Diversidade feminina no futebol avança na Globo, mas fica só no treino
Enquanto Ana Thais é ignorada por Galvão, Renata Silveira resume sua atuação na Copa da TV aberta
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A proposta da Globo de avançar no território da diversidade feminina nas transmissões de futebol ainda é mais treino do que jogo. Não que isso não tenha valor, e tem até demais, pesando aí décadas de nulidade nesse contexto. Mas ainda falta chão para o jogo das meninas acontecer de fato na maior vitrine de mídia do país.
Escalada para acompanhar Galvão Bueno nos jogos da seleção brasileira pela TV aberta nesta Copa, Ana Thais Matos é pioneira na função, ao menos naquele espaço historicamente composto por um clube do Bolinha, principalmente em jogos do Brasil em Copa do mundo. Mas ela ainda é voz quase não ouvida diante da euforia do locutor que o Brasil já mandou calar a boca, não faz muito tempo, e depois aprendeu a amar.
Já Renata Silveira, anunciada com pompa e circunstância pela Globo como a primeira mulher que narraria jogos em uma Copa do Mundo na Globo, terá sua atuação reduzida agora ao público mais segmentado do site GE, o que já era previsto.
A partir desta terça-feira, 29, ela já trabalha pela Copa na plataforma do Globo Esporte para os jogos transmitidos às 16h, com poucas partidas reservadas às oitavas de final na Globo.
É que com o início da terceira rodada da fase de grupos, o número de partidas se reduziu e Renata foi preterida no rodízio exclusivamente masculino dos profissionais do grupo Globo nessa função, a saber, Luís Roberto, Gustavo Villani e Cléber Machado, lembrando que Galvão é exclusivo dos jogos da seleção brasileira.
MISOGINIA? PODE ISSO, ARNALDO?
No caso de Renata, há que se reconhecer a desvantagem de experiência da ótima narradora em relação ao trio masculino escalado pela Globo. É óbvio que Villani, Cléber e Luís Roberto, com terreno conquistado há décadas, têm mais traquejo no ofício, e por isso é tão importante que ela tenha participado diariamente da etapa inicial dos jogos do mundial no Qatar, a fim de cavar seu posto de titular em campo num futuro breve, oxalá.
Já sobre Ana Thais, cuja invisibilidade para Galvão Bueno rendeu ao locutor um sem-número de acusações de misoginia nas redes sociais, vale resgatar outros elementos recentes de seu comportamento.
Em agosto, em entrevista a mim e ao jornalista Paulo Passos, aqui na Folha, Galvão reconheceu, provocado por nós, que vive um momento de amor com a torcida brasileira. É notável como o veterano conseguiu driblar a hashtag #CalaBocaGalvão, fruto de anos e anos à frente do microfone, com indiscutível apreço à missão de relatar o que acontece em campo.
Tagarelar freneticamente é um talento útil para transmissões ao vivo, mas muitas vezes o hábito se torna tão visceral, que o sujeito já não deixa ninguém mais falar. Pois se em 1994 o Galvão perdeu a paciência até com o Pelé, acusado pelo narrador de não calar a boca nas transmissões do mundial que nos deu o tetracampeonato, por que ele faria diferente com uma novata?
Será preciso que Ana Thais assegure a parte que lhe cabe nesse latifúndio de 90 minutos de transmissão. Assim foi com Walter Casagrande Jr., hoje colunista da Folha, a quem Galvão se habituou a ouvir, nem que precisasse ser interrompido, e a respeitar.
Galvão está em sua última Copa como narrador na TV, e não há de se abalar pelas companhias da temporada, mas é perceptível que ainda não tenha se habituado aos novos parceiros de transmissão. Apenas Júnior, com quem já contracenou em várias transmissões, tem dado seus pitacos sem aquela cara de quem está pedindo licença para falar.
Na partida contra a Suíça, antes que o primeiro gol do Brasil fosse anulado, Galvão chegou a falar o que diria Arnaldo Cézar Coelho naquela circunstância. Só depois de mencionar o amigo, que se aposentou ao final da Copa da Rússia, o narrador se lembrou de pedir um diagnóstico ao "novo Arnaldo", no caso, Paulo César de Oliveira.
E aí vale citar mais uma quebra na rotina de Galvão: na Copa mais enxuta da Globo desde 1990, não houve lugar para Oliveira na comitiva que a emissora embarcou para o Qatar, e o veterano, habituado a contar com um comentarista de arbitragem ao alcance das mãos, só pode trocar figurinhas com ele ao longo da transmissão de modo remoto.
Dessa forma, vamos torcer para que o problema do Galvão não seja a presença feminina na mesa de transmissão, mas o entusiasmo que lhe toma nesta última Copa como narrador, aliado à necessidade de se enturmar melhor com novos hábitos e colegas de trabalho.
Não resta dúvida, no entanto, de que a tagarelice é sempre mais ruidosa quando a invisibilidade recai sobre uma figura feminina, especialmente no contexto que a Globo vem procurando criar para abraçar a ideia de que futebol não é apenas coisa de menino já faz tempo.