Renato Kramer

De frente com Gabriela Leite

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O "De Frente Com Gabi" (SBT) de ontem recebeu a ex-prostituta Gabriela Leite, criadora da Ong Davida e da grife Daspu. Marília Gabriela não demorou a perguntar-lhe: "Alguma vez bateu o arrependimento?". "Não", respondeu Gabriela tranquilamente. "Se tivesse que começar, faria tudo de novo".

Em 1992, Gabriela Leite lançou a sua primeira autobiografia "Eu, Mulher da Vida", mas hoje a considera datada. Em 2009, foi a vez de "Filha, Mãe, Avó e Puta" - que este ano foi adaptada para o teatro por Márcia Zanelatto. A atriz Alexia Deschamps é quem faz a personagem, sob a direção de Guilherme Leme. "Quando fui assistir ao ensaio geral e vi ela entrar, pensei: meu Deus, sou eu só que mais alta!", confessou Gabriela.

Marília Gabriela, tratando-a por "xará", havia perguntado se ela se reconhecera na personagem. Gabriela Leite ainda reforçou a perfeição do "visagismo" da mesma - toda a caracterização criada pelo também excelente ator Leopoldo Pacheco - que estreou ontem no Teatro Dulcina (RJ) "A Javanesa", de Alcides Nogueira (autor de "O Astro").

De repente, Gabi pergunta se uma história como a de Bruna Surfistinha ajudaria ou atrapalharia a causa de Gabriela. A atual empresária respirou fundo. "Não ajuda, nem atrapalha", respondeu com cautela. "É que no livro, ela conta mais a parte sofrida", argumentou a ex-prostituta. "Somos amigas, mas a minha história é muito diferente da dela", continuou mais segura. "Eu fui ser puta porque eu quis!", concluiu Gabriela que nunca gostou de ser chamada por outras denominações. Ao que Marília Gabriela questiona: "Por quê?" "Porque 'puta' é sonoro, explica quem somos. E quero que esse nome seja um dia considerado bonito", referindo-se ao fato do termo ser usado em um dos xingamentos mais agressivos do cotidiano.

Por segundos me veio à mente como seria a reação de minha mãe, se viva estivesse, ao assistir esta entrevista. Nascida e criada na década de trinta, no interior do Rio Grande do Sul (Vacaria), com fortes princípios religiosos...uma grande mulher, mas claro que resultado do universo que a envolvia...bah!

Por outro lado pensei no quanto a televisão, mesmo os canais abertos, têm tido a oportunidade de colocar em pauta uma série de assuntos que, por serem considerados 'incômodos' por muitos, comumente não eram discutidos nem tratados com a devida atenção, como se não fizessem parte de uma realidade do ser humano.

"A sua militância pode ser confundida com um incentivo à prostituição?", perguntou muito oportunamente Marília Gabriela. "Não, nem incentivo, nem o contrário", respondeu Gabriela Leite. "A ideia é conquistar direitos de cidadania e qualidade de vida para a prostituta".

No "jogo rápido", Gabi lançou: "Família?" - "Complexo". "Homens?" - "Adoro". "Mulheres?" - "Algumas gosto muito, outras não gosto nada". "Preconceito?" - "Muito ruim".

"Algum sonho?", completou Marília Gabriela. "Sim, de montar um restaurante num pedaço de terra tranquilo que o meu marido (o jornalista Flávio Lenz) tem". Gabi animou-se e foi mais fundo: "Você ainda tem vida sexual muito ativa ou já sossegou o facho?" Risos. "Tenho, claro que não como antigamente!", respondeu rindo Gabriela Leite do alto dos seus sessenta anos de idade.

"Quando sua mãe soube, claro, não aceitou a prostituição?" Gabriela Leite riu um riso nervoso. "Ela não aceitava que eu fosse a um bailinho, imagina a prostituição!" Pausa. "Eu demorei muito a perdoar a minha mãe. É coisa recente", confidenciou a empresária. "Talvez a chegada aos sessenta?", perguntou Gabi, tentando transformar a sensação de dor em humor. Funcionou. Gabriela Leite riu e confirmou: "sem dúvida, foi a chegada aos sessenta!".

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias