Danni Suzuki mostrou que o racismo estrutural não atinge só os negros
De ascendência japonesa, atriz perdeu para Giovanna Antonelli um papel criado para ela
O Brasil tem a maior população de origem japonesa do mundo, tirando o próprio Japão. A culinária nipônica se espalhou por nosso país a ponto de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, eleger o sobá –a variante local do yakissoba– como seu prato “oficial”. Em cidades como São Paulo, nisseis, sanseis e “nãoseis” ocupam postos de destaque em todas as categorias profissionais.
Mas há uma área em que os descendentes de japoneses, chineses e coreanos ainda têm pouca presença: a teledramaturgia. O máximo que os atores de ascendência oriental conseguem são participações esporádicas em uma novela ou outra –geralmente no famigerado núcleo de humor, em papéis estereotipados de dono de lavanderia ou lutador de caratê.
Que o digam Ken Kaneko, Geovanna Tominaga, Marcos Miura, Carol Nakamura e tantos outros, que nunca ganharam personagens à altura de seus talentos. Que o diga Danni Suzuki; aliás, a atriz já disse. Botou a boca no trombone ao revelar, durante uma live que o autor Walther Negrão criou Alice Tanaka, a protagonista da novela “Sol Nascente” (Globo), especialmente para ela, só para o papel ir para a não-japonesa Giovanna Antonelli.
Exibida entre agosto de 2016 e março de 2017 na faixa das 18 horas, “Sol Nascente” foi uma novela ruim e de baixa audiência, mas isto não vem ao caso. A pouca repercussão que teve naquela época se deveu apenas ao fato de dois atores de traços europeus, Giovanna Antonelli e Luís Melo, terem interpretado personagens que deveriam ter ido para atores nikkei (descendentes de japoneses).
A Globo ainda piorou a situação, alegando que não havia estrelas nipônicas no Brasil capazes de segurar uma novela. Menos de dois anos depois, a emissora cometeu um pecado ainda maior, ao escalar apenas quatro negros num elenco de 44 pessoas para “Segundo Sol” –uma novela ambientada em Salvador, a mais negra das capitais brasileiras.
Desde então, a Globo até que tem se redimido. “Bom Sucesso”, exibida recentemente na faixa das 19 horas, tinha quase metade de seu elenco principal composta por atores negros e pardos. Mas é claro que isto não se dá por bondade. A própria sociedade vem exigindo ver melhor a si mesma na tela, e a Globo tem respondido a este anseio melhor do que suas concorrentes.
O termo racismo estrutural entrou no vocabulário corrente este ano. Foi preciso que intelectuais como Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Thiago Amparo e muitos outros explicassem para os brancos que eles não precisam ser racistas individualmente: o sistema já se encarrega disso, garantindo-lhes privilégios sem que eles percebam (ou achem que é por causa da meritocracia).
O mais terrível é que o racismo estrutural não afeta só a população de origem africana. Asiáticos, indígenas ou qualquer um que não se encaixe no padrão caucasiano também são afetados. Mesmo que seja uma comunidade rica e articulada como a nipo-brasileira.
No caso específico da Globo, vou arriscar alguns palpites. Apesar de seu alcance nacional e de ter seu principal mercado em São Paulo, a emissora ainda é terrivelmente carioca. A relativa ausência de orientais na população do Rio de Janeiro pode ter feito com que muitos na emissora ainda os enxerguem como seres exóticos, que falam português com sotaque e mantêm hábitos estranhos.
O caso Danni Suzuki é um desastre de relações públicas, que se agravou quando a Globo soltou uma nota dizendo que escala elencos segundo “critérios técnicos” –e insinuando, de maneira deselegante, que Danni não estava apta para estrelar uma novela, o que tampouco vem ao caso.
O fato é que se foi o tempo de chamar atores brancos para papéis de orientais. A Globo sabe disso e vem se mostrando mais sensível quanto à representatividade e à visibilidade. Agora falta algum autor da TV criar mais personagens para os bons atores de origem asiática que já temos. Por falar nisso, cadê nossos roteiristas de pele amarela?
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