Rachel Sheherazade diz ter dúvidas se Bolsonaro chegará até 2022 e revela ter projeto infantil
'Não vou dar minha vida pelo jornalismo', diz jornalista sobre ameaças nas redes sociais
'Não vou dar minha vida pelo jornalismo', diz jornalista sobre ameaças nas redes sociais
Com mais de um milhão de seguidores nas redes sociais, Rachel Sheherazade, 46, faz questão de mostrar a paixão pela profissão. Jornalista há mais de 20 anos, a âncora do SBT Brasil não se contenta em ficar apenas atrás da bancada do telejornal. Ela precisa de mais.
Sempre à procura de novas formas de se comunicar, principalmente nas mídias sociais como o YouTube, Sheherazade vive o embate recorrente de quem não tem medo de expor sua opinião. Mãe de Clara e Gabriel, a jornalista diz que apesar de já ter sacrificado muita coisa em nome da comunicação, ela não daria sua vida pelo jornalismo.
Em 2019, Sheherazade criou um canal independente e sem fins lucrativos no YouTube para falar sobre política. "Minhas opiniões voltaram a incomodar os detentores do poder e passei a ser ameaçada de todas as formas. Recomeçaram as ameaças de morte contra mim e meus filhos. Já sacrifiquei muita coisa em nome da comunicação, da liberdade de expressão. Não vou dar minha vida pelo jornalismo."
Declaradamente contra o governo Jair Bolsonaro (sem partido), Sheherazade define o período como "o mais sombrio", e diz acreditar que o presidente não deve concluir o mandato até 2022. "Tenho mais temores ainda sobre os eventuais herdeiros dessa direita irracional, raivosa e rancorosa", completa a âncora, que também diz não concordar com a esquerda.
Apesar dos tremores com suas opiniões polêmicas sobre Bolsonaro, a jornalista não se incomoda com o fato de o SBT ser a favor do presidente. "Ele [Silvio Santos] é um cidadão como qualquer outro, com suas opiniões, afetos e desafetos. É preciso respeitar o direito do outro de pensar diferente", diz Sheherazade, contratada da emissora desde 2011.
Por causa desse posicionamento, Sheherazade foi afastada do comando do SBT Brasil no ano passado, e foi alvo de Luciano Hang, empresário conhecido por apoiar Bolsonaro e anunciante de vários programas do SBT. Nas redes sociais, ele pediu a demissão da jornalista.
"O jornalismo da grande mídia está todo contaminado com ideologias comunistas que destroem o nosso Brasil. Parabéns Silvio Santos", escreveu Hang, em referência à notícia de que SBT anunciava o fim do jornalístico SBT Notícias, e que toda a equipe do programa tinha sido demitida. "Ainda falta mais gente para você demitir. Raquel é uma delas", completou.
A jornalista não demorou a responder ao empresário: "Já está registrado! Empresário chantageia a emissora onde trabalho e ainda vem à público pedir cabeça de jornalista. Já vi esse filme antes. Mas, agora, vai ter processo", afirmou Sheherazade.
Quanto a possibilidade de deixar a atual casa, ela afirma que isso não acontecerá tão cedo. Sheherazade explica que seu contrato com a emissora de Silvio Santos vai até setembro deste ano. Ela diz que se tiver que sair da empresa, será pela porte da frente.
Há nove anos à frente da bancada do SBT Brasil, Rachel Sheherazade conta que sua rotina começa cedo e afirma que "seu café da manhã são as notícias". "Depois do jornal, meu último compromisso jornalístico é o programa do meu colega Reinaldo Azevedo, na Band News. Não vou para a cama sem ouvir o rei."
Vencedora do Troféu Imprensa em 2015, Sheherazade também possui uma paixão por literatura infantil. Mãe de dois filhos, a jornalista afirma que desde de criança tem o hábito de escrever contos, e revela que tem trabalhado em um novo projeto com muito carinho. "Quem sabe no futuro? Agora não. Meus projetos estão em outra direção neste momento."
Conciliando a vida de jornalista com a de mãe, Sheherazade diz que abandonou o posto de superprotetora por opção. "Eu me dei conta de que eu precisava deixa-los respirar, viver sem mim, apesar de mim, além de mim. Esse foi meu maior gesto de amor [...] Amar é libertar."
O que te inspira a fazer jornalismo?
A paixão pela verdade, pelo conhecimento. O amor à minha língua portuguesa. A beleza da palavra escrita e falada. A adrenalina dos fatos. A oportunidade de testemunhar e escrever a história.
Quando percebeu que gostava de ter uma voz ativa na política?
Quando trabalhava na afiliada do SBT, na Paraíba, e conduzia um programa de política. Apresentava as notícias do estado, e recebia convidados ligados ao poder. Tinha um colega veterano, analista político, que era responsável pelos editoriais de política. Em 2010, ele se desligou repentinamente da empresa e fui desafiada a assumir a função do meu colega. A política não era minha especialidade e tive medo de não estar à altura do meu antecessor. Os desafios sempre me fascinaram e, por isso, mergulhei de cabeça naquele universo, até então, exclusivo dos homens. Tornei-me a primeira mulher a analisar e comentar política no meu estado. E ganhei visibilidade nacional com um editorial sobre o Carnaval em 2011.
Você se afastou do Twitter, rede social da qual você é bastante ativa. Como foi esse processo (de afastamento e retomada)?
Em 2019, criei um canal independente e sem fins lucrativos no YouTube para falar sobre política. Minhas opiniões voltaram a incomodar os detentores do poder e passei a ser ameaçada de todas as formas. As ameaças de morte contra mim e meus filhos recomeçaram. Empresários e políticos pediram minha cabeça e até agentes penitenciários, orientados por associações laborais e apoiados por políticos sujos, passaram a me ameaçar, inclusive com uma avalanche de processos espalhados por todo Brasil. As pressões foram tantas que precisei recuar. É muito fácil calar um jornalista independente quando não temos o suporte de um veículo a nos apoiar juridicamente. Aguentei até onde pude. Já sacrifiquei muita coisa em nome da comunicação, da liberdade de expressão. Não vou dar minha vida pelo jornalismo.
É difícil desligar a vida profissional da pessoal, ou consegue separar bem?
O jornalismo e a minha vida pessoal estão umbilicalmente ligados há 20 anos. Minha profissão é uma das maiores realizações da minha vida. Não vejo como dissocia-la da minha essência. Quando o trabalho é um prazer, uma paixão, uma missão, ele passa a ser pessoal, personalíssimo. Durmo e acordo jornalista. Nem mesmo nas férias, meu lado jornalista tira folga.
Como jornalista mulher, qual sua opinião sobre levantar a bandeira do feminismo?
Esse é um assunto delicado, porque o feminismo é histórico –essa luta justa das mulheres por igualdade de direitos e oportunidades– e foi sequestrado pelos partidos de esquerda. Não me sentia à vontade para me declarar feminista, por receio de ser associada a um partido ou grupo de políticos. As mulheres têm o dever moral de resgatar esse movimento e os valores que ele sempre representou. Valores que estão acima de interesses meramente partidários. Defender a igualdade de gênero é uma questão de justiça social, de cidadania e de humanidade. E isso não tem a ver com ideologias à esquerda ou à direita.
Você é contra o governo Bolsonaro. Qual sua perspectiva para o país e para a democracia até 2022?
Minhas perspectivas são as mais sombrias. Eu já previa o que iria acontecer num governo de extrema direita antes da eleição do atual presidente. Fui muito atacada e perseguida durante a campanha eleitoral em virtude do meu posicionamento critico com relação aos atuais "inquilinos" de Brasília. Tenho minhas dúvidas se esse governo chegará até 2022. E tenho mais temores ainda sobre os eventuais herdeiros dessa direita irracional, raivosa e rancorosa. Política se faz com políticos de verdade, de carne e osso. Mitos e Heróis costumam ser excelentes déspotas.
O que você acha sobre o apoio de Silvio Santos ao governo Bolsonaro na TV aberta?
Antes de ser um grande comunicador e empresário, o Silvio é um cidadão como qualquer outro, com suas opiniões, afetos e desafetos. É preciso respeitar o direito do outro pensar diferente.
Você recebeu alguma proposta para sair do SBT? Muitos jornalistas foram para a CNN...
Sim. Já recebi propostas de outras emissoras para deixar o SBT. Atualmente, tenho um contrato que termina em setembro, e, nos meus 20 anos de carreira como jornalista, jamais quebrei um contrato. Se eu deixar o SBT será pela porta da frente, a mesma por onde cheguei.
Em novembro de 2019 você se afastou do jornal por causa de uma cirurgia nos pés. O que aconteceu?
Foi uma cirurgia eletiva. Vinha adiando por muitos anos e, quando achei que não poderia mais protelar, eu decidi me afastar e resolver esse problema. Agora estou quase recuperada. Terei alguns meses de fisioterapia pela frente e estou proibida de usar salto alto por enquanto.
Como você lida com as críticas e os julgamentos? Você se protege de alguma maneira contra isso?
Aprendi que não há como evitar críticas nem como se proteger de julgamentos injustos. As pessoas vão te criticar de qualquer forma e sabe por que? Porque você importa. Desde que me tornei a primeira mulher a dar opinião na TV aberta, tudo o que eu faço ou digo passou a virar notícia. E você imagina o que é para um país machista como o nosso aceitar uma mulher falando o que pensa sem pedir permissão a um homem? Que acinte! Que afronta! Sou tão alvejada pelos inimigos da liberdade de expressão. Se eu não tivesse representatividade, ninguém perderia seu tempo em me ouvir, em me rebater, em me agredir. Então, aprendi a lidar com os ataques, ignorando solenemente as ofensas. As pessoas vão acreditar no que for mais confortável para elas. A maior parte só quer ouvir o eco de sua própria voz.
De que maneira você se informar? Ainda lê jornal? Como é a sua preparação para o telejornal?
Acesso minhas redes sociais logo que acordo. Meu café da manhã são as notícias. Ao longo do dia, leio os jornais digitais. Não tenho mais onde acumular papéis, revistas, jornais impressos… No carro, estou sempre ouvindo notícias pelo rádio. Quando chego ao SBT, vejo quais os assuntos pautados para o jornal e como foram abordados. O celular segue comigo, sempre conectado, para a bancada do SBT Brasil, e, nos intervalos sempre dou uma espiada no que está acontecendo no mundo virtual. Depois do jornal, meu último compromisso jornalístico é o programa do meu colega Reinaldo Azevedo, na Band News. Não vou para a cama sem ouvir o rei.
Você já disse que gosta de escrever histórias infantis e uma das inspirações para o seu sobrenome vem da história "As Mil e uma Noites". Como mantém esses dois trabalhos distintos?
Escrevi histórias infantis quando criança e depois quando meus filhos nasceram. Agora, eles já não se interessam pelas minhas histórias. Estão vivendo a febre Harry Potter. Estou trabalhando no meu segundo livro, que fala de histórias reais, histórias de jornalistas… Vou parar por aqui para não dar spoiler.
Tem algum projeto em vista para o público infantil?
Tenho um projeto infantil guardado com carinho. Quem sabe no futuro? Agora não. Meus projetos estão em outra direção neste momento.
Como é a Rachel Sheherazade mãe. Ela é superprotetora ou mais tranquila?
Já fui superprotetora. Fui supermãe. Fui presente em todas as ocasiões, tentando controlar o que as crianças comiam, vestiam, assistiam, ouviam, sentiam… Tentava fazer delas a imagem e semelhança dos meus sonhos e meus valores. Até que me dei conta de que eu precisava deixa-las respirar, viver sem mim, apesar de mim, além de mim. Esse foi meu maior gesto de amor. Dei-lhes a vida, dediquei aos meus filhos os melhores anos da minha vida, mas o melhor presente que posso deixar para eles é a liberdade de ser o que quiserem ser, de viver sem precisar me agradar, sem a necessidade de seguir meus caminhos. Dei-lhes asas. Amar é libertar.
Como é conciliar o trabalho com a maternidade?
É uma missão só para os muito fortes. Eu sempre tive mania de perfeição. Queria ser a melhor profissional, mas também queria ser a mãe mais dedicada, irretocável, inesquecível. Acho que consegui dar conta das minhas duas maiores missões. Mas há sempre um preço a pagar. Eu paguei e ainda pago o preço por me entregar de alma e corpo às minhas paixões.
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