As melhores sitcoms da atualidade são criadas e estreladas por mulheres
Série 'Vida Perfeita', da HBO, é o mais novo exemplar da comédia feminista
As séries cômicas –comumente chamadas de sitcoms, uma abreviação em inglês de “comédia de situação”– surgiram ainda na década de 1950, nos primórdios da TV americana. O primeiro título do gênero a repercutir no mundo inteiro foi “I Love Lucy”, vagamente inspirada na vida de sua protagonista, Lucille Ball: tanto a atriz quanto a personagem eram casadas com um artista cubano.
Ball também era uma das produtoras do programa, e exerceu controle criativo sobre todas as suas diversas variantes. Mas não era roteirista, assim como Mary Tyler Moore –outra estrela que produziu sua própria sitcom, “The Mary Tyler Moore Show”, um fenômeno de audiência na década de 1970.
Mais mulheres poderosas vieram depois, como Roseanne Barr, criadora e roteirista de “Roseanne”, sucesso dos anos 1990. Esses casos isolados tornaram-se mais frequentes depois que Tina Fey, atriz e roteirista do “Saturday Night Live”, deixou o humorístico em 2006 para criar e estrelar sua própria série: “30 Rock”, que durou sete temporadas e ganhou 16 prêmios Emmy.
Fey interpretava uma versão exagerada de si mesma, a atrapalhada roteirista Liz Lemon, que trabalhava num programa semelhante ao “SNL” na mesmíssima emissora, a NBC. E acabou dando o mote para várias outras atrizes-roteiristas que seguiram seu exemplo: séries com muitos elementos autobiográficos, sem medo de fazer rir da dor e delícia da condição feminina.
Lena Dunham (“Girls”), Pamela Adlon (“Better Things”), Issa Rae (“Insecure”) e Phoebe Waller-Bridge (“Fleabag”) são algumas das mais bem-sucedidas. Todas criaram, produziram e protagonizaram ótimas sitcoms, explorando temas como realização profissional, maternidade e liberdade sexual.
Este ano já temos duas novas integrantes dessa galeria. A mais badalada é Micaela Coel, autora e estrela de “I May Destroy You”, a série mais ousada e inovadora de 2020. Talvez nem se encaixe no rótulo sitcom, apesar de seus episódios terem 30 minutos, a duração padrão do gênero. Porque a protagonista Arabella descobre que foi abusada depois de uma noitada, e embarca numa viagem de autoconhecimento cheia de momentos de rasgar o coração.
“I May Destroy” vem sendo exibida às segundas pela HBO, às 23 horas, e ainda faltam dois episódios para concluir a primeira temporada. Logo em seguida, às 23h30, o canal exibe a sitcom espanhola “Vida Perfeita”, que ainda não recebeu por aqui a atenção que merece.
“Vida Perfeita” é criada, escrita e estrelada por Letícia Dolera. Sua personagem, María, é o que os americanos chamam de “control freak”: uma mulher que planeja cada detalhe de sua vida, para que tudo saia como sempre sonhou. Esta obsessão descarrila logo na primeira cena, quando María rompe com o noivo bem na hora em que os dois iriam assinar o contrato de compra de um apartamento.
Para espairecer, María é convencida pela irmã mais velha, a artista lésbica Esther (Aixa Villagrán) a tomar um comprimido de ecstasy durante a festinha de aniversário da filha de outra irmã, Cristina (Celia Freijeiro) – uma mulher insatisfeita no casamento, que começa a dar suas escapadas extraconjugais.
Não posso contar o que acontece depois, porque as surpresas se acumulam a cada final de capítulo. Só garanto que, mesmo sem ter o impacto de “I May Destroy You”, “Vida Perfeita” vale demais a pena.
Depois de um aparente esgotamento, por causa da proliferação de clones de “Friends”, a sitcom ressuscitou ao se abrir para temas antes considerados tabu: o autismo (“Atypical”), o envelhecimento (“Grace and Frankie”, “The Kominsky Method”) e até mesmo a morte (“The Big C”).
Todas são excelentes. Mas a vertente mais vigorosa da atualidade pertence às atrizes-roteiristas. Essa mulherada vem contando suas próprias histórias de maneira engraçadíssima e, muitas vezes, também dolorosa. Sem papas na língua, nem pudor de expor corpo e alma.
E aqui no Brasil? Não nos faltam atrizes que também são roteiristas, como Fernanda Torres, Suzana Pires ou Silvia Lourenço. Alô, alô, canais de TV e plataformas de streaming: que tal dar mais espaço para elas?
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