Renato Kramer

Marília Gabriela faz sucesso em comédia divertida e requintada

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A jornalista, escritora, cantora e atriz Marília Gabriela está fulgurante no papel da estrela de cinema Masha na peça "Vanya e Sonia e Masha e Spike" (Christopher Durang), sob a direção impecável de Jorge Takla.

Takla, que tem oferecido ao público alguns dos mais belos musicais dos últimos tempos, comemora os seus 40 anos de carreira adentrando ao universo da comédia e consegue fazer humor com o mesmo requinte e bom gosto com que apresenta os seus grandes musicais —vide a sua brilhante versão de "Jesus Cristo Superstar" (2014).

A bela cenografia de Attilio Baschera e Gregório Kramer junto ao figurino pontual de Theodoro Cochrane dão ao espetáculo uma aura glamurosa que remete a uma espécie de realismo fantástico —compondo assim o universo apropriado para os personagens nada comuns que desfilam no palco.

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress Espetáculo 'Vanya, Sonia, Masha e Spike'. Atores Marilia Gabriela (esq), Patrícia Gasspar (centr) e Elias Andreato
Espetáculo 'Vanya, Sonia, Masha e Spike'. Atores Marilia Gabriela (esq), Patrícia Gasspar (centr) e Elias Andreato

Mesmo que o espectador não tenha nenhuma referência clara sobre a ligação das personagens e citações da comédia com a obra do cultuado dramaturgo russo Anton Tchecov (1860/1904) —autor de "A Gaivota", "O Jardim das Cerejeiras" e "As Três Irmãs"— a magia teatral acontece.

Vanya (Elias Andreato) é um gay meigo e discreto que permaneceu em casa para ajudar a irmã Sonia (Patricia Gasppar), bipolar e revoltada com sua dolorida solidão, a cuidar dos pais que agora faleceram.

A vidinha pacata dos irmãos solteirões é por vezes chacoalhada pela presença marcante da esotérica faxineira Cassandra (Teca Pereira). Mas Masha (Marília Gabriela), a irmã que se deu bem e tornou-se uma rica estrela de Hollywood, anuncia uma visita repentina, com a intenção oculta de vender a casa da família por estar cansada de ser a única que ganha dinheiro para bancar tudo por ali.

Ela chega esbanjando prosperidade e totalmente de bem com a vida, ao contrário dos seus dois irmãos soturnos. E, para transgressão maior, traz à tiracolo um aspirante a ator (Bruno Narchi) —seu atual namoradinho 30 anos mais moço.

Marília Gabriela brilha com sua Masha, aproveitando a sua bela voz, o seu porte nobre em seus belos modelos e fartos cabelos. Aos poucos vai desmoronando a euforia da estrela para demonstrar um ser humano frágil, carente e solitário —tanto quanto os seus irmãos.


Por vezes, Gabi dá a impressão de que se desliga por segundos e se autocritica. Mas num relâmpago retoma as rédeas da personagem e a realiza com muito brilho e visível paixão.

Elias Andreato é um mestre. Ele sabe o momento de falar, de calar, de respirar, de elevar a voz, de valorizar ou 'jogar o texto fora' —com riqueza de detalhes e nuances que teatralizam o humano do seu personagem numa perfeita dosagem.

Patrícia Gasppar é atriz para mais de metro! Tem a difícil tarefa de ir na contramão da leveza instaurada no início do espetáculo, mas conduz a sua Sonia com mão firme, de forma visceral. Depois vira do avesso ao imitar com graça a atriz Maggie Smith para ser aceita numa festa à fantasia.

Bruno Narchi transborda energia e adrenalina em seu Spike. Esfrega na cara dos irmãos envelhecidos e perturbados —e até da plateia, tamanha a sua vibração— todo o esplendor de sua juventude e beleza física. Ao vê-lo aparecer apenas de cuequinha branca, muita senhorinha recatada se abana mui discretamente na plateia com as suas carteiras Louis Vuitton.

Bianca Tadini, que também assina a tradução ao lado de Luciano Andrey, traz o frescor da princesinha para o palco. Leve e ingênua, não cabe em si de felicidade por conhecer a mega star Masha, mas quase se deixa enfeitiçar pelo garanhão e sedutor Spike. Bianca cumpre com louvor a sua missão.

Teca Pereira é uma atriz de 'mão cheia'. É a sua Cassandra Paranormal quem costura o espetáculo como um todo com as suas hilariantes previsões e intervenções. Mas não deixa pedra sobre pedra ao aparecer com uma bonequinha vestida de "Branca de Neve", a fantasia que Masha usara na festa. Comediante da melhor qualidade, 'timing' perfeito, e —como se não bastasse, é a rainha dos jogos de mímica.

"Vanya e Sonia e Masha e Spike" está em cartaz no Teatro FAAP (SP). Corra, são as últimas semanas.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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