Renato Kramer

'A minha sina não é ser cantora, é sempre atriz ou apresentadora', declarou Inezita Barroso

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"Eu era uma dondoquinha chique, sempre com um vestidão lindo, que ia nas festas com o meu violãozinho e cantava algumas coisas a pedidos", declara a apresentadora do "Viola, Minha Viola" no arquivo especial "Grandes Personagens Brasileiros: Inezita Barroso – a Voz e a Viola" (TV Cultura) levado ao ar neste domingo (8)

O compositor Paulo Vanzolini (1924 - 2013), amigo e fã confesso da cantora falecida ontem, lembra dos shows acadêmicos que realizava com os colegas sob o título de "Caravana Artística". Entre os organizadores dos eventos estava o então estudante Renato Consorte, que fora convidado para assistir uma apresentação de Inezita e ficou impressionado.

"Quando ela cantava abrangia o bairro inteiro! Aquele vozeirão! Aquela potência!", lembra Consorte. "Foi a primeira pessoa que eu vi muito dotada de talento", afirma a atriz Tônia Carrero. "Ela ia através de notas que nós nunca tínhamos visto nenhuma mulher cantar".

"Ela tinha um baixo que tremia a casa", completa Vanzolini.

O ator Paulo Autran (1922 - 2007) aparece em vídeo para contar que foi padrinho do casamento de Inezita com o seu grande amigo Adolfo Barroso.

"Ele tinha um irmão chamado Maurício Barroso que era um ator muito conhecido na época. A ligação da Inezita com o ambiente artístico foi por intermédio do cunhado", acrescenta Vanzolini.

Em 1954, Inezita Barroso desembarcou no Rio de Janeiro para gravar um dos seus inesquecíveis sucessos "Marvada Pinga" (Ochelsis Laureano), na companhia da esposa de Vanzolini. É ele quem lembra: "Inezita era tão profissional nesse tempo que ela não sabia que disco tinha lado B!". Foi quando a cantora, para preencher o outro lado do seu primeiro compacto simples, gravou a canção do amigo: "Ronda".


"Quando eu comento que canto 'Ronda' alguns dizem 'ah, aquele samba da Márcia' (que gravou a canção em 1977)! Eu digo 'da Márcia também, só que tem uma diferença de alguns anos' —e no meio ainda tem quatro ou cinco que gravaram: Cauby, Bethânia...mas a primeira a gravar fui eu. Mas não era profissional, não ganhei nada!", comenta Inezita.

Foi no convívio com os atores do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), no qual o cunhado trabalhava, que Inezita teve a sua primeira grande oportunidade. Em uma de suas apresentações para a turma do teatro, o brasileiro Alberto Cavalcanti, "que tinha sido convidado para ser um dos diretores da companhia cinematográfica Vera Cruz, se encantou com Inezita!", conta Paulo Autran.

"Ele ficou louco!", conta Inezita, "e falou: eu vou fazer um filme com você!". E a cantora protagonizou "Ângela" (1951), com o qual ganhou junto à atriz e amiga Ruth de Souza o prêmio de Atriz Revelação. Participou da comédia "É Proibido Beijar" (1953), ao lado de Tônia Carrero, e voltou a protagonizar em "Mulher de Verdade" (1954). "A minha sina é não ser cantora, é sempre atriz ou apresentadora!", desabafa Inezita.

"O conjunto da obra dela é imbatível, não tem ninguém que tenha chegado perto!", declara o jornalista Luis Nassif. "É uma pessoa que passou por três gêneros fundamentais: a música caipira, a canção brasileira e o sincopado", acrescenta. "A Inezita é a maior cantora de Noel Rosa que jamais teve no Brasil. Conheci todas as cantoras de samba do Brasil. Todas. Para mim a melhor é a Inezita!", afirma enfático Paulo Vanzolini.

"Quando eu me meti a cantar Noel Rosa, tinha a Aracy de Almeida (1914 - 1988)", lembra Inezita. "A Aracy falou: essa grã-fininha mascarada, quem ela pensa que é?! Brigamos feio! Saiu no jornal. Coitada, ela era muito legal mas ela errou, né? Publicaram, sabe como é, repórter, fofoqueiro!", conclui.

A canção "Lampião de Gás" (Zica Bergami), outro clássico sucesso da cantora, também apareceu em sua vida ocasionalmente. "Estava gravando nos estúdios da Rádio Record e faltava uma faixa para terminar o disco", relembra Inezita. "E tinha hora para devolver o estúdio".

"Então o meu querido maestro Hervé Cordovil foi lá na gaveta dele e pegou a música que a Zica tinha deixado lá. Eu tava com uma gripe do cão, com febre, até falei pro Hervé que ia embora, que não aguentava mais cantar nada. Praticamente o Lampião de Gás foi gravado de ouvido. O coral da Record com a letra na mão – foi gravado na marra! E foi a faixa que levou o disco até hoje!", declara.

Inezita assegura que foi a primeira cantora contratada pela TV Record para apresentar um programa em 1954: "Não tinha esses truques de botõezinhos de hoje, nada. Era ao vivo e era branco e preto! Foi lindo esse começo!", conta a apresentadora.

Sete anos depois acabaria o seu programa na Record. "Aí entrou Bossa Nova, o Iê, Iê, Iê - e agora o que é que eu faço?", retoma a cantora. "Nada. Não tinha nem previsão de voltar para televisão". A sua única filha Marta lembra que foram tempos difíceis: Inezita precisou dar aulas de violão, de piano, fazer bijuteria e até cerâmica. "Foi uma época bem apertada!".

"Até que eu resolvi partir para música caipira!", declara a talentosa cantora Inezita Barroso que apresentou o programa "Viola, Minha Viola" (Eita, programa que eu gosto!) na TV Cultura desde maio de 1980. Uma grande artista que vai deixar muitas saudades. Mas deixa também um belo e vasto legado da sua brilhante estada entre nós. Descanse em paz, Inezita!

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Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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