Marcelo Arantes

Favorito, Cézar se destaca no 'BBB15' em meio aos erros dos adversários

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Jeca Tatu é a história de um matuto que morava na roça e vivia na pobreza. A vizinhança chamava-o de imprestável, vadio, bêbado, idiota e preguiçoso devido à fraqueza crônica que sentia. Era assim que todos o compreendiam, mas estavam equivocados.

A verdade veio à tona quando, por acaso, um médico cruzou o caminho de Jeca e descobriu que a causa daquela debilidade era anemia causada por ancilostomose, uma infecção parasitária intestinal. Tratado da doença, Jeca se dedicou ao trabalho e prosperou.

O caipira rude e desagradável de Monteiro Lobato no decorrer de sua obra passa por uma metamorfose e traz algumas similaridades com o simplório Cézar Lima, do "BBB15". Não que este sofra de fraqueza orgânica, pelo contrário, mostrou robustez e valentia. Mas ambos traçaram o caminho da incompreensão à vitória.

O verme que maltrata Cézar não é a pobreza que ele alega ter, mas um padrão de comportamento autista funcional, marcado por dificuldades de sociabilidade e comunicabilidade, conforme já discutimos nessa coluna.

A perversidade dessa história foi ser escalado para um reality show de "convivência", mesmo com a produção ciente desta condição, já que são feitos inúmeros testes psicológicos de seleção. Qualquer profissional com bom olho clínico já estaria alerta para seus maneirismos vocais.

Pois bem, convocaram um indivíduo sabidamente com pouca sociabilidade e o jogaram numa cova de leões com plateia. Certamente foi escolhido para ser o bizarro, o bobo da corte, entrou na cota dos que fazem papel de ridículo. E vejam a ironia do destino, mesmo prejudicado sucessivamente nas edições, o patinho feio virou cisne e parece ter chegado lá.


Autistas podem ser indivíduos extremamente inteligentes, inclusive recentemente a Folha divulgou um estudo genético que liga inteligência a risco de ter autismo. Ao que parece, Cézar usou sua inteligência não apenas para conseguir convencer os produtores que deveria ser chamado para o elenco, mas que seria interessante ao programa.

Mas a verdade é que não rendeu um personagem interessante para a narrativa, foram apenas duas semanas de trejeitos engraçados e só. Num jogo de convivência esperam-se conflitos pessoas, ajustamentos, trapaças, romances e barracos, para que o grande público discuta e julgue respeito, ética, lealdade e vários elementos construídos na relação com o outro.

Cézar fugiu a isto tudo por não se lançar à interação social, o que gera outro nível de análise. No instante em que não consegue se relacionar, ele se livra de riscos inerentes aos relacionamentos interpessoais, portanto atinge a zona de conforto na neutralidade.

Como num jogo de cartas em que se avança sem arriscar, esperando apenas que os adversários façam apostas grandes e percam, Cézar se tornou o favorito na reta final do "BBB" não por ter agido com respeito, verdade, caráter, e justiça frente aos oponentes, como gosta de alegar o tempo todo. Ele cresceu justamente por seus adversários terem falhado nestes aspectos.

Há quem ache que Cézar é ingênuo, mas quem saiu pela ingenuidade foi Adrilles, ao idealizar Amanda como figura romântica e deixar-se seduzir por Fernando. Outros o criticam por "falta de personalidade", mas quem perdeu o brilho próprio no jogo foi Amanda, preocupada mais em ouvir um "eu te amo", ainda que artificial, do que com o prêmio principal.

Se levarmos em conta a meritocracia, de fato, o único dos três finalistas que contribuiu para a narrativa do reality foi Fernando, mas não se pode premiar um sujeito que manipulou, fez juras falsas de amor a duas mulheres, traiu seu único amigo às vésperas do fim e jogou apenas dentro do confinamento sem dar qualquer importância à opinião do público fora da casa.

Frequentemente comparado a um "frankenstein" grotesco gerado a partir de elementos de outros candidatos vencedores do programa, Cézar pode sim ter algo de original a acrescentar e confundir as gerações futuras de participantes, caso vença Amanda.

Dono do destino do 'BBB15', transformado em marasmo narrativo, e capitão de almas solitárias, Cézar deixará o legado de que é possível vencer um jogo de relacionamento sem a necessidade de se relacionar, praticamente um brinde às incoerências da vida no mundo real.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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