James Gunn volta com filme da DC após polêmica: 'Pensei ter perdido tudo'
Diretor foi demitido pela Marvel após tuítes antigos ressurgirem
Diretor foi demitido pela Marvel após tuítes antigos ressurgirem
Certo dia, em julho de 2018, James Gunn, 54, descobriu que estava entre os assuntos mais comentados do Twitter, e não por um bom motivo. Gunn, o cineasta por trás da série de ficção científica “Guardiões da Galáxia”, da Marvel, havia tuitado numerosos gracejos deliberadamente toscos sobre o Holocausto, o ataque do 11 de setembro, Aids, pedofilia e estupro.
E esses comentários ressurgiram, gerando muitas críticas contra ele. Gunn foi demitido da direção do terceiro filme da série “Guardiões da Galáxia” e acreditava que sua carreira tinha acabado. “Parecia que tudo tinha desabado”, ele me disse recentemente.
Gunn pediu desculpas publicamente, e seus comandados em “Guardiões da Galáxia”, ente os quais Zoe Saldana e Chris Pratt, saíram em sua defesa com uma carta aberta. Em março de 2019, ele foi recontratado para a série.
Gunn passou os meses posteriores à sua demissão refletindo sobre sua vida e ao mesmo tempo trabalhando em uma oportunidade inesperada. A Warner Bros. decidiu chamá-lo para dirigir um filme de seu universo de super-heróis, baseado nos personagens da DC Comics.
O trabalho de Gunn, “O Esquadrão Suicida”, que ele escreveu e dirigiu, acompanha uma equipe esculhambada de criminosos, que inclui o atirador de elite Bloodsport (Idris Elba) e a sabotadora Harley Quinn (Margot Robbie), selecionados pela implacável Amanda Waller (Viola Davis) para realizar uma missão aparentemente impossível.
“O Esquadrão Suicida”, que sai nas salas de cinema e na HBO Max em 6 de agosto, se segue a “Esquadrão Suicida”, escrito e dirigido por David Ayer em 2016, que foi sucesso comercial mas não foi bem recebido pela crítica.
A versão de Gunn mantém a violência e cria novas camadas de absurdo, com personagens extravagantes como o Polka-Dot Man (David Dastmalchian) e o Rei Tubarão, um híbrido entre homem e peixe que tem a voz de Sylvester Stallone; também há o malévolo peixe-estrela alienígena chamado Starro.
Como explica Gunn, “há uma espécie de realismo mágico com o qual já chegamos a esse filme. Sim, é estranho ver um tubarão que anda. Mas não tão estranho quanto seria em nosso universo”.
Gunn, cujos créditos incluem sátiras de baixo orçamento a filmes de horror, como “Seres Rastejantes”, e “Super”, falou no final de junho em uma entrevista em vídeo de Vancouver, Canadá, onde está trabalhando em “Peacemaker”, um derivado para a TV de “O Esquadrão Suicida”, estrelado pelo aventureiro nacionalista homônimo, interpretado por John Cena.
Gunn deixou que seus cabelos espetados embranquecessem e os completou com uma barba bem aparada, o que lhe dá mais cara de cientista louco do que de estreante na franquia. Falando de “O Esquadrão Suicida”, ele disse que “há humor sombrio no filme, mas também uma parte emocional. Sinto como se todo o meu ser estivesse se comunicando”.
Gunn discutiu sua demissão e recontratação pela Marvel, a rodagem de “O Esquadrão Suicida” para a DC e sua perspectiva quanto às duas franquias de super-heróis. Abaixo, trechos editados de nossa conversa.
Como você descobriu que tinha sido demitido pela Marvel?
Fui informado por Kevin Feige (presidente do Marvel Studios). Liguei para Kevin de manhã no dia em que as coisas estavam acontecendo, e perguntou para ele se aquilo era grave. Ele respondeu que não sabia. Foi um daqueles momentos.
Perguntei a ele, “como assim, você não sabe?” Fiquei surpreso. Mais tarde ele telefonou –Kevin mesmo estava em choque– e me informou sobre a decisão tomada lá em cima. Foi inacreditável. Por um dia inteiro, minha sensação foi a de ter perdido tudo. Tudo. Eu teria de vender minha casa. Nunca voltaria a encontrar emprego. Foi a sensação que tive.
A experiência fez com que você se tornasse mais cuidadoso com o que diz, na mídia social ou de modo geral?
Sim e não. Eu tenho mais consideração para com os sentimentos das pessoas, agora. Já tinha falado muito sobre isso antes de aqueles tuites ressurgirem. Eles são horríveis, mas meu senso de humor era assim naquela época.
Mas antes mesmo que tudo isso acontecesse, eu tinha percebido que havia me fechado a coisas que achava sentimentais porque não queria parecer vulnerável. Essa atitude –a de que posso fazer piada sobre qualquer coisa, veja só como sou invulnerável– não me mostra em minha inteireza como ser humano. E isso foi algo que eu já tinha aprendido muito antes de ser criticado por aqueles tuites.
O termo ainda não era tão frequente na época, mas você acha que foi vítima do que agora chamamos "cultura do cancelamento"?
Compreendo a preocupação das pessoas com o termo. Mas a questão é muito maior que isso. Porque a cultura do cancelamento também engloba pessoas como Harvey Weinstein, que precisava ser cancelado. As pessoas que foram canceladas e continuaram canceladas –a maioria delas merecia o que lhes aconteceu.
Os paparazzi não são só os fotógrafos de rua, mas são as pessoas que vasculham o Twitter em busca de quaisquer pecados passados. Tudo isso é péssimo. É doloroso. Mas parte do que acontece se relaciona a uma prestação de contas. E essa parte do processo é boa. O que importa é encontrar o equilíbrio.
Quando você vê outra pessoa sendo castigada por coisas que tenha postado online, você se solidariza?
Mesmo que a pessoa tenha feito algo de horrível, eu ainda sinto solidariedade por ela. Porque sou uma pessoa compassiva e isso é parte da minha fé. Às vezes às coisas são tiradas de contexto. E às vezes uma pessoa fez algo quando estava na universidade –mas já se passaram 20 anos, a pessoa viveu uma boa vida, e a reação é um exagero. Mas às vezes você lê algo e concluiu quem, bem, aquilo que a pessoa fez foi mesmo horrível.
Quando é que você começou a perceber que as coisas talvez não estivessem tão ruins? O apoio público dos atores de “Guardiães da Galáxia” fez diferença?
Você não compreende a imensidão da coisa até que está no meio de tudo aquilo. Para um cara que acha que fez a maior parte das coisas sem ajuda e jamais teve muito apoio de qualquer um, e que teve de galgar seu caminho dos filmes B para o lugar em que estou hoje, a expectativa não é a de que as pessoas estarão lá para apoiá-lo.
Como alguém que tem dificuldade para aceitar o amor ou o afeto dos outros, ter todas as pessoas que me cercavam --minha namorada, meus pais, minha família, meu empresário, minhas relações públicas, todos os atores com quem já trabalhei-- presentes e prontos a me apoiar foi uma experiência reveladora.
Senti-me realmente realizado e amado, de uma maneira que nunca havia sentido em minha vida. E quando a Warner Bros. me procurou, na segunda-feira depois do acontecido, e me disse que me queria, James Gunn, a sensação foi a de, uau, como é bom ouvir isso.
Assim, enquanto você ainda estava no meio desse potencial escândalo a Warner Bros. o procurou para perguntar se você tinha algum interesse em dirigir um filme do Super-Homem, seu principal personagem da DC?
Foi o que me propuseram. Toby Emmerich (o chairman do Warner Pictures Group) trabalha com meu empresário, e ele dizia toda manhã, “James Gunn, Super-Homem, James Gunn., Super-Homem”.
Como é que você terminou dirigindo “O Esquadrão Suicida”, em lugar disso?
Na época, eu não queria assumir compromissos de trabalho imediatos. Foi traumático. Eu precisava lidar com meus problemas. Precisava parar para pensar. Por isso, estudei as diferentes possibilidades dos projetos em que podia trabalhar, e por um mês trabalhei a cada dia em um possível projeto diferente.
Eu queria garantir que, o que quer que eu decidisse escrever, fosse uma grande história, e se a história funcionasse e eu quisesse dirigir, isso também fosse possível. “O Esquadrão Suicida” foi o que emergiu mais rápido.
Você era fã dos quadrinhos?
Eu realmente adorava a visão do escritor John Ostrander, que era a de jogar aqueles sete supervilões em situações de operações especiais, onde eles fossem considerados descartáveis e a expectativa fosse a de que não voltariam vivos. Quando criança, eu adorava “Os Doze Condenados”. É o mesmo conceito, misturado aos quadrinhos da DC.
Até que ponto suas escolhas foram influenciadas pelo que você tinha visto no filme anterior do “Esquadrão Suicida”?
Nem um pouco. Eu queria criar aquilo que eu vejo como o Esquadrão Suicida. Que eu reagisse ao filme de David seria tornar meu filme uma sombra do dele. Eu queria que meu filme fosse autônomo. Quando a Warner Bros me disse que gostaria de que eu assistisse o primeiro filme, eu o vi pela primeira vez, e liguei para perguntar o que eles queriam que eu mantivesse. A resposta foi que eles adorariam se Margot estivesse no filme, mas não era preciso que estivesse. Fui autorizado a criar personagens completamente novos, ou manter os mesmos.
O filme anterior tinha astros que não estão de volta. Você pensou em trazer Jared Leto como o Coringa ou Will Smith como Deadshot?
O Coringa, não. Não sei por que o Coringa estaria no Esquadrão Suicida. Ele não ajudaria muito em uma situação de tipo militar. Will --eu realmente queria trabalhar com Idris. O filme tem múltiplos protagonistas. No começo era só Margot e depois Daniela (Melchior, que interpreta Ratcatcher 2) se torna o coração do filme, de muitas formas.
Mas se existe um protagonista, é Idris. E eu queria um cara seco, com aquele jeito de “Os Imperdoáveis”. Um cara que havia sido reduzido de um supervilão muito poderoso —o cara que tirou Super-Homem dos céus— a alguém que está limpando chiclete do chão, no começo do filme. Ele não quer participar da ação, mas acaba aceitando que sua vida é aquela, agora. E tinha de ser Idris Elba.
Este vai ser o terceiro filme da série, depois de “Esquadrão Suicida” e “Aves de Rapina – Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa”, que busca encontrar um lugar para Harley Quinn no universo cinematográfico DC. Como você vê a personagem?
Para mim, Arlequina deveria estar ao lado do Batman, Super-Homem, Mulher-Maravilha, Capitão-América, Hulk, Homem-Aranha. Eu passei boa parte da minha carreira escrevendo personagens que existiam nos quadrinhos mas não eram bem definidos como personalidades, e tive de criar suas personalidades cinematográficas, quer se trate de Star-Lord, Drax ou Groot, todos muito diferentes nos quadrinhos.
Harley foi escrita de modo incrível por Paul Dini desde o começo, e poder capturar a essência daquela personagem —sua natureza caótica e suave— e lhe dar o destaque merecido como pregadora de peças, permitindo que vá onde queira, foi surpreendente até para mim como escritor.
Você se divertiu ao trazer Viola Davis de volta como Amanda Waller e permitir que ela suje as mãos tanto quanto os supervilões do filme fazem?
Ela não tem a menor hesitação em fazer aquilo. É a pessoa mais doce do planeta, e Waller é apavorante. Quando ela estava no set para filmar o momento daquela virada, eu tive medo de me aproximar para corrigir alguma coisa, por causa do olhar dela. Era muito assustador. Ela é dessa altura (e ele coloca a mão à altura do seu pescoço), mas apavora mesmo assim. É maravilhosa.
Existe um traço inerente de personagens descartáveis, em seu conceito para “O Esquadrão Suicida”, que contraria o desejo dos estúdios de ter franquias de filmes repetíveis. Seu objetivo era fazer o filme de super-herói mais niilista da era moderna?
Não acho que seja niilista. Para mim, fala de nosso mundo em mutação e de pessoas que têm muita dificuldade para fazer conexões mas acabam por criar pequenas conexões. Minha missão era fazer o filme mais divertido que pudesse, sem recusar qualquer risco. Eu sabia que tinha uma oportunidade que poucos realizadores recebem, a de fazer um filme de orçamento imenso sem restrições em termos de trama, efeitos e sets. Sentia uma obrigação de correr riscos.
E se, depois de um ano de pandemia, as audiências não estiverem prontas para um filme em que acontece tanta morte e tanta destruição?
Eu acredito honestamente que a emoção e o humor ajudem a compensar os aspectos mais brutos do filme. É só uma questão de onde estaremos, no caso da Covid-19, e de o quanto estaremos seguros. “Velozes e Furiosos 9” se deu bem, e assim espero que haja grande apetite por esse tipo de filme.
Eu estava conversando com minha mãe, que tem 80 anos, hoje de manhã. Ela quer ver o filme. E eu disse, mãe, no filme temos um monte de tubarões rasgando pessoas no meio. “Eu sei, eu não me incomodo, Jimmy”. Ela vai adorar o filme.
Parece-lhe estranho que os filmes da DC abarquem trabalhos como “O Esquadrão Suicida”, que merece certamente a censura “R” (restrito para menores de 17 anos) e filmes como “Shazam”, que são mais familiares?
Acho ótimo. É uma das maneiras pelas quais a DC pode se diferenciar da Marvel. O que faço é diferente do que Peyton Reed (de “Homem-Formiga”) faz, diferente do que [Jon] Favreau fez [em “Homem de Ferro”], diferente do que fez Taika [Waititi, de “Thor: Ragnarok”].
Mas não tão diferente quanto “O Esquadrão Suicida” e “Shazam”, porém. Acho que o atual grupo de dirigentes da Warner Bros. está interessado em construir um mundo e criar algo único para os cineastas. Vivemos um momento estranho, e assim tudo pode acontecer.
Você é o primeiro diretor a fazer filmes para a Marvel e a DC...
Joss Whedon. Eu sou o primeiro a receber crédito por dirigir filmes da Marvel e da DC.
Você vê grandes diferenças entre as maneiras pelas quais a Marvel e a DC abordam suas franquias cinematográficas?
Sim, mas nem tantas quanto as pessoas provavelmente acreditam. Kevin Feige sem dúvida se envolve mais na edição do que o pessoal da Warner Bros. Ele comenta mais. Nem sempre é preciso aceitar os comentários, e eu nem sempre os aceito. Mas eu também tive mais problemas.
Se você visse o primeiro corte de “Guardiões da Galáxia 1”, havia mais problemas, porque era minha primeira vez dirigindo algo gigante, e é preciso aprender o que funciona e o que não, e cortar o excedente. A verdade é que, no que se aplica à Marvel, e à medida que Kevin Feige começa a ganhar propriedade de mais de metade de todos os filmes, ele se estende mais.
Você pode fazer mais filmes para a DC no futuro ou é exclusivo da Marvel?
Não sei o que farei a seguir. Para mim, “Guardiões 3” deve ser o último. Não sei se vou fazer mais deles. No multiverso da DC, a capacidade de fazer coisas diferentes torna a situação divertida. Os filmes começam a se parecer com os quadrinhos da editora.
O Universo Marvel sempre foi um pouco mais coeso, e a DC sempre teve séries individuais melhores. Tiveram “O Retorno do Cavaleiro Negro”. Tiveram “Watchmen”. Tiveram “A Piada Mortal”. Tiveram “The Swamp Thing”, de Alan Moore.
O fato de terem feito “Coringa”, um filme completamente diferente, é bacana para mim. Estou muito entusiasmado com o filme de Matt (“Batman”, de Matt Reeves.) Eles estão envolvendo alguns cineastas muito bons. Algumas coisas darão certo, outras não, como sempre foi. Mas não quero que os filmes se tornem entediantes.
Você começou no cinema de baixo orçamento. Acha que um dia pode retornar a algo menor e mais rápido de produzir?
Eu amo os brinquedos, as explosões e as câmeras, para ser franco. Adoro poder brincar em um campo bem grande. Se houvesse algo menor e mais íntimo que eu quisesse fazer, eu com certeza faria. Por enquanto, só quero cochilar, mas ainda tenho outro grande filme a concluir antes disso. Mal posso esperar para ver a turma da Marvel de novo. Eles são como uma família para mim. Muito diferente das pessoas no Twitter. Todo mundo é muito mais agradável.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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