Marcelo Arantes

A paranoia das biografias não autorizadas

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A decisão unânime do STF (Supremo Tribunal Federal) em finalmente liberar as biografias sem autorização prévia no Brasil custou o sono de muita gente nesta quarta-feira (10). Celebridades brasileiras estão paranoicas e é fácil compreender o porquê.

O desejo de se tornar referência a todo custo, aliado à censura prévia sobre obras biográficas, durante séculos protegeu o público brasileiro de histórias nebulosas envolvendo figuras notórias do país, elevadas ao status de semideuses.

A construção de celebridades passa necessariamente pela glamourização da vida comum. Nessa fórmula incluem-se referenciais fantasiosos para os desejos da maioria, como o dinheiro, o sucesso e o poder. Mitos nacionais foram construídos não só pelo talento, mas também a partir de fantasias que transformaram podridão em atos heroicos, sob o aplauso de fãs ignorantes.

Na decisão do STF saem vitoriosos os autores biógrafos, mas sobretudo a verdade, a liberdade de expressão e luta conta a censura prévia. Autores brasileiros finalmente poderão publicar suas obras embargadas e desfrutar do lucro de seu trabalho, como é realidade em países como Reino Unido, Estados Unidos e França.


A história brasileira será redimensionada à medida que figuras como Tiradentes, Dom Pedro 1º, Duque de Caxias, Zumbi dos Palmares, Lampião, Monteiro Lobato, Chico Mendes, Getulio Vargas e Lula puderem ser finalmente dissecados para análise biográfica, sem a necessidade de aprovação dos envolvidos ou de seus herdeiros. Quem ganha é a memória nacional, o país se desenvolve culturalmente.

Aparecerão oportunistas, claro, afinal não se pode garantir que uma biografia será completamente isenta de fofocas, infâmias e injúrias. São os custos da notoriedade, geralmente tão lucrativa, a despeito do ônus que a falta de privacidade carrega. Sem comprovação ou fonte documentada, uma obra poderá ser recolhida e seu autor arcar com indenização. O problema das celebridades que desejam sustentar fantasias será justamente conseguir camuflar tais fontes.

O público vai enfim conhecer o que tem a dizer o motorista do Didi Mocó, as babás do Luciano Huck, a ex-namorada de Luan Santana, a atual namorada de Zezé di Camargo quando terminarem o namoro, a ex-empresária de Anitta, o cabeleireiro gay de Joelma, e principalmente o que dirá o biógrafo de Roberto Carlos em sua nova edição, e os desafetos de Paulo Lavigne sobre ela e Caetano Veloso.

O acesso a conteúdos possivelmente devastadores sobre personalidades do imaginário mítico popular tem muito a contribuir para o entendimento e reflexão do brasileiro sobre sua realidade cultural. Não bastará admirar, será preciso decifrar e identificar mistificações e outros teatros de fingimento.

A partir de agora quem quiser deixar uma boa imagem à posteridade no Brasil terá duas opções: nascer de novo ou passar a agir com mais responsabilidade. Para o bem de suas memórias.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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