Violência contra a mulher gera drama e suspense no filme argentino 'Crimes de Família'
Longa estreou diretamente no streaming e já é um sucesso em todo o mundo
"Crimes de Família" deveria ter entrado em cartaz nos cinemas argentinos no final de maio, e só chegado à Netflix depois de alguns meses. A pandemia fez o filme queimar etapas e estrear diretamente no streaming, na quinta passada (20).
Pode ter sido bom: o terceiro longa com atores de Sebastián Schindel, um cineasta com vários documentários no currículo, se tornou um sucesso planetário instantâneo, entrando no ranking dos 10 mais vistos da plataforma em países tão diferentes quanto a Romênia e a Arábia Saudita.
Aqui no Brasil, onde nesta segunda (24) está em sexto lugar, “Crimes de Família” chegou em ótima hora: justo na semana em que o país voltou a discutir o aborto e a violência contra a mulher. Porque os crimes a que o título se refere têm mulheres entre suas vítimas, e são todos cometidos no âmbito familiar.
Mas o excelente roteiro, depurado ao longo de cinco anos, não tem nada de panfletário. O horror se revela aos poucos, tanto para o espectador quanto para a protagonista Cecilia Roth (“Tudo Sobre Minha Mãe”), em uma das melhores atuações de sua carreira. A musa de Pedro Almodóvar faz Alicia, uma mulher da classe alta de Buenos Aires que leva uma vida para lá de confortável em um amplo apartamento no bairro nobre da Recoleta.
Mas Alicia não é uma caricatura da grã-fina insensível: ela trata quase como seu o filhinho da empregada Gladys (Yanina Ávila, que era mesmo empregada doméstica antes de se tornar atriz), chegando a pagar o colégio do garoto.
Também é a mãe superprotetora de Daniel (Benjamín Amadeo, da série “Quase Feliz” da Netflix), um sujeito que não se acertou na vida, desperdiçando o dinheiro dos pais em negócios que nunca deram certo. Agora o rapaz ainda deu para espancar a ex-mulher (Sofía Gala Castiglione), que não quer mais que ele veja o filho a que não sustenta.
Quando Daniel vai preso, denunciado pela ex, Alicia se desespera a ponto de convencer o marido aposentado (Miguel Angel Solá) a vender o apartamento em que vivem, para conseguirem pagar o melhor advogado. Ao mesmo tempo, Gladys também aparece na cadeia, não sabemos se em flashback ou flashforward. O crime que ela cometeu tampouco fica claro: a princípio, só sabemos que é algo "agravado pelo vínculo", uma expressão judicial que define um delito contra algum familiar – e que chegou a ser o título provisório do filme.
Começam dois julgamentos paralelos, e é claro que eles estão ligados. Mais não dá para contar: o suspense se mantém até o fim, em fogo baixo, mas causando um forte impacto final. Algumas cenas no tribunal deveriam ser obrigatórias para quem defende o "direito à vida".
“Crimes de Família” ostenta dois logotipos curiosos em seus créditos de abertura: o da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o da ONU Mulheres. Os dois órgãos apoiaram a produção assim que souberam que o roteiro, escrito por Pablo Del Teso e pelo próprio Schindel, tratava de assuntos como violência de gênero e precarização das relações trabalhistas.
Não é só o roteiro que se destaca em “Crimes de Família”. Além do ótimo elenco, o filme ainda conta com um elegante trabalho de câmera, uma adequada fotografia em tons sombrios e uma edição lacônica, sem enrolação.
A imprensa portenha já comenta que "Crimes de Família" pode ser o representante do país no próximo Oscar. Não será surpresa se o filme ficar entre os cinco indicados pela Academia de Hollywood. Nem é exagero dizer que é, desde já, um dos melhores de 2020.
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