Série 'Filhos da Pátria' é quase um 'Breaking Bad Brasil'
Quando foi que o Brasil começou a dar errado? Épocas de crise como a atual trazem esta pergunta eterna de volta à ordem do dia.
Não por coincidência, três produções recentes da Globo se dedicam a examinar o período em que nos tornamos independentes. Teria sido ali, nas primeiras décadas do século 19, que adquirimos os defeitos que nos corroem até hoje.
A minissérie "Liberdade, Liberdade" (2016) ficcionalizava a vida da filha de Tiradentes para acentuar que a vontade de criar um país decente vicejava mesmo entre a violência e a arbitrariedade.
A novela "Novo Mundo", ainda em exibição na faixa das seis, tem entre seus protagonistas os próprios dom Pedro e Leopoldina, artífices da nossa independência. Em meio ao romantismo obrigatório ao gênero e horário, a trama também mostra políticos corruptos, que lembram bastante alguns deputados contemporâneos.
"Filhos da Pátria" chuta o pau da barraca. A série criada por Bruno Mazzeo e Alexandre Machado só vai ao ar em setembro, mas todos seus 12 episódios já estão disponíveis para os assinantes da plataforma GloboPlay.
E é quase, eliminadas as drogas e guardadas as devidas proporções, uma versão brasileira de "Breaking Bad": um estudo do processo de aviltamento da alma. No caso, a alma de toda uma nação.
Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero) é um honesto funcionário da coroa portuguesa. Com medo de perder o emprego sob o novo regime, ele acaba cedendo às demandas de seu chefe, Pacheco (Matheus Nachtergaele) e às pressões dos empresários em busca de negociatas com o jovem império.
Em casa, a situação tampouco é fácil. Sua mulher Maria Teresa (Fernanda Torres), ambiciosa e arrivista, exige um padrão de vida semelhante ao da irmã Leonor (Letícia Isnard), casada com um ricaço. A filha Catarina (Lara Tremouroux) resiste a um casamento arranjado que salvaria as finanças da família. E o filho Geraldinho (Johnny Massaro) se mete com ciganos e maçons, em busca de aventuras e lucro fácil.
Há ainda uma escrava com o impagável nome de Lucélia (Jéssica Ellen), que economiza tostões para, um dia, comprar a própria liberdade. Mas Domingos (Serjão Loroza), seu colega de senzala, suspeita que, dali a 200 anos, os negros ainda estarão a serviço dos brancos.
Os diálogos afiados não reproduzem o linguajar da época, e alguns personagens têm nomes que não se usavam no Brasil de então, como Silvana ou Nelson. Mas as referências à atualidade mais do que compensam as imprecisões históricas. "Filhos da Pátria" não quer ser didática: é uma farsa, uma alegoria.
Também é um dos melhores programas do ano. Ao lado de "Vade Retro", "Sob Pressão" e a ainda inédita na "Carcereiros", prova que a Globo aprendeu a fazer séries que não devem nada às importadas. E ainda reviram de cabeça para baixo essa bagunça chamada Brasil.
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A personagem de Fernanda Torres se chama Maria Teresa, e não Catarina
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