Tony Goes

Remake de 'Pantanal' aborda a homossexualidade de maneira mais positiva que a versão original

Autor Bruno Luperi vem modernizando os diálogos criados por seu avô

Silvero Pereira como Zaquieu em 'Pantanal' - João Miguel Júnior/Globo

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"Odeio história de bicha. Pode existir, pode aceitar, mas não pode transformar isso em aula para as crianças. Tenho dez netos, quatro bisnetos e tenho um puta orgulho porque são tudo macho pra cacete".

Esta declaração chocante foi dada por ninguém menos que Benedito Ruy Barbosa ao jornal Extra, em 2016, durante a festa de lançamento de sua novela "Velho Chico".

Na época, houve quem convocasse um boicote ao folhetim da Globo. Como que, em pleno século 21, o autor de sucessos como "Pantanal" e "Rei do Gado" não só admite que evita ter personagens LGBTQIA+ em suas tramas, como ainda se orgulha de seus netos e bisnetos serem todos "machos pra cacete"?

O assunto, de fato, é raro na obra de Benedito Ruy Barbosa. A primeira versão de "Pantanal", exibida pela extinta TV Manchete em 1990, já trazia o efeminado vaqueiro Zaquieu, motivo de chacota entre seus pares. Mas, vivido pelo ator João Alberto, o personagem servia apenas de alívio cômico.

Em 1993, já de volta à Globo, Ruy Barbosa provocou debates em torno de Buba, a hermafrodita (ou intersexual, na linguagem de hoje) interpretada por Maria Luísa Mendonça em "Renascer". No entanto, como a personagem adotava a identidade feminina e se interessava por homens, a discussão não foi muito longe.

Nada como um dia após o outro. Bruno Luperi, o neto de Benedito Ruy Barbosa que assina a nova versão da novela, prometeu que manteria todas as histórias criadas pelo avô, mas que traria o texto para os dias de hoje. Avisou, inclusive, que os homossexuais teriam uma presença maior no remake da Globo.

Dito e feito. Zaquieu, agora encarnado por Silvero Pereira, repete a premissa do original: o mordomo de Mariana, papel de Selma Egrei, que acompanha a patroa quando ela se muda do Rio de Janeiro para a fazenda de Zé Leôncio. Despreparado para a vida rural, ele logo entra na mira dos peões do lugar, desacostumados com alguém que fuja da heteronormatividade.

No capítulo de segunda (4), Zaquieu foi alvo de bullying por parte de seus novos colegas. Respondeu com galhardia e dignidade às provocações, mas não segurou a barra: preferiu ir embora do Pantanal.

Quando Zé Leôncio, feito por Marcos Palmeira, descobre o que aconteceu, passa um sabão generalizado no grupo que assediou Zaquieu. Essa turma inclui seu próprio filho Tadeu, encarnado por José Loreto. A bronca acaba se transformando num discurso didático sobre a homofobia.

"Isso que ocês fizeram não é piada, não. É homofobia e é crime", afirma Zé Leôncio. Ao que Tadeu retruca, com ironia: "Vamo todo mundo preso. Eu, Trindade... A começar pelo senhor, né, meu pai?". Mas o patriarca não se abala. "Era isso mesmo que tinha que acontecer. Se nós estivéssemos num país sério, todo mundo que sorrisse do jeitinho dos outros é cadeia, xadrez".

Esta cena já existia na versão de 1990, mas com diálogos bem diferentes. Zé Leôncio começa pedindo satisfações sobre a partida de Zaquieu, mas acaba rindo junto com seus peões e concordando que foi melhor mesmo o "esquisito" ter ido embora.

O Brasil de 1990 era muito diferente do atual, é claro, e a homofobia raramente era discutida. A cena original reflete a mentalidade de então. Ainda bem que, na nova versão, Bruno Luperi foi contra a opinião de seu avô. E vem mais novidade por aí: nos próximos capítulos, Zaquieu irá se apaixonar por Alcides, vivido por Juliano Cazarré.

É até questionável se o bronco Zé Leôncio, que resiste a novidade tecnológicas como a internet, teria mesmo a cabeça tão aberta como demonstrou nesta cena que já entrou para a história. Mas uma eventual incoerência do personagem é largamente compensada pela verdadeira aula de cidadania e solidariedade que ele deu, no programa de maior audiência da TV brasileira. Os filhos dos filhos dos nossos filhos agradecerão.