Marcelo Arantes

A dificuldade de fazer rir na TV

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Rir é uma necessidade fisiológica, e graças ao riso podemos neutralizar o estresse, ter uma melhor resposta imunológica e ainda proteção cardiovascular.

Ou seja, rir é um mecanismo de proteção e refrigeração mental.

O termo "humor" surgiu na Grécia, e desde as peças do escritor Plauto ele vem sendo uma caricatura da sociedade com a finalidade de provocar o riso.

Em meio ao fenômeno da urbanização brasileira, ria-se do caipira que chegou à cidade grande na década de 1960, e Mazzaropi se consagrou como o primeiro grande humorista da nossa TV, imortalizado pelo Jeca Tatu.

No final da década de 1980, com o fiasco do Plano Cruzado, os brasileiros acompanhavam as crônicas de Alexandre Garcia no "Fantástico" (Globo), que mostravam políticos cometendo gafes e faziam o país inteiro rir para não chorar da década perdida.

Nos anos 1990 ria-se da versão sexualizada da então rainha Xuxa, a Dona Cacilda da "Escolinha do Professor Raimundo", e das esquetes brilhantes de Guel Arraes para o "TV Pirata", cuja fórmula de sátiras foi levada à exaustão pelo "Casseta é Planeta".

OS NOVOS PARADIGMAS DO HUMOR

Como são espelhos da sociedade, os programas humorísticos sofreram um profundo impacto com a internet e a popularização da TV por assinatura a partir dos anos 2000, porque se pulverizaram em nichos diversos.

Embora as emissoras abertas continuassem a produzir coisas boas e gerais, como "Sai de baixo" e "Toma lá dá cá", que faziam piada com as angústias da classe média, a internet se tornou o principal espaço do novo humor.

Uniu-se o país da piada pronta à necessidade que quase todo o mundo tem de tentar ser engraçado, e o brasileiro aprendeu a fazer piada com tudo.

Da morte de Ayrton Senna à derrota histórica para a Alemanha na Copa do Mundo, faz-se piada para compensar falhas, para tirar o corpo fora e até para fingir que ri da dor que deveras sente.

STAND-UP E O HUMOR DA INTERNET

Berço fértil da comédia "stand-up", o humor da internet foi melhor aproveitado até hoje pela TV aberta brasileira, pelo programa "CQC" (Band). A turma do extinto "Comédia MTV", que consagrou o humor de improviso e revelou Marcelo Adnet e Tatá Werneck, também tem o stand-up em seu DNA.

A internet permitiu ao público o humor negro, pornográfico, non-sense, sujo, sem limites, algo impensável na TV aberta hoje. O "Porta dos Fundos" é sua maior expressão de sucesso e refletiu a nova demanda de mercado.


Embora ainda exista um público para o riso pacífico e infantil de programas como "Os Trapalhões", "Zorra Total" e "A Praça é Nossa", a verdade é que a internet transformou o riso. Ela o tornou mais cínico, inteligente, violento, ambíguo e de cara limpa.

Na luta pelo direito ao riso há uma guerra contra o politicamente correto. A piada que faz alguns rirem magoa outros, que querem então impedir todo o resto de rir.

A PERDA DA UNANIMIDADE DO RISO

Parece haver um descontentamento com a programação de humor da principal emissora de TV do Brasil, e no momento não há nenhum humorístico na Globo que agrade plenamente à maioria.

Ainda que a produção, o roteiro e o elenco de "Tá no Ar" sejam brilhantes, e ele seja de longe o melhor programa de humor da TV brasileira na atualidade, muita gente ainda reclama por não compreender algumas piadas (o novo "Zorra" tem adotado fórmula parecida). Sua metalinguagem e a velocidade acelerada agradam à turma da internet, mas não ao tio do sofá acostumado ao besteirol.

Para este, restaram as atuais séries "Tapas e Beijos" e "Chapa Quente", que consomem produções milionárias em roteiros medianos e de futuro incerto.

Esta última, à exceção de Tiago Abravanel, parece ser uma sucessão de equívocos, desde a estética noir ao roteiro tolo que explora os sempre-eles-mesmos desgastados Ingrid Guimarães e Leandro Hassum em detrimentos de nomes talentosos como Mila Ribeiro e Renata Gaspar, escondidos quase como figurantes.

Crédito: Tata Barreto/Divulgação/TV Globo Ingrid Guimarães em "Chapa Quente"
Ingrid Guimarães em "Chapa Quente"

TOMARA QUE CAIA, E CAIU A AUDIÊNCIA

A aposta mais recente da emissora, "Tomara Que Caia", supostamente criada para ser um espaço de interatividade e ouvir a voz da internet, também tem sido um fiasco.

Afinal a internet não se contenta com algo simplesmente feito para ela com a clara intenção de seduzi-la.

A estratégia arriscada de fazer um programa de humor ao vivo, com um improviso premeditado, buscando interação e ainda no domingo à noite —o horário de luto oficial do país—, poderia contar com um elenco bem melhor e uma plateia mais criativa. Salvam-se Fabiana Karla, Heloisa Perissé e Daniele Valente, três grandes comediantes.

O programa funcionaria talvez com dois times permanentes e um terceiro de convidados trocados semanalmente, já que bons humoristas não faltam no banco de reserva da TV Globo, e as pessoas gostam de novidade.

Falta também rever os critérios de escolha da plateia interativa, que faz o público de casa se contorcer de vergonha alheia.

A impressão que se tem é de que a TV Globo não sabe mais o que fazer do seu quadro de humor, por isso resolveu criar uma enquete pra deixar o público compor um programa, acreditando que isso lhe asseguraria audiência e traria credibilidade.

Se queriam repercussão nas redes sociais, elas vieram em forma de hashtags como: #TomaraQueAcabe, #TomaraQueCaiaLogo, #TomaraQueSaiadoAr, #VoltaZorraTotal, #TomaraQueCancelemEssePrograma, #Tomaraquenaodure1mes, #VoltaTomaLáDaCa e #ÉCiladaBino.

Crédito: Paulo Belote/Globo Heloisa Périssé, Nando Cunha, Dani Valente e Marcelo Serrado em "Tomara que Caia"
Heloisa Périssé, Nando Cunha, Dani Valente e Marcelo Serrado em "Tomara que Caia"

Rir é um processo complexo, que requer várias etapas do pensamento, e não há mais consenso geral sobre o que é engraçado. A internet só veio catalisar o processo.

As emissoras de TV deveriam investir mais não apenas em segunda tela (aplicativos para acompanhar sua programação), mas em programas próprios para a internet, preferencialmente que permitam novos talentos. O caminho inexorável da TV é a web.

Outra boa opção seria deixar o humor espalhado por toda a grade. Diluir os comediantes em novelas, e dar férias para Ingrid Guimarães.

A atriz tem demonstrado baixo limiar de tolerância a críticas e se revelou bastante alterada emocionalmente com os comentários nas redes sociais sobre sua atuação em "Chapa Quente".

Além de atrair ainda mais atenção para o naufrágio televisivo do programa, mostra que como comediante tem poucas ferramentas emocionais para lidar com bom humor frente a adversidades.

Ela tem mandado o público trocar de canal sempre que recebe críticas. Esqueceu que o freguês tem sempre razão.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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