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Bichos
Descrição de chapéu The New York Times

Por que 488 golden retrievers se reuniram na Escócia?

País abrigou maior encontro de cães da raça em evento realizado a cada cinco anos

Golden retrievers de todo o mundo se reúnem na Escócia - Roddy Mackay/The New York Times
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Judith Newman
The New York Times

Qual é o som de 488 golden retrievers latindo ao mesmo tempo?

Imagine a sensação de impotência que você talvez sinta quando o bebê de alguém está chorando e você não sabe como resolver o problema. Em seguida, multiplique por... bem, por 488. Em seguida, adicione uma chuva torrencial e um ataque de mosquitos.

Por que essa cacofonia? Por volta das 16h do passado 13 de julho, os cachorros estavam reunidos no amplo gramado em frente às ruínas da Guisachan House, nas Highlands da Escócia, para posar para uma foto coletiva celebrando o Guisachan Gathering 2023, uma espécie de convenção de golden retrievers, em comemoração ao aniversário de criação da raça.

Para a foto, os donos foram instruídos a amarrar seus cães em estacas fincadas no chão e depois sair correndo por aproximadamente 15 segundos, para que a fotógrafa, Lynn Kipps, pudesse capturar a horda de cães que abanavam suas caudas.

Quinze segundos no tempo de um golden retriever é aproximadamente a eternidade, e os 488 golden retrievers evidentemente acreditaram que haviam sido abandonados para sempre. E entraram em pânico.

"Tricia, querida, estou aqui", gritava uma mulher para sua menina, e com isso os latidos pioraram exponencialmente. Finalmente, depois que a eternidade terminou, os pais e mães dos cachorros voltaram para seus dependentes, e a ordem foi restaurada com um tsunami de carícias e guloseimas.

Desde que a primeira foto coletiva foi tirada, em 2001, os amantes do golden retriever vêm se reunindo a cada cinco anos para homenagear Sir Dudley Marjoribanks, mais tarde lorde Tweedmouth, que viveu na então Guisachan House. Atribui-se a Sir Dudley o desenvolvimento do golden retriever, em 1868, quando ele cruzou um retriever de pelagem ondulada com um tweed water spaniel. Ele queria um companheiro de caça robusto, com uma bela cabeça, uma disposição amorosa e olhos suaves e carinhosos, que vivesse para buscar a caça. Aparentemente, a obsessão por bolas de tênis e por rolar na terra também faziam parte do pacote.

Pessoas e seus cachorros viajam do mundo todo para participar (cachorros não precisam ficar em quarentena para entrar na Escócia). Este ano, Austrália, Baviera, Canadá, Croácia, Estados Unidos, Irlanda, República Tcheca e Suíça estiveram presentes. Marta Farkas, 43 –"o nome significa lobo em meu idioma"— viajou por três dias com uma amiga, seu golden retriever e quatro cocker spaniels, vinda da Hungria.

Wayne, 69, e Sharon McGrath, 71, que criam e adestram golden retrievers há 40 anos, não trouxeram seus cães neste ano, mas viajaram de Nova Gales do Sul, na Austrália. Os McGraths vêm a Guisachan quase desde o início do evento, quando havia apenas 30 cachorros e um sonho. "Sim, somos um pouco como os Deadheads [os fãs ardorosos do Grateful Dead]", disse Wayne McGrath.

A reunião deste ano foi a maior de todas. As acomodações se esgotam com meses de antecedência, e os participantes reclamam que levariam mais cachorros se a maioria das pousadas e locais de acampamento da região não limitassem a dois o número de animais que admitem. Meu filho e eu nos hospedamos no Westward Bed and Breakfast em Cannich, um chalé de pedra rústico perfeito, com café da manhã escocês tradicional, bem perto da reserva natural de Glen Affric. Curiosamente, não havia golden retrievers na pousada. Isso porque os mestiço de terrier residente, Rass, "os odeia", disse Alistair Mann, 57, nosso anfitrião.

O que você faz quando chega lá? Há demonstrações de cães de caça e uma exposição de cachorros. Havia uma aula de "como se comportar em um ringue de exposição". Para os humanos, houve uma competição de arremesso de haggis. O momento sagrado da viagem, para muitos cachorros e proprietários, é posar em frente à estátua de bronze do golden retriever no vilarejo vizinho de Tomich. Pamela Burns, 55, tinha a aparência de alguém que está cumprindo um item prioritário de sua lista de desejos, quando posou lá com seus cachorros, Captain, Bear e Gabby.

E havia muitas, muitas opiniões. Susan Goodwin, 74, de Durham, na Inglaterra, conhecida internacionalmente como criadora de cachorros e jurada de competições caninas, expressou preocupações claras sobre a recente moda de caudas curvadas para cima, gordurinhas que pareciam adoráveis, mas não eram necessariamente saudáveis, e pernas mais curtas do que deveriam ser. "Como posso dizer isso com delicadeza?", questionou Goodwin. "Você não quer um cachorro com formato de mesa de centro. Cachorros de mesinha de café não são bons para o campo."

Muitos dos participantes eram criadores, mas alguns eram simplesmente donos de animais de estimação ou fãs do golden retriever.

Um homem, detetive de polícia aposentado de Londres, cujo último golden retriever havia morrido recentemente, explicou da seguinte forma: "Sou viciado e é aqui que venho buscar minha dose".

Isso não é difícil de entender. Nós viemos porque eu sentia falta de Monty, meu querido golden retriever, morto recentemente, que estava sempre com três bolas na boca. Muita gente vem só para aparecer na foto, a foto de todos os cães reunidos em frente às ruínas da casa. Este ano, dois americanos que não puderam levar seus cães de avião trouxeram fotos em tamanho real montadas em bases de papelão. Eles as posicionaram em lugar de destaque. "Tive que lhes dizer que não, eles não poderiam ser incluídos na contagem e que, se quisessem seus cachorros lá, pelo menos os colocassem no meio do grupo", disse Kipps, a fotógrafa.

Apesar da enorme popularidade da raça, um golden retriever jamais conquistou o prêmio Best in Show em Westminster ou Crufts (a maior e mais prestigiada competição de cães no Reino Unido). "É verdade: os golden retrievers não são glamourosos", disse Carol Henry, 65, secretária do Golden Retriever Club of Scotland e principal organizadora, com seu marido, Tom Gorrian, 68, do evento de Guisachan.

Mas, obviamente, a elegância não é a questão (e nem, se formos honestos, a inteligência). O que importa são os olhos. O que importa é a animação eterna. Os tufos de pelo pela casa e a alegria de vê-los com alguma coisa, qualquer coisa, na boca.

Levei um envelope com as cinzas de Monty comigo para a reunião e, quando ninguém estava olhando, as espalhei no terreno da Guisachan House. Suspeito que ele não esteja sozinho lá.

Tradução de Paulo Migliacci

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