cary Grant e Gene Hackman. Era uma unanimidade entre os colegas de ofício: todos o adoravam.
Na televisão, Orlando Drummond participou de diversos humorísticos desde os anos 1960. Construiu inúmeros tipos, e um deles fez história: Seu Peru, um homossexual espalhafatoso e de bem com a vida. Na nova versão do programa, em que atores mais jovens reinterpretam os personagens clássicos, Seu Peru caiu com Marcos Caruso, e Drummond aprovou: “agora eu tenho um sucessor”.
Casado desde 1951 com Glória, teve com ela dois filhos, cinco netos e três bisnetos. E fundou uma dinastia de dublagem: seus netos Alexandre, Eduardo e Felipe também são dubladores.
Orlando Drummond nasceu no final da pandemia da gripe espanhola e se foi durante outra, a da Covid-19, sem ser atingido por nenhuma delas. Foi o primeiro idoso carioca a ser vacinado contra o novo coronavírus, e chegou a tomar a segunda dose. Deixa um legado imenso, admirado por diversas gerações.
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