Desculpe, Marília Gabriela, mas vou falar do seu filho
Theodoro Cochrane, filho da jornalista, mostra seu talento em 'A última entrevista de Marília Gabriela'
Fui ver a peça "A última entrevista de Marília Gabriela" e confesso que fui surpreendida. Como a peça tem o nome da jornalista, que sempre foi uma mulher exuberante, um expoente do jornalismo e nome imprescindível da história da televisão, achei que ela dominaria o espetáculo, que seu brilho de estrela ocuparia todo o espaço do palco. Que a peça seria basicamente sobre ela. Só que não. O protagonista do espetáculo é Theodoro Cochrane e a peça, além de uma grande D.R. entre ele e sua mãe, é um showroom que exibe seus vários talentos.
Theodoro é um ótimo ator, divertido, interessante, cativante e 'exótico', como diz o texto. Faz seu papel de filho muito bem e dá um show ainda maior quando representa sua mãe.
Mas, mais do que ser técnico, seu maior mérito é afetivo. Theodoro conquista toda a plateia, que empatiza com a injustiça que sofreu durante toda a vida, sendo sempre identificado como o "filho de Marília Gabriela". Se é verdade que "a fruta não cai longe do pé", a semente dessa fruta sofreu bastante para buscar a luz do sol, medrar e crescer, estando sempre debaixo da sombra da árvore-mãe. Mas, a duras penas, ele achou sua luz e continua lutando por ela, inclusive fazendo esse trabalho.
Theodoro também fala de dores antigas e profundas, aquelas que nos habitam desde a infância. Mais do que o bullying que sofria na escola, por exemplo, o que doía mesmo era o fato de sua mãe não fazer nada para defendê-lo. E, se nos condoemos por ele, sofremos também por Marília, que como toda mãe, carrega uma imensa culpa, mesmo tendo feito o seu melhor.
Nesse "exposed" da relação entre mãe e filho, há um momento tão intenso que, essa mãe chamada Marília, chora. Por alguns momentos, ficamos em dúvida se o choro é real ou representado. Mas tudo indica que são lágrimas de verdade, porque tudo ali é uma grande catarse, uma longa e profunda D.R. que mãe e filho compartilham com os presentes.
Confesso que saí do teatro modificada. Se um dia também cometi a injustiça de ver Theodoro Cochrane apenas como "filho da Marília Gabriela", agora eu o vejo como um artista múltiplo, criativo, talentoso e autoral. E se sempre achei Marília uma mulher altiva e segura, hoje vejo que a maturidade adicionou duas dimensões que eu não conhecia. A primeira, a coragem, é para o público. Marilia se escancara sem medo e sem máscaras, entregando a mais nua e crua verdade. A segunda, a generosidade, é para Theodoro. Marília faz um movimento de puro amor: a frondosa árvore-mãe, sem negar sua grandiosidade, afasta voluntariamente alguns de seus galhos e deixa a luz do sol entrar, para que Theodoro saia de sua sombra e floresça em toda sua potencialidade.
É lindo de ver os dois juntos.
É importante lembrar que enquanto estamos vivos, podemos nos reconciliar com nossos pais, nossos filhos e nossos erros.
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