Renato Kramer

Retrospectiva de 2015: triste demais! Não recomendo

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No conjunto da obra, a "Retrospectiva de 2015" mostrada pela Record na última quinta-feira (31) foi a mais devastadora das retrospectivas que assisti nesses meus 60 anos de vida.

Alguns tópicos: tragédia ambiental, violência urbana, chacinas atribuídas a ambos os lados: bandidos e a própria polícia. Homicídios realizados por motivos torpes, hediondos e banais. Saúde nota zero, educação reprovada e um universo político da pior espécie. Que retrospectiva triste!

Não é querer fazer o "estraga-prazeres" e logo no primeiro dia do ano só falar de coisas pesadas e negativas. É sim tentar começar um novo ano buscando conscientemente evitar os mesmos erros, virar o rumo dessa conversa, pelo amor de Deus, porque já passou da hora e há muito!

Entre os inúmeros tenebrosos acontecimentos de 2015, não há como não citar a tragédia de Mariana (MG): "provocou uma destruição sem precedentes no Brasil", comentou o jornalista Celso Freitas, "o impacto humano e ambiental é irreparável'.

A briga entre táxis e o aplicativo Uber: depois de muitas manifestações agressivas, incluindo brigas corporais, a disputa vai parar nas câmaras municipais.

Até o mundo da beleza que poderia trazer um leve respiro para a retrospectiva, ficou marcado pela gafe vergonhosa do apresentador do concurso do Miss Universo 2015, que já tinha anunciado a Miss Colômbia como vencedora e teve que voltar atrás e confessar que havia se enganado, e a verdadeira vencedora era a Miss Filipinas. Miss Colômbia, que já estava de coroa, faixa e tudo, perplexa, teve que devolver tudo para a colega.

E o desfile do quadro do horror de 2015 continua: a chacina de Osasco (SP), com 19 mortos em pouco mais de duas horas. "A investigação comprova: um grupo de extermínio formado por PMs vingou a morte de um cabo e de um guarda municipal.

De bom, a "Retrospectiva de 2015" da Record salientou o sucesso de sua telenovela "Os Dez Mandamentos": "Dia 10 de novembro, um dia histórico na televisão brasileira: o dia em que o Brasil inteiro fica de olho na telinha para ver esta cena". A cena em que Moisés abre passagem pelo Mar Vermelho foi líder de audiência em todo o país, informa o jornalista da emissora.

Depois de elogiar muito a novela, o locutor aproveita o ensejo para anunciar que a saga de Moisés ganhará produção cinematográfica em 2016 (28 de janeiro). Mas, pensando bem, a Globo também não faz "Os Melhores do Ano" do Faustão só com artistas da casa?

Mesmo as ciclovias, que poderiam trazer apenas benefícios, causaram muita polêmica e, infelizmente, acidentes fatais. Para engrossar feio o caldo de 2015, ainda contamos com o terror em Paris. A mais bela capital do mundo sob ataque do Estado Islâmico: 130 mortos e 350 feridos. "É o dia mais violento em Paris desde a Segunda Guerra Mundial", afirma Freitas.

Isso sem contar com o ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo no início do ano, com 12 mortos e 11 feridos. Quarenta líderes mundiais dão os braços nas ruas de Paris contra o terrorismo. Numa praia da Tunísia outro ataque: 39 pessoas morrem. "Na Turquia, manifestantes fazem um protesto pela paz quando ouvem uma explosão: dois homens-bomba explodem e matam quase 100 pessoas", declara o jornalista. No Iraque um outro homem-bomba explode deixando mais de 120 mortos. "O esforço em chocar o mundo não tem limites", diz Freitas.

Voltando a puxar a brasa para o seu assado, a retrospectiva da Record anuncia o "encontro do ano": o dia em que o apresentador Silvio Santos foi recebido por Edir Macedo em seu faraônico Templo de Salomão (SP).

O advento do zika vírus: mais de 1.200 casos em 2015. Dengue: mais de 1,5 milhão de casos registrados até novembro com mais de 830 mortos. Ufa! Tá brabo!

Para tentar amenizar a conversa vamos ao hit do ano: "Aquele 1%", de Marcos e Belutti e participação do forrozeiro Wesley Safadão: a canção lidera as paradas nas rádios e o clipe é visto quase 100 milhões de vezes. Não sei bem se isso ameniza muito, mas pelo menos desvia da desgraceira!

Aí, para chafurdar na lama de vez chegamos à Operação Lava Jato. Daí não sobra pedra sobre pedra. É sujeira demais da conta. Isso sem comentar o caso Eduardo Cunha. A que ponto chegamos. Conseguiremos nos superar no ano que hoje começa?

Mas a tragédia humana é sempre mais avassaladora: Aylan, o menino morto na praia fez o mundo parar. O corpo do menino de apenas 3 anos foi encontrado numa praia da Turquia, depois dele ter se afogado junto com a mãe e o irmão de 5 anos. O pai, que sobreviveu, voltou à Síria para enterrar a família. Milhares de imigrantes que fogem da miséria, das guerras, chegam à Europa.

Pausa para respirar: o hit internacional do ano foi considerado "Uptown Funk", de Mark Ronson na voz de Bruno Mars. O clipe foi visto mais de 1,2 bilhão de vezes.

E, para encerrar o ano de 2015 com chave de ouro, temos o pedido de impeachment. "O presidente da Câmara Eduardo Cunha aceita o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. É o estopim da pior crise do governo", afirma Freitas. "O mais irônico é que muitos dos que querem interromper o meu mandato têm biografias que não resistem a uma rápida pesquisa no Google", declarou a presidente. Vai vendo.

Mas para não terminar a retrospectiva literalmente enlameados com tanta sujeira, tivemos o Pan de Toronto, do qual trouxemos 141 medalhas, sendo 41 de ouro. "O Brasil dá exemplo de superação".

Mas e a crise da água? E o calor recorde? E o pai que matou a filha? E o serial killer, o "Monstro da Alba" —o pintor de paredes que enterrou oito corpos no quintal de sua própria casa? E os traficantes brasileiros executados na Indonésia? E a maracutaia da grossa que rolava dentro da Fifa que levou os cartolas para a cadeia?

"A Polícia Federal também decide investigar a relação íntima entre os cartolas e a TV Globo. O monopólio da emissora no futebol brasileiro já dura 40 anos", alerta Celso Freitas.

Para fechar com chave de ouro, a "crise econômica": "O dólar chega a passar dos 4 reais, na maior cotação da história da moeda, o desemprego atinge 9 milhões de brasileiros e a inflação passa dos 10% —o pior resultado em 12 anos. A rotina de notícias ruins no campo econômico gera uma crise de confiança generalizada e um efeito cíclico que só piora a situação", conclui o jornalista.

Além de todo esse painel nefasto, tivemos perdas irreparáveis. No cenário artístico, uma que se foi muito recentemente e vai nos fazer muita falta é a grande Marília Pêra. Ainda poderemos vê-la na próxima temporada de "Pé Na Cova". Mas, como estrela de primeira grandeza que é, brilhou tanto nos palcos que agora certamente brilhará ainda mais no firmamento.

Xô, 2015! Que venha 2016! Que seja possível resgatarmos valores simples como honestidade, confiabilidade, palavra de honra... honra! E saúde, muita saúde (pessoal e pública), muita educação e muita, mas muita união entre os povos. O ser humano sem parceria não funciona, disso já sabemos. Feliz Ano Novo!

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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