Renato Kramer

50 anos depois os Beatles continuam 'Os Reis do Iê,Iê, Iê'

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"A Hard Day's Night" (1964), o primeiro filme da banda inglesa que se tornou o maior fenômeno internacional de todos os tempos, The Beatles, teve a derradeira sessão especial na última terça-feira (8) em algumas salas do Cinemark.

Há exatos 50 anos, eu tinha ido passar o fim de semana na casa da minha tia Célia (dos Kramer, irmã de minha mãe), como fazia com frequência. Lá confraternizava com os meus primos Tales e Fausto (o Joni). Tínhamos ouvido falar da estreia de "Os Reis do Iê, Iê, Iê", como se chamou o primeiro filme dos Beatles no Brasil.

Era um domingo ensolarado, e a tia Célia pegou o seu fusquinha amarelo 62 e nos levou depois do almoço até a matinê do então Cine Avenida (hoje uma igreja evangélica) para assistir em primeiríssima mão a "A Hard Day's Night". Meu primo Tales já tinha até o disco compacto duplo com as canções do filme.

Do imenso Cine Avenida saía gente pelo ladrão. Um mar de adolescentes gritava enquanto esperava começar a sessão e passou a gritar mais ainda quando o filme começou, já com os quatro rapazes de Liverpool aparecendo em um vagão de trem na tela. E tinha um roteiro que chegou a ser indicado ao Oscar de melhor roteiro original (Alun Owen). Mas ninguém prestou atenção.

A plateia inteira não sentou um segundo sequer e também não ouviu uma palavra do diálogo. Todos em pé gritando porque os Beatles apareciam, gritando mais ainda porque cantavam e, não contentes com a gritaria, batiam com os pés fortemente no chão. E ai de quem tentasse pedir silêncio. 

Às vésperas de completar meus dez anos de idade, eu, muito tímido, não conseguia gritar, mas estava em pé, como todos, até para poder enxergar alguma coisa, e chorava baixinho com aquela comoção contagiante. Cada um tinha o seu Beatle preferido. O meu sempre foi o Paul. Mas eles juntos é que eram imbatíveis para aquela meninada que vivia a "beatlemania".

Nesta terça-feira, 50 anos depois, fui assistir à versão remasterizada dos próprios estúdios Abbey Road para a comemoração do seu cinquentenário. Não havia uma multidão na sala. Ninguém estava em pé. Ninguém gritava. Nem quando o quarteto entrou em cena no vagão do trem. Havia uma emoção silenciosa.

De repente, eu percebi que havia mesmo um roteiro, e que era bem interessante. Não foi à toa que foi indicado ao Oscar. Assim como a trilha sonora de George Martin, que também está no elenco e coincidentemente faleceu nesta terça aos 90 anos de idade. Mas da trilha eu lembrava muito bem.

Desfilam canções doces, ingênuas por vezes, mas muito harmoniosas e cativantes: a que dá título ao filme "A Hard Day's Night", "I Should Have Known Better", "Can't Buy Me Love", "If I Fell", "And I Love Her", "I'm Happy Just To Dance With You", "Ringo's Theme".

Os primeiros grandes sucessos, que encantaram o mundo e fizeram com que nos apaixonássemos pelos Beatles para sempre, tanto quanto "Tell Me Why", "Don't Bother Me", "I Wanna Be Your Man", "She Loves You" e "All My Loving".

Destaque para o ator Wilfrid Brambell, que vive o avô serelepe de Paul McCartney, e para a participação de Pattie Boyd, que em 1966 se tornaria a primeira esposa de George Harrison. Uma tristeza profunda vê-lo tão jovial e alegre em cena e lembrar que George já faleceu. Assim como o talentoso e brincalhão John Lennon. Queríamos "Beatles Forever". Nenhum deveria morrer. O único grande consolo é que as suas músicas estarão sempre ao nosso alcance.

Eu confesso que chorei baixinho quase que o filme todo. Chorei de prazer em vê-los assim tão fulgurantes, no auge da revolução que fizeram, divertidos e talentosos: brincando com o sucesso avassalador que os envolveu e de perceber que já fazia tanto tempo.

A minha vida nesses 50 anos também passou junto ao filme dos Beatles, desde aquela matinê no extinto Cine Avenida, onde a tia Célia (que Deus a tenha) nos deixou em seu fusquinha amarelo 62.

Chorei porque não tem mais a tia Célia nem o fusquinha nem vejo mais meus primos, pois cada um mora em uma cidade diferente. Mas, de mansinho, sem alarde, fiquei comovido ao perceber que, mesmo passados 50 anos, os Beatles para mim continuam "Os Reis do Iê, Iê, Iê".

 

 

 

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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