Seth Rogen diz que é uma honra ser associado à maconha e que fuma o dia todo
Ator afirma que estava chapado durante gravações de seus filmes
Ator afirma que estava chapado durante gravações de seus filmes
Seth Rogen, 38, sabe bem que ele é muito parecido com mais ou menos um quarto dos homens brancos que têm entre 25 e 50 anos de idade e que vivem em Los Angeles.
Os cabelos com jeito de quem saiu da cama às seis da tarde. A barba que deveria ter sido aparada há algumas semanas. Os óculos genéricos. As camisetas irônicas que lutam para cobrir um “dad body” [corpo de papai] que não parece em forma e não se envergonha disso. É uma persona simpática, um jeito de carinha legal que lhe valeu quase 100 papéis, grandes e pequenos, no cinema e na televisão, nas duas últimas décadas.
Em 2007, em “Ligeiramente Grávidos”, a comédia que o levou ao sucesso, Rogen interpretava o maconheiro sem rumo que, de algum modo, conquistava a garota sem que qualquer um dos dois parecesse compreender o motivo. Em “Steve Jobs”, de 2015, ele personificou plenamente o papel de Steve Wozniak, o amigável cofundador da Apple que parecia não se incomodar ao ceder o espaço nas capas de revista, os bilhões e, basicamente, o lugar da empresa na história ao seu parceiro mirabolante do suéter preto.
Rogen, é roteirista, diretor e produtor, além de ator, e deixou para trás há muito tempo a imagem de macho beta, conquistando espaço entre os poderosos de Hollywood. Mas ser um cara “comum” ainda lhe serve como camuflagem quando sai à rua.
“Antes da pandemia, eu costumava caminhar sem rumo pelas ruas de Los Angeles durante horas e, por meses e meses, ninguém me fotografava”, disse Rogen. Mesmo os fãs que o reconheciam na rua terminavam achando que era só “um cara parecido comigo”, brinca.
Ele não tem saído muito de sua casa em Los Angeles, mas foi a um caixa automático recentemente. “De máscara e tudo, mas alguém me reconheceu”, ele disse. “Fiquei chocado. Não acontecia há tanto tempo. E se a pessoa que encontrei lá estiver lendo essa entrevista, aproveito para pedir desculpas pela minha reação. Meio que saí correndo na direção oposta”.
Quando a cabeça descabelada de Rogen, que estava no ensolarado escritório de sua produtora em West Hollywood, ocupou a tela para nossa conversa por Zoom, tive a vaga impressão de que a tela do meu MacBook tinha se transformado em espelho: o cabelo, a barba, os óculos e o corpo que, imagino, nós dois esperemos não se torne roliço demais, depois de 12 meses de baixa atividade. Apesar das referências ao “dad body”, Rogen não tem filhos, o que segundo ele facilitou a vida na quarentena.
Eu lhe contei sobre ter ido a um dispensário de maconha dois anos atrás em Marina del Rey, e a mulher que verificava os documentos na porta pareceu ter se espantado: “Calma lá, você não é Seth Rogen?”
Ele respondeu com sua risada característica. “De todas as pessoas que ouvem que são parecidas comigo, você talvez seja a mais parecida”, ele disse.
Contrariando sua fama de folgado, Rogen se manteve ocupado durante a pandemia, apesar da parada geral de atividades no mundo do cinema e da televisão, e de muitas outras coisas no planeta.
Como sabem bem os seus milhões de seguidores no Instagram, ele se envolveu seriamente na produção de cerâmica, postando fotos intermináveis de vasos, saboneteiras e cinzeiros coloridos. Ele os faz no estúdio que montou na garagem da casa que divide com a mulher, Lauren Miller Rogen, 38, atriz e diretora, e com Zelda, a cadela cavalier king charles do casal.
Ele também usou o período de quarentena para terminar de escrever seu primeiro livro, “Yearbook”, que a editora Penguin Random House vai lançar em maio. É uma mistura de livro fragmentado de memórias, ensaios engraçados sobre o começo de carreira de Rogen no humor stand-up, aventuras adolescentes em um acampamento de férias judaico no Canadá e “muito mais histórias sobre drogas do que minha mãe gostaria de ler”, diz o resumo na capa.
Tão devoto da maconha quanto Willie Nelson, Rogen também conseguiu levar aos Estados Unidos a Houseplant, companhia de maconha que ele criou no Canadá com seu eterno parceiro cinematográfico, Evan Goldberg.
A empresa logo colocará à venda a primeira empreitada comercial de Rogen na cerâmica: um conjunto de cinzeiro e pote de maconha suntuosamente embalado, à venda por US$ 85 (cerca de R$ 460) –o design é de Rogen, mas o produto é fabricado na China. O produto une as duas paixões de Rogen: a cannabis e a cerâmica.
Como muitas outras pessoas, ele tem trabalhado de casa, conversando sobre projetos de filmes com diversas pessoas entre as 9h e as 17h. Fora isso, sua principal atividade é assistir TV (“The Office”, “The Larry Sanders Show”), muita maconha e muitos tuítes.
Rogen começou a ganhar espaço no Twitter por conta de uma troca de insultos muito alardeada com o senador Ted Cruz, do Texas, que se estendeu por diversos dias depois da posse de Joe Biden. Rogen escreveu que Cruz só sua merecia admiração se “você for defensor da supremacia branca, fascista e não se ofender se alguém chamar sua mulher de feia”, além de diversos palavrões.
Cruz então comentou que Rogen se comportava como “um marxista com Síndrome de Tourette”. Crítica que Rogen rebateu afirmando que sofria de “um caso bem ameno” da síndrome, mas não se retratou. Vinte anos atrás, teria sido difícil para Rogen atacar dessa maneira uma pessoa famosa que ele não conhece, “mas agora, graças a Deus, é algo que consigo fazer. Eu 100% diria a Ted Cruz para”... cubram os ouvidos, crianças!
Rogen brincou, em entrevista a Jimmy Kimmel em abril, que está “em autoisolamento desde 2009”. Goldberg, que é amigo de Rogen desde quando os dois estudaram juntos no ensino médio, em Vancouver, Canadá, e fala com ele todos os dias, concorda que Rogen sempre foi “o completo oposto de alguém que gosta de sair e de fazer loucuras”.
“Como uma celebridade que não gosta de sair para beber e coisas assim, ele provavelmente é uma das pessoas mais bem adaptadas para a atual situação. Ama ficar em casa”, disse Goldberg, 38. “Ama seus hobbies, ama ficar no sofá e ver TV com a mulher e o cachorro. E é isso. É o que ele ama. Tenho certeza de que adora estar preso em casa.”
Com o escritório da Point Grey Pictures fechado, a produtora dos dois, Rogen e Goldberg continuam a ter muito o que discutir. Estão escrevendo um roteiro para o diretor Luca Guadagnino sobre Scotty Bowers, um sujeito que foi frentista, mas passou a organizar encontros sexuais para astros de Hollywood na era dourada do cinema.
Também estão ajudando a produzir “Pam and Tommy”, série do serviço de streaming Hulu sobre o roqueiro Tommy Lee Jones e a estrela Pamela Anderson, de “Baywatch”, um casal que fez pelos vídeos de sexo entre celebridades o mesmo que Fred Astaire e Ginger Rogers fizeram pelo cinema musical quando um eletricista (interpretado por Rogen) roubou o notório vídeo caseiro que gravaram.
Os sócios preferem conversar por Zoom. “Tentamos conversar na varanda da casa dele uma vez”, diz Goldberg, “mas era melhor ver o rosto dele na tela do que ficarmos sentados a cinco metros de distância”.
Isso não quer dizer que o isolamento de Rogen seja completo. Ele às vezes convida amigos para fazer cerâmica em seu estúdio. Roberto Lugo, um artista que se descreve em seu site como “ativista e ceramista de gueto”, trabalhou com ele para ensiná-lo a produzir peças maiores.
“Honestamente, me surpreendi por ter aprendido tanto com isso”, disse Rogen. “É meditativo, e força a pessoa a estar muito presente”.
Dando a primeira tragada em um grande baseado cônico, Rogen explica que sua mulher, que trabalha com cerâmica desde a escola, o inscreveu em algumas aulas dois anos atrás, e ele logo se interessou. Enquanto outras pessoas começaram a fazer pão na quarentena, Rogen se rendeu aos trabalhos em seu estúdio, onde ele tem dois fornos.
Recentemente, ele vem desenvolvendo variedades de vidro e experimentando com texturas a fim de “obter um efeito ao estilo Ken Price”.
A influência de Price, ceramista e escultor de Venice, Califórnia, que morreu em 2012, parece forte nos trabalhos recentes de Rogen –formas bulbosas, texturas ásperas e explosões de cor brincalhonas. (Para um iniciantes, é claro. Os filisteus poderiam descrever as peças como uma mistura de Flintstones e Jetsons.)
Rogen guarda algumas de suas peças para decorar sua casa, em companhia de mobília criada por designers da metade do século 20 como Hans Wegner. Não planeja uma exposição em galeria, mas diz que começa a se sentir confortável em meio ao pessoal do Artforum.
“Acho que sempre pensei no mundo da arte e design como muito pomposo e achei não ter lugar nele”, disse Rogen.
Isso começou a mudar quando ele ajudou no design e na criação da mobília da mansão de vidro que serve de locação a “É o Fim”, filme que ele escreveu, dirigiu e estrelou em 2013, em parceria com Goldberg. Na produção, o apocalipse é um convidado inesperado em uma festa dada por James Franco que interpreta a si mesmo.
O elenco parece incluir metade dos atores jovens de Hollywood. “Eu fiquei pensando que precisava encontrar um lugar no mundo do design porque tive de criar o design para o filme”, disse Rogen. E a cerâmica estimulou sua criatividade de uma maneira nova e satisfatoriamente concreta.
“Um dos fatos quanto aos filmes é que eles não têm massa, não ocupam espaço físico”, disse Rogen. “São muito intangíveis. E acho que o que existe de melhor em fazer coisas como cinzeiros é que elas são incrivelmente tangíveis e úteis. Amo filmes, e filmes são úteis para mim, mas não úteis no sentido de que interajo com eles dezenas de vezes, ao longo do meu dia, de um modo meio casual, enquanto fumo maconha”.
O cinzeiro da Houseplant é um receptáculo texturizado, cor de terra, que, não fosse a ranhura para o baseado, poderia servir de chávena para chá orgânico em um retiro de “wellness” em Santa Barbara. “Provavelmente há milhões de pessoas que fumam maconha o dia todo e estão jogando cinzas em uma caneca, quando não deveriam”, disse Rogen.
Cinzeiros saíram de moda quando os alertas sobre os riscos de saúde do fumo começaram a ser encarados com seriedade. Por isso, Rogen vasculha o eBay e o Etsy em busca de peças antigas. Ele tem alguns dos cinzeiros de bronze em forma de ouriço do designer vienense Walter Bosse, e um cinzeiro em forma de pata de urso sobre uma base de ferro, criado pelos designers Georges Jouve e Mathieu Matégot.
“Mas essas peças celebravam o tipo errado de fumo, infelizmente”, disse Rogen. Ele acha que a maconha está rapidamente perdendo seu estigma entre os profissionais de sucesso e que eles podem preferir acessórios elegantes a objetos vendidos nas lojas de maconha.
“Eu não bebo e tenho um misturador de coquetéis”, ele disse. “Tenho taças de champanhe e de vinho. Quem gosta de música tem toca-discos bacanas. Se os fones de ouvido têm belas embalagens e um belo design, por que o mesmo não deveria valer para os produtos associados à maconha?”
Entre as celebridades, Rogen está ao lado de Snoop Dogg e Woody Harrelson como embaixador do uso da maconha. “Acordo, faço uma xícara de café e enrolo um baseado”, disse Rogen. “Tomo meu café e fumo meu baseado, e continuo a fumar até a hora de dormir. Às vezes acordo no meio da noite e dou uns tragos em um baseado se não estou dormindo bem”.
No último dia 11, os produtos da Houseplant começaram a ser entregues em algumas cidades da Califórnia, e os compradores puderam escolher entre três variedades novas no mercado dos Estados Unidos: duas sativas, Diablo Wind e Pancake Ice; e uma índica, Pink Moon.
Além do conjunto de cinzeiro e pote de maconha, a empresa venderá um isqueiro de alumínio em estilo Bauhaus, e uma caixa de discos com música para acompanhar cada variedade.
Mas será que o mundo precisa mesmo de mais uma marca de maconha associada a estrelas? Nos últimos meses, Jay-Z lançou uma linha de maconha chamada Monogram, e Ice Cube lançou a maconha Friday Kush.
A modelo e empresária Kathy Ireland lançou uma linha de produtos de CBD, e o mesmo vale para Travis Barker, baterista da banda Blink 182 e namorado de Kourtney Kardashian. Martha Stewart lançou uma linha de balas de goma com CBD e sabor de limão Meyer e laranja kinkan. O que um ator poderia acrescentar?
Integridade e um compromisso para com a justiça social, disse Rogen, que, como partidário de organizações favoráveis à legalização da maconha, por exemplo o Marijuana Policy Project, disse que pretende “fazer tudo que estiver em meu poder a fim de iluminar as políticas racistas dos Estados Unidos com relação à maconha”.
“Não hesitaremos em iniciar conversas desconfortáveis”, ele disse, “e sempre faremos o que pudermos para lembrar que existem pessoas encarceradas por maconha nos Estados Unidos, e pessoas cujas vidas estão sendo arruinadas pela maconha”. E ele não vê problemas em se ver identificado com a maconha.
Rogen conquistou o prêmio Stoner of the Year, da revista especializada High Times, em 2007. Snoop Dogg expressou admiração ao seu “baseado cruzado” (dois cigarros de maconha entrelaçados em forma de X), que Rogen tornou famoso em “Segurando as Pontas”, uma comédia sobre maconha que ele realizou em 2008.
A cada tragada ele se aproxima do Olimpo da maconha, e está chegando ao ar rarefeito –e pungente– onde os espíritos de Jerry Garcia e Bob Marley se misturam.
Para alguns fãs, a maconha é Seth Rogen e Seth Rogen é maconha. E ele aceita alegremente a associação. “É uma honra para mim ser associado à maconha, honestamente”, disse Rogen.
“Às vezes as pessoas imaginam que eu vá tentar evitar me ver definido como maconheiro famoso, ou como alguém que de certa forma é mais famoso por fumar maconha do que por tudo mais que tenha feito. Mas a verdade é que, para mim, essas são realizações dignas. Orgulho-me tanto delas quanto de tudo mais”.
A estreia dele como empresário no ramo de maconha vem em momento oportuno. Mais e mais estados estão legalizando seu consumo nos Estados Unidos. Os eleitores de Montana, Arizona, Nova Jersey, Dakota do Sul e Mississipi aprovaram a legalização da maconha em referendos estaduais em novembro.
Mesmo assim, o debate sobre as consequências do uso em longo prazo de maconha sobre a saúde prossegue, e isso já há mais de meio século. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo federal americano reporta que 10% dos usuários de maconha se viciam. Para as pessoas que começam a fumar antes dos 18 anos, a proporção sobe a um sexto.
Rogen é parte deste último grupo. Seu caso de amor com a maconha começou em uma ravina perto da Point Grey Secondary School, em Vancouver, uma cidade liberal quanto à maconha, quando ele tinha 12 ou 13 anos e seu amigo Saul apareceu com um bong de 30 centímetros de comprimento, tirando-o do bolso frontal do agasalho.
“Fiquei fascinado pela maconha desde a primeira vez que fumamos, fiquei muito chapado e queria repetir”, disse Rogen. “Toda sexta-feira, depois da aula, íamos à ravina fumar maconha”. E seu uso só cresceu à medida que ele ganhava fama em Hollywood.
Rogen e Goldberg estavam chapados o tempo todo quando filmaram “Segurando as Pontas”. E “nós percebemos como aquilo era catártico para as pessoas”, disse Rogen. “Elas enfim estavam vendo um filme sobre maconha tão bem pensado quanto os filmes que não eram sobre maconha. O subtexto era o de que pessoas chapadas tinham feito aquilo. E convenceram alguém a lhes dar US$ 25 milhões (R$ 137 mi) para fazer aquilo. E o filme é bom”.
Rogen admite abertamente que esteve chapado em praticamente todas as cenas de todos os filmes que fez (mesmo Cheech Marin, da dupla Cheech and Chong, afirma que não fumava enquanto estava trabalhando).
Jamais foi um problema. “Em geral, não há quantidade de maconha que eu fume e possa levar alguém a perceber se fumei ou não maconha”, disse Rogen.
Quem considera a maconha como perigosa e viciante talvez imagine se Rogen está mesmo disposto a viver de acordo com o lema ampla, e talvez incorretamente, atribuído a Charles Bukowski: “Descubra aquilo que você ama e deixe que a coisa te mate”.
Rogen, que diz ter pesquisado as questões de saúde relacionadas à maconha e que está satisfeito com suas constatações, não vê a situação do mesmo jeito. “O mundo, às vezes, não é confortável, para mim e outras pessoas”, ele disse. A maconha provê esse conforto. Provê “funcionalidade”, ele disse. “É até onde posso definir”.
“Para mim, não é diferente de usar sapatos ou óculos ou qualquer outra coisa que seja um reconhecimento de que não estou bem enquadrado ao mundo e preciso de ajuda”, ele disse. “Eu seria capaz de andar descalço o dia inteiro? Talvez. Mas para quê?”
Tradução de Paulo Migliacci.
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