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AssineCancele quando quiser
Já é assinante?
Faça loginPor causa do confinamento, nunca se assistiu a tanta televisão no Brasil. Todas as modalidades tiveram aumento de audiência. Mas, enquanto os canais pagos e as plataformas de streaming só têm o que comemorar, a TV aberta passa pelo que talvez seja seu pior momento –e justo no ano em que celebra sete décadas de existência.
A razão é simples. O Ibope subiu, mas a propaganda sumiu. Com pouca ou nenhuma renda, consumidores estão consumindo apenas o básico. Numa conjuntura como a atual, grandes marcas não vão torrar verbas milionárias para anunciar produtos que ninguém vai comprar.
A queda nas receitas publicitárias vem fazendo estragos em todas as emissoras. Equipes inteiras foram cortadas, programas foram cancelados e investimentos, adiados. Nem a Globo escapou. Em 2020, o canal priorizará seus carros-chefes: a novela das 19 horas, a novela das 21 horas e o jornalismo.
Não haverá temporada inédita de "Malhação". A novela "Nos Tempos do Imperador", que deveria ter estreado na faixa das 18 horas em março passado, ainda não tem previsão de retomada dos trabalhos. E todos os três programas humorísticos foram extintos. Darão lugar a uma única atração, ainda em desenvolvimento.
A crise no humor da Globo, a bem da verdade, começou antes da pandemia. Os problemas surgiram em 2019, quando Marcius Melhem, chefe do departamento de humor da emissora desde o ano anterior, foi acusado de assédio moral por algumas das atrizes da área. Melhem se afastou do cargo no começo do ano, alegando que iria acompanhar o tratamento médico de uma de suas filhas nos Estados Unidos. Mas, em agosto, seu contrato expirou e não foi renovado.
Melhem já vinha inovando o humor da Globo mesmo antes de assumir o comando do setor. Em 2014, ele e Marcelo Adnet lideraram a equipe que criou o Tá no Ar, aclamado pela crítica como o melhor humorístico da década. Em 2015, foi a vez do Zorra passar por uma profunda reformulação, também capitaneada por Melhem. O programa não só perdeu o Total do título, como também parte de seu elenco, seus personagens fixos e seu tom popularesco, aproximando-se do estilo do Porta dos Fundos.
Mas a novidade mais subversiva de Melhem foi o quadro Isso a Globo Não Mostra, que estreou no Fantástico em 2019. Dublando e reeditando imagens exibidas pela emissora na semana anterior, o segmento às vezes resvalava para um delicioso nonsense ("três reais!"), mas seu ponto mais forte era a crítica despudorada ao governo Bolsonaro.
Isso a Globo Não Mostra deixou de ser produzido em março, na época em que Marcius Melhem saiu de licença. Fora de Hora, o programa que substituiu Tá no Ar, teve sua primeira temporada encurtada pela pandemia. E o Zorra, que voltaria com um elenco renovado em abril, recorreu a longos meses de reprises. Os episódios inéditos só chegaram em agosto e, mesmo assim, com o elenco gravando remotamente suas participações.
A atual temporada do Zorra encerrou suas gravações, já presenciais, na semana passada. A Escolinha do Professor Raimundo acaba de estrear nova fase, que será a última. Assim como o Fora de Hora, nenhum deles retornará em 2020. O que vem por aí? O que se sabe, até o momento, é que uma nova atração para as noites de sábado está sendo preparada, sob a batuta do roteirista (e colunista da Folha) Antonio Prata. Circulam notícias de que até 150 pessoas, entre atores, roteiristas e técnicos, serão demitidas.
Também circulam rumores de que a Globo, interessada em melhorar sua turbulenta relação com Jair Bolsonaro, pretende aliviar a barra do governo neste futuro programa. Marcius Melhem é declaradamente de esquerda, e suas opiniões progressistas ficavam claras em todos os produtos de sua gestão. Será que o final da "era Melhem" também marcará a volta a um humor menos politizado?
Eu duvido. Afinal, Marcelo Adnet, que não poupou ninguém em seu programete Sinta-se em Casa, continua sob contrato (e ele mesmo anunciou que o Sinta-se, produzido para o Globoplay entre abril e setembro deste ano, deve voltar em breve). O próprio Prata não tem nada de neutro, como mostrou na websérie "Sala de Roteiro". Consultado, ele garantiu: "temos liberdade total para falar de qualquer assunto".
Ainda bem. Porque o próprio governo continua a gerar farto material para os humoristas, com atitudes ridículas e trágicas ao mesmo tempo. Ignorar este manancial de piadas prontas é impossível para qualquer comediante que se preze.